Bernardim Ribeiro, apontamento

Bernardim Ribeiro
Nasceu no final do séc. XV, no Alentejo, e morreu por volta de 1545.
Em Lisboa, Bernardim frequentou o Paço Real, vendo alguns dos seus versos incluídos no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, de 1516. 
Foi amigo de Francisco Sá de Miranda.
Consta que esteve em Itália. Ver a Écloga Aleixo.
A 1ª edição de Menina e Moça foi publicada postumamente, em Ferrara, em 1554, pelo editor judeo-português Abraão Usque, juntamente com mais 5 éclogas suas e outras obras menores. O mesmo editor também publicou a écloga Crisfal, de Cristóvão Falcão. As suas obras foram ainda impressas em Évora, 1557 e Colónia, em 1559.

 Tópicos:
o       Sentimento da natureza
o       Saudosismo
o       Sensibilidade assumidamente feminina
o       Interioridade e intimismo subjetivo (diário íntimo / discurso epistolar)
o      Estilo arcaizante e familiar

Supõe-se que a novela Menina e Moça terá sido escrita entre 1524 e 1530.
Sobre a composição: uma 1ª parte (até ao capítulo XXIV) redigida por alguém suficientemente inteligente e artista; a 2ª parte, por alguém completamente desprovido de inteligência e de senso artístico.
Parece que o livro pretendia vir a ser quando completo uma série de amores infelizes, agrupados num nexo semelhante aquele a que Boccacio submeteu o Decameron: encontro fortuito de algumas personagens, que combinam passar o tempo, contando histórias.

Os antecedentes literários do rouxinol de Bernardim Ribeiro, Mário Martins, Colóquio Letras, nº 27

1.       Metamorfoses de Ovídio
2.       General Estoria, de Afonso El Sabio (tomo I, parte 2, Madrid, 1957, pp. 246-263 – ver tradução dos versos de Ovídio)
Conta-nos ela a funesta paixão de Tereu pela sua cunhada “dona philomena”, até que um dia arteiramente a levou consigo para um bosque deserto e ali a violou.
3.    História Natural de Plínio Sénior: “Certant inter se, palamque animosa contio est. Victa morte finit saepe spiritu prius deficiente quam cantu.”
4.       S. Paulino de Nola (355 a 431)
5.       Fulberto de Chartres
6.       Frei João Pecham, Philomena. (ca. 1225, Patcham in Sussex - 1292, Mortlake, Surrey) doctor ingeniosus

 Filomena ou Filomela de Frei João Pecham espalhou-se pelo mundo, em várias línguas, manuscrita ou impressa: a) em verso francês do séc. XIV, Lund 1941; b) em verso português do séc. XVI; c) em prosa castelhana de Frei Luis de Granada (morreu em Portugal, em 1588).
A Filomena era uma poesia muito conhecida entre nós, graças aos frades menores e ao prestígio de S. Boaventura.
Tanto em Menina e Moça com em Frei João Pecham, a avezinha interpreta e simboliza os tormentos de quem sofre de amores místicos em Frei João Pecham, humanos em Bernardim Ribeiro.
Grande teólogo franciscano, Doutor Seráfico, e segundo fundador da Ordem Franciscana. Nasceu em 1221 próximo de Viterbo, na Toscana. Com dezasseis anos, fez-se franciscano, foi estudar para Paris e ensinou depois Teologia na Sorbonne. Eleito Geral da sua Ordem, feito Cardeal, morreu em 1274. Deixou uma obra: Memórias de S. Francisco.
Em referência à sua obra Lignum Vitae, apresenta um atributo de uma árvore com folhas e um pelicano que rasga o peito para alimentar as crias (a árvore da Redenção ou de S. Boaventura) e o crucifixo que o Santo considerava ser toda a sua biblioteca.
7. Outro documento importante: Speculum Naturale de Vicente de Beauvais, da Ordem de S. Domingos, pelas referências a Plínio e ao De Natura Rerum de Frei Tomás Cantipratense, nomeadamente à explicação do significado do nome FILOMENA: “unde et dicitur a filos, quod est amor, et mene, quod est defectus, quasi amore deficiens”.
Filos significa amor. Mene significa perecer, acabar. Numa palavra, Filomena equivale a perecer de amor.
Em Vicente de Bauvais e Tomás Cantipratense surge a morte do rouxinol como símbolo da alma saudosa e distante que se fina de amor.

