No dia em que estive presente num workshop que visava ajudar alunos do 12º ano a "tomar uma decisão", fiquei tão traumatizado que resolvi ensaiar uma resposta a uma pergunta de um aluno do 11º ano: - E se, no âmbito do contrato de leitura, eu apresentasse uns poemas de Herberto Helder à minha turma!?
Sempre que me surge um especialista deste poeta, sinto um calafrio e indago da experiência de leitura do audacioso, adiando a minha resposta o mais possível, pois do lado de lá está um público pouco familiarizado com qualquer tipo de poesia.
Ainda combalido da experiência matinal, em que uma informalíssima psicóloga me quis convencer da bondade de enunciados do tipo É normal tomar uma má decisão! ou Só faço aquilo de que gosto!, atirei-me ao volume OU O POEMA CONTÍNUO para ver se lavava a alma e o corpo...
Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder e surge-me o amador de Camões: Transforma-se o amador na coisa amada com seu / feroz sorriso, os dentes, / as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído / e silêncio. Traz o barulho das ondas frias / e das ardentes pedras que tem dentro si./ E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado / silêncio da sua última vida./ O amador transforma-se de instante para instante, / e sente-se o espírito imortal do amor / criando a carne em extremas atmosferas, acima de todas as coisas mortas.
E fico a pensar no olhar perdido e petrificado do amador camoniano que, à força de misturar imagens, reprime o desejo e apazigua o corpo, passando a viver do fulgor de um momento para sempre perdido, enquanto que o amador de Herberto Helder, no lugar da imaginação, coloca o peso e o vigor do corpo até que a amada lhe corresponda o grito anterior de amor...
Quanto ao meu aluno do 11º ano, ele que tome a decisão que quiser, desde que seja capaz de mostrar que aprecia a poesia de Herberto Helder, e se nos enganar a todos também não há problema, pois tudo é normal neste país ocupado.
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