Fernando Pessoa trata o coração como um comboio de corda que vai entretendo a razão. A ideia seduz o racionalista que aposta na técnica (na arte) como expressão de uma individualidade singular ou, no melhor dos casos, na desmultiplicação das peças que devidamente agregadas procuram, em vão, reconstruir o puzzle humano.
Para trás, o Poeta deixa um coração estilhaçado e desnorteado. Um coração vítima da razão que acusa de lhe não garantir a imortalidade. Um coração efémero, humano!
É esta noção de coração que transforma a memória num artifício literário. A infância, o cais, a música, a nora, o gato, o quintal, o teatro, a loucura, a palmeira, Lisboa são lugares revisitados sem vida, sem renovação. Em Pessoa, há memória mas não há recordação, no sentido em que recordar significa fazer voltar ao coração.
A razão não chega para acordar nem para concordar.
O Português é a língua do coração (cor, cordis) e não da razão. Só podemos acordar, concordar e recordar com o coração cuja pulsão é fonte de vida.
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