Ainda oiço as vozes daqueles que a cada passo exclamavam: Salazar é um homem de contas certas! Salazar trouxe ordem às finanças e às famílias... Nunca compreendi os louvores ao homem exemplar e austero. Na aldeia, o povo era tão frugal na alimentação que a batata solitária era o sustento diário. Só ao domingo, o naco de toucinho saía da salgadeira dos mais abastados ou a petinga se misturava em tomatada com o já mencionado tubérculo...
Naquele tempo, os homens começaram a dar o salto. A clandestinidade popularizou-se, embora as razões políticas estivessem reservadas aos iniciados. Salazar, de tempos a tempos, deslocava-se a Santa Comba. Quando tal acontecia, a linha de caminho de ferro era antecipadamente policiada - um guarda aqui, outro mais acima - e as cortinas corridas das carruagens anunciavam que Sua Excelência estava em trânsito...
Outros aldeãos, mancebos, partiam para meses mais tarde regressarem em urna definitivamente fechada ao cemitério familiar. Na escola próxima, nós decorávamos e recitávamos "Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena / Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor."
De alma acanhada, sem saber o que era a poesia, deixava de ouvir as vozes e começava a pensar que o mundo deve ser um lugar muito pequeno em que o relógio parou...
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