26.4.14

Ler para os outros quando não lhes apetece ler...

«Aqueles dias de horror tinham sido um sismo que num ápice abrira e fechara uma fenda do inferno na superfície clara da sua vida.» Natália Correia, A Madona.

À minha frente, Felizmente Há Luar, de Luís Sttau Monteiro. Será que vou reler esta peça para os outros, uma peça escrita em 1961 e representada pela primeira vez em 1969 e finalmente apresentada em Portugal em 1978? Uma peça que vi representar em 1978! Uma peça que já vi representada, pelo menos, uma dezena de vezes, pela Malaposta, pela Barraca...?
Ler para os outros quando não lhes apetece ler! Ler para os outros, quando haveria tanto a dizer sobre 1961, sobre a Guerra colonial e os movimentos de libertação, sobre a literatura e a emancipação dos povos, sobre o lusotropicalismo e a lusofinia,  sobre Brecht, sobre a PIDE, sobre a censura, sobre Humberto Delgado, sobre a maçonaria, sobre a Igreja Católica, sobre a ocupação estrangeira, sobre a perda de soberania, sobre o despotismo e a liberdade, sobre a traição, sobre Carlos César, o encenador! Ler para os outros quando estes preferem não o fazer?
Já não me apetece ler para os outros porque de mim só querem meia dúzia de frases feitas! Ler cansa-me e dizer ainda mais! Dizer uma qualquer receita para o sucesso imediato...
Em vez de ler, procuro quem leia por mim, e registo:  Traços épico-brechtianos na dramaturgia portuguesa, O Render dos Heróis, de Cardoso Pires, e Felizmente há Luar!, de Sttau Monteiro, por  Márcia Regina Rodrigues.

A cada passo se encontra um académico capaz de me substituir com proveito. Temo, todavia, que o não queiram ler...
Ao contrário do que se apregoa, lê-se cada vez menos, sobretudo, diz-se muito menos. E porquê? Porque já ninguém quer ouvir! A não ser a voz das sereias e dos sátiros! 

Hoje, o que me apetece é interpretar o sentido das palavras daquele ministro que se diz tolerante com os velhos militares e os velhos políticos, que ele respeita pela ação pretérita mas não pelo que dizem. 
Sempre desconfiei que a tolerância era uma forma de cinismo e este aguiar nem tira a máscara.    

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