I - (Bem poderia começar com um exercício respiratório!)
Explicar o uso e a especificidade do código oral e do código escrito traz de volta o enunciado e a enunciação em todo o seu esplendor:
- O céu está azul.
- O céu está azul!
- O céu está azul?
- O céu está azul? - Não, está negro!
Olho ( não oiço!) e vejo sinais que marcam não apenas o que é dito, mas a presença do locutor, a distância do interlocutor e a recriação do momento de enunciação. E os sinais gráficos surgem para apontar os caminhos da interpretação (diferida, agendada, refletida).
Mas quando falo tudo é diferente, os sinais gráficos ainda não chegaram. Falo sem rede! Agora é a entoação, são as pausas, as interrupções que do ouvinte (interlocutor) exigem atenção permanente. O locutor não pode apagar o que é dito, pode reformular, lateralizar, mas não pode recuar, pois não tem qualquer poder sobre o tempo. O discurso oral, porque feito de enunciados e não de frases, necessita de ser um acontecimento. Se tal não acontecer, tudo definha...
Pelos exemplos, se vê que se pode informar, exprimir uma emoção, solicitar uma confirmação ou agitar as consciências. Na enunciação não há tréguas!
De regresso à sebenta, torna-se necessário voltar ao erro e ao desvio, para logo explicar que estes conceitos só fazem sentido se estiverem indexados à norma-padrão escrita, tornando a oralidade serva da escrita. E esta subordinação é nefasta, porque mata a autenticidade e a dinâmica comunicacionais.
Essa dinâmica que nos permite elidir, suprimir, omitir, ocultar, furtar, roubar, sempre com o olho no desvio sintático que alguém designou como elipse.
II- E como o discurso oral necessita de ser acontecimento, volto agora (há umas horas!) ao Sermão da Sexagésima. E só por instantes houve epifania! Ir ouvir um sermão para de lá sair com um peso na consciência não deixa de ser um indicador de masoquismo. Mas era esse o objetivo do Pregador evangélico: levar os pregadores do paço a meter as mãos na consciência, procurando as razões que impediam que a palavra de deus frutificasse. A crítica de Vieira revela-se herdeira de Gil Vicente ( Frei Paço) e não irá escapar nem a Garrett nem a Eça...
O pregador dos passos quer agitar as consciências dos pregadores da corte. No fim, o número de inimigos terá certamente aumentado!
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