27.7.15

Pedaço de caminho

(A memória principal data de 15.08.2012)

Para chegar à casa, M. tinha que passar pela palmeira.
Daquela palmeira avistava-se sobre o lado direito uma casa térrea. Donde é que aquela palmeira teria saído, se não se vislumbrava nenhum palmar entre vinhas, olivais e figueirais? Saía de casa e logo os olhos se fixavam naquela inesperada presença. Aquela fixação, ao contrário do que seria de esperar, não fazia sonhar. Era uma presença muda que ajudava a delimitar o caminho de pedra maltratada e que, quando as chuvas desabavam, assistia à transformação da rua em rio de lama. Para além da pedra e da lama, erguia-se, majestosa, a palmeira. Ainda, hoje, por lá continua…
Aquele pedaço de caminho que separava a casa da palmeira foi durante dez anos a aldeia de M.
Para lá da palmeira, a rua estava assombrada: havia cabras nocturnas que devoravam os parcos canteiros de flores, havia cães que latiam sem parar e, sobretudo, havia a violência das palavras grosseiras que fendiam os tímpanos de M. Essas palavras ainda hoje ecoam na mente de M. Talvez se possa admitir que ainda o assombram.

De facto não são só as palavras que ecoam… há também gritos. E em particular, tosses ininterruptas que atravessam o tempo e se repetem…
(...)
Apesar da memória, nem tudo pode ser dito. E de que serviria?

(...)

Última hora: a palmeira já só vive na minha memória e, agora, sei que um pedaço de mim ficou pelo caminho...

Sem comentários:

Enviar um comentário