Em LER A TRISTEZA escrevi que "os livros do meu país são tristes, todos!» Para contrariar o meu pessimismo, João Paulo Videira escreveu um livro "feliz" com um título triste "DE NEGRO VESTIDA"...
Agora que concluí a leitura, verifico que o autor revela uma fé inabalável no «poder resiliente do amor», isto é, na capacidade de recuperar de relações de conveniência, de submissão, de corrosão de sentimentos, atribuindo essa competência à mulher que, quando imbuída da vontade de mudança, consegue contaminar todos os que lhe são mais afins, como acontece com Maria de Lurdes e filhos...
Esta vontade de combater a submissão da mulher resulta aparentemente de uma consciência traumatizada pela secundarização da mulher-mãe, a doméstica", confinada à função procriadora e, em tudo o resto, desprezada. Até na hora da morte!
Este romance, ao dar voz à mulher, ajusta contas com o homem. Incapaz de distinguir o sexo do amor, incapaz de respeitar a mãe dos seus filhos. O homem cobridor!
A este homem cobridor é lhe atribuído um instinto predador que só algumas mulheres possuiriam, sem, todavia, o poderem consumar...
Em síntese, este longo romance, 356 páginas, mais 10 do que o Memorial do Convento, por um lado, ajusta contas com o homem machista do estado novo, mas também da revolução dos cravos; por outro lado, surge como uma forma de esperança num tempo de acentuada degradação das relações interpessoais e familiares.
Finalmente, a leitura do intertexto deixa ver o fascínio do autor, do narrador, do contador de histórias, do «maestro das palavras que orquestrou sua sinfonia» pela narrador saramaguiano. Fascínio pela luz e pela sombra, em particular por uma «visão» que, se não vê por dentro, "fala" ao coração...:
«E veem a vida passando por si enquanto passam por ela. E tudo o que veem, sentem nas mãos que levam dadas e recebidas...»
E para concluir, relembro, de memória provavelmente truncada, Alexandre O'Neill: "Sempre que escrevo um verso, viro-me de costas para o Fernando Pessoa".
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