12.5.14

Falho de humor...

Todos os dias me fazem perguntas a que me vejo obrigado a responder com humor. Quando me perguntam "o que devo fazer para subir a nota", primeiro paro, depois suspendo a respiração e finalmente respondo relembrando uma atividade que já deveria estar concluída. Por exemplo, ter lido "O Frei Luís de Sousa", o "Memorial do Convento", alguns poemas de Fernando Pessoa, independentemente do sentido de humor ou do sentido lúdico do Poeta... 
E o meu humor está na lentidão, no cansaço e no tom com que refiro os autores e os títulos, sabendo que ao meu interlocutor não lhe passa pela cabeça que ler a obra, ter uma ideia sobre ela, escrever um apontamento de rejubilo ou de enfado, são as condições exigíveis para que a nota possa subir...
Hoje, o meu sentido de humor caiu no ridículo, virou graçola. Respondi com toda a naturalidade  para que a nota suba, suba a um plátano e olhe à sua volta.
No essencial, o humor só surge quando o desaforo se torna inexplicável e não podemos sair do campo da linguagem. É nesse território que nasce o contraste, a ironia, a hipérbole, a caricatura, o chiste, o espírito. E esse território é o contexto em que me movo, em que o autor se move, em que o leitor se poderá mover... Só que as zonas de interseção são cada vez menores...
À escola compete alargar essas zonas de confluência, sem que seja necessário que haja sobreposição absoluta. Quando tal acontece, a liberdade criativa morre!
Hoje, todavia, a escola deixou de cumprir esse desígnio; a família não exige que tal desiderato seja cumprido; as metas do ministério da educação são tão primárias que as zonas de interseção passaram a dar lugar à violência... 
Infelizmente, estou a perder o sentido de humor e a cair na piada ou na graçola. Ou, então, a fazer prova de mordacidade chistosa...
De regresso à leitura, recordo que já Cesário Verde, aos 20 anos de idade, em 1875, teve necessidade de exprimir humoristicamente o seu deslumbrado desprezo pela nórdica, metálica e decadente flor baudelairiana: «gélida mulher bizarramente estranha / (...) ó grande flor do Norte! / O sossegado espectro angélico da Morte!...
Temendo as balzaquianas meridionais, Cesário Verde, em versos alexandrinos, vira a sua atenção provinciana para a "milady do Norte":
Balzac é meu rival, minha senhora inglesa! / Eu quero-a porque odeio as carnações redondas; / Mas ele eternizou-lhe a singular beleza / E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas./

Se ao menos os meus interlocutores não me fizessem perguntas tão rasteiras! Se ao menos os meus interlocutores não quisessem ter uma excelente nota sem se dar ao trabalho de ler, de ter uma ideia, de escrever um apontamento!
Se ao menos os meus interlocutores soubessem relacionar! Se ao menos os meus interlocutores se dessem ao trabalho de procurar, de saber o que significa, de criar pontes! Talvez um dia as soubessem construir e nesse momento entenderiam que, por vezes, é necessário subir a um plátano e olhar à volta, sem cair...
                   ou até caindo...


Sem comentários:

Enviar um comentário