Hipótese de Fiama H. P. Brandão:
Seria Bernardim o Énio de Camões porque Virgílio não só estimou, como se sabe, a poesia de Énio, como retomou dos Annali a ideia da fundação de Roma por Eneias?
Faria e Sousa refere que Camões chamava a Bernardim “o meu Énio”.
O louvor da “cavalaria” em Bernardim Ribeiro.
A 1ª edição conhecida do Amadis (de que só existe o 1º livro) é hebraica, possivelmente feita em Leiria, cerca de 1485.
Ver estudo de Patrocínio Ribeiro: a) sobre a sua possível obscura amada Dona Leonor de Mascarenhas, poetisa do Cancioneiro Geral; b) A Célia de Sá de Miranda seria Vittoria Collona, a marquesa pró-franciscana de Pescara, membro da conhecida família dos Collona, opositores renhidos dos Orsini, defensores da Cúria. Também Sá de Miranda se foi retirar em Cabeceiras de Basto, quando sopravam maus ventos…
Hipótese de Barros Bastos:
Não será Bernardim, poeta na Corte (no Cancioneiro) o filho sonegado a Leão Hebreu, quando este em fuga de Espanha, após a fuga de Portugal, o enviou à corte de D. Manuel?
O poeta Bernardim não seria o futurista homónimo e Joana Zagalo seria a ama que o trouxe de Espanha, com um ano de idade.

Intertextualidade

Alma Perdida

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente…
Talvez sejas a alma, a alma doente

Dalguém que quis amar e nunca amou!
Toda a noite choraste e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz!

Florbela Espanca


BUCOLISMO

Género literário sinónimo da poesia pastoril que respeita as convenções clássicas provenientes, sobretudo, das Bucólicas de Virgílio e dos Idílios de Teócrito de Siracusa. Este género enuncia um ideal de vida que canta as belezas da vida do campo, o espaço dos pastores, a ingenuidade dos costumes, a quotidiano tranquilo em simples contacto com a natureza. Trata também dos amores, alegrias e penas dos pastores que contrastam com os sobressaltos e inquietações da vida urbana.

A poesia bucólica é também conhecida por poesia pastoral ou pastoril. O pastor é o representante de um mundo natural, simples, cuja entrada corresponde invariavelmente a uma evasão, não só em termos de espaço (da cidade para o campo) como também em termos de tempo (do presente para o passado). Assim, há como que uma idealização do modo de viver campesino, onde se cria um ambiente imaginário de paz e perfeição, no qual não existe qualquer tipo de corrupção. Todo o cenário bucólico pressupõe a descrição de uma utopia passada. Esta idealização leva a que a vida campestre seja associada à Idade de Ouro (passado), altura em que o homem vivia em harmonia com a natureza e antes de sucumbir ao pecado do orgulho.

Outras imagens típicas deste tipo de poesia são: o pastor que descansa debaixo da faia e que medita sobre a musa rural; o pastor que toca a sua flauta redentora, que, por vezes, se envolve num concurso musical amigável com outro pastor; expressando a boa ou má sorte com a sua amada (má sorte esta que quebra a monotonia do ócio perfeito, pois provoca a infelicidade); o pastor que chora a morte de um pastor amigo. É também de notar que este tipo de literatura põe em cena figuras reais, tais como o próprio pastor ou os seus amigos, com a condição de estarem disfarçados, recorrendo para isso ao uso de anagramas.

O bucolismo poético teve muitos seguidores, nomeadamente na Idade Média, altura em que as imagens bucólicas servem o ensinamento cristão, isto porque Cristo era o Pastor e os homens o seu rebanho. Durante a Idade Média, Boécio, Dante e Chaucer são alguns dos escritores que retratam este modo de vida simples do pastor, modo de vida que é tido por uma prefiguração simbólica do mundo edénico. Nas pastorelas da poesia trovadoresca, podemos registar algumas insinuações bucólicas.

Já no Renascimento, com a poesia de Petrarca, Boccaccio (Ameto, 1341, e Ninfale Fiesolano, 1344-1346), Sannazzaro (Arcádia, trad. para castelhano em 1549), a poesia castelhana de Boscán e Garcilaso, as éclogas Basto e Montano de Sá de Miranda, a poesia de Bernardim Ribeiro e as Rimas de Camões, entre outros, esta temática é ainda adaptada a escritos satíricos e alegóricos, como por exemplo The Shepherd’s Calendar (1579) de Spenser, no qual o mundo pastoral clássico é idealizado para os pastores ingleses. Generaliza-se também a prática de representação dramática de éclogas nas principais cortes europeias. O próprio Gil Vicente deve a inspiração dramática às éclogas de Juan del Encina (Cancionero, 1496). A écloga é a forma literária preferida dos poetas renascentistas que trataram de temas bucólicos.

