13.9.15

A dissolução do vínculo social

 «Muitas vezes se diz melhor calando do que falando em demasia.» Provérbio oriental

(Num supermercado.) A caixa recebe de um cliente, já idoso, uma nota de 10 euros para pagar 6 euros e 5 cêntimos. Mecanicamente, pergunta-lhe se quer colocar o número de contribuinte na fatura, ao que o senhor, de forma pouco audível, responde: - só quero a 'demasia'! A menina, perplexa, volta a insistir no NIF, e o idoso na 'demasia', gerando-se o impasse...
Perante a indecisão, decidi explicar à jovem caixa que 'demasia', no contexto, significava 'troco'. Fixou-me, de modo interrogativo, e explicou-me que nunca ouvira tal palavra. Não perdi a oportunidade de lhe explicar que a sua avó certamente conhecia o significado do vocábulo...

Entretanto, fiquei a pensar que, provavelmente, a jovem caixa não teria tempo para ouvir os avós. Na verdade, os mais velhos hoje já só servem para pagar as contas.

Incapazes de ouvir e de falar, dissolvemos o vínculo social. E essa destruição instala-se prioritariamente na língua materna e, a todo momento, somos convidados a abandoná-la, a tornarmo-nos falantes de uma única língua - a língua das praças financeiras, mas também a língua dos apátridas.
Sobre essa mudança, nada dizemos. E vamos (ou não ) votar em quem há muito já deixou de ouvir os mais velhos, e se prepara para os asfixiar, roubando-lhes as pensões e taxando-os a toda a hora. É para isso que serve o número de contribuinte. Agora até nos novos jogos de fortuna e azar é preciso indicar o NIF...  

Sem comentários:

Enviar um comentário