«Claro que há
escritores que são homens de acção ou profissão intervalar: amorosos,
caçadores, guerreiros, aventureiros, políticos, homens de negócios e/ou
trapaças, etc., que agem sobretudo para ter o de que escrever, para rememorar
gostosamente, íntima e demoradamente as acções que praticaram ou exerceram. A acção,
neles, não é tanto um fim em si, como a escorva, espoleta ou detonante, o
estímulo e nutriente da obra, que é, esta, o seu gozo secreto, autista, de
evocação, contemplação e projecção au
ralenti. A sua estesia suprema reside menos no agir do que no
rememorar-escrever, no retrospecto e na análise, na digestão, ruminação ou
solitária exploração das emoções…» José Rodrigues Miguéis, Programação do Caos, nº 33
A reflexão de José Rodrigues Miguéis é cativante, mas difícil de aceitar, pois, como diria Paul Ricoeur, in do texto à ação, «agir significa, acima de tudo, operar uma mudança no mundo».
Para JRM, certos escritores envolver-se-iam na "vida" como «ação de base» para mais tarde terem o de que escrever, dando à estampa a expressão de uma sensibilidade assente no real, mas liberta das poeiras do caminho.
Ora, como «agir é fazer sempre alguma coisa de modo a que aconteça qualquer outra coisa no mundo» (P. Ricoeur, op.cit), o homem de ação corre inevitavelmente riscos (mesmo, de vida) que não pode antecipar. Assim, não faz qualquer sentido, por exemplo, participar na guerra de libertação ou desertar das fileiras do exército colonial, como aconteceu, respetivamente com Pepetela e Manuel Alegre, para mais tarde poder construir uma obra literária que lhes traga gozos privados ou os faça perdurar além morte.
Outra ideia que decorre do pensamento de JRM é que haverá escritores que não são «homens de acção». Homens e mulheres que poderão escrever as suas obras, longe da vida. Homens e mulheres que conseguem escrever sem terem experiência da vida. E esse é outro problema!
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