O mundo pastoril vai oferecer ao homem renascentista um refúgio, um mundo utópico paralelo à sociedade real onde pode haver uma dedicação exclusiva ao ócio. É nesta época que se desenvolvem as cidades, fenómeno que arrasta consigo o sentimento de nostalgia pela simplicidade e tranquilidade da vida rústica. As convenções pastoris são de tal forma populares que vão influenciar outras formas literárias como as novelas (por exemplo, a Lusitânia Transformada, de Fernão Álvares do Oriente, a Consolação às Tribulações de Israel (1533), de Samuel Usque e a trilogia de Francisco Rodrigues Lobo A Primavera, O Pastor Peregrino e O Desenganado, 1601-1608). A célebre Menina e Moça (1554), de Bernardim Ribeiro tem também ingredientes bucólicos, embora entre na categoria de “novela sentimental”.

No neoclassicismo e no romantismo, assiste-se a um afastamento deste tipo de literatura gasta pelos seus convencionalismos. Apesar disto, há um reencarnar do pastor no herói romântico.

No século XIX e XX, não vamos encontrar qualquer “diálogo de pastores”, apesar dos anseios humanos serem os mesmos. Podemos detectar temas bucólicos nos romances de Júlio Dinis, em A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, na poesia de Cesário Verde, João de Deus, Cecília Meireles e de Miguel Torga, e nos romances de Aquilino Ribeiro.

Na sua acepção moderna, o termo foi expandido de diferentes maneiras: em Some Versions of Pastoral (1935), William Empson defende que a criação pastoril é aquela em que há um contraste entre a vida simples e a vida complexa, estando a vantagem do lado da primeira. A vida simples pode, no entanto, ser não só a do pastor mas também a da criança e é usada como sátira às classes mais altas da sociedade. Outros críticos passam a classificar de bucólica qualquer obra que represente uma fuga à vida quotidiana para um local distante ou então, pode aplicar-se a qualquer poesia com um pano de fundo rústico.

E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia

 Novela sentimental

Tristeza: um elitismo espiritual

A tristeza dos heróis e heroínas nas obras da Idade Média e Renascimento é um conceito tão divulgado que às vezes parece perder a verdadeira importância. Não há personagem que se preze que deixasse de ser melancólico, já por natureza e não apenas por causa dos desastres da fortuna que lhe acontecem ao longo da história. Ainda que esta tristeza, por exemplo nos livros de cavalaria, está bem fundamentada já desde o princípio pelo facto de o herói não conhecer a sua verdadeira origem e seus pais.

A tristeza da novela sentimental porém, é diferente. Geralmente nada ficamos a saber acerca do passado, da origem das personagens (só quando a novela assume uma parte cavaleiresca), e, de ponto de vista da narração, também pouco interessa saber mais do que o facto de pertencerem à mais alta sociedade (disso não pode haver dúvidas) porque o verdadeiro nascimento do seu carácter acontece no momento de se enamorarem: sendo um lugar comum no século XV e XVI dizer que o amor faz da pessoa inimiga de si mesma e amiga do sofrimento e tristeza não é surpreendente que o conhecimento do próprio eu só possa surgir neste instante crucial qual é, ao mesmo tempo, o momento do nascimento do herói e da heroína sentimentais.

Este momento de reconhecimento e do surgimento da tristeza é várias vezes bem focalizada na obra de Bernardim, tanto nas suas éclogas (ex.: II. écloga, de Jano e Franco), como na própria Menina e Moça, principal objeto do nosso estudo. Quem mais ideologiza a tristeza é o próprio Bernardim, no diálogo entre a Menina e a Dona do Tempo Antigo, diálogo de tom filosofante que podemos considerar de extrema importância em relação à estética da dor, estética obrigatória nas novelas sentimentais. Neste diálogo, as duas mulheres, duas caras da mesma moeda, afirmam que as mulheres são mais tristes do que os homens: "Isto é assaz para as tristes das mulheres, que não temos remédios para o mal, que os homens têm. Porque o pouco tempo que há que vivo, tenho aprendido que não há tristeza nos homens., e mais: que ser triste é possuir verdade desconhecida: "Mas se elas por isso têm razão de serem mais tristes ou não, sabê-lo-á quem souber que mágoa é manter verdade desconhecida." Já agora, se as mulheres são mais tristes, possuem mais verdade desconhecida, ou seja, são sábias de uma maneira especial, conhecem um mistério a qual só os eleitos têm acesso. Hélder Macedo, no seu livro revolucionário sobre a Menina e Moça, identifica este conhecimento com o conhecimento espiritual, divino.

A narração feminina, a mulher sábia e a mudança de sexo

Quando se fala nos precursores