Leio e releio Manhã Submersa, de Vergílio Ferreira, e só encontro silêncio, solidão, ocultação, noite, medo, pavor, pesadelo, inferno, demónios ( solitário e carnal), censura, crime (pecado), castigo (físico e psicológico), castração, amputação, MORTE.
As estações estão lá, mas anoitecidas, pavorosas, como se fossem pedregulhos prontos a esmagar os Gaudêncios, os Gamas e os Lopes. A natureza é um lugar horrendo (locus horrendus): «O vulto grande das árvores crescia na escuridão, como faces lôbregas que avançassem aos urros para mim. Mas eu corria sempre, tropeçando nos canteiros, tropeçando no meu horror, até que finalmente me atirei para um banco junto a um tanque de águas mortas.»
As árvores, as águas, o silêncio, a noite, as vozes são a expressão da morte lenta de jovens que, no íntimo, apesar de não terem projeto de vida, a única vocação que pressentiam era a do sangue, da seiva, da libertação…
A outra vocação era lhes imposta pela origem humilde, pelo «ódio infeliz de uma fome que não se cumpriu».
Por instantes deixo-me surpreender pela placidez da natureza de maio: «No pequeno jardim do Seminário rescendiam as violetas, os campos em redor estavam verdes de promessa, e no ar cálido, ao escurecer, ecoava brandamente a memória breve do dia. À noite fazia-se a devoção do mês de Maria com flores, luzes e cânticos. Era uma devoção bonita, literária como o Natal e cuja unção nós explorávamos frequentemente nos exercícios de Português.»
Afinal, maio era uma devoção literária!
/MCG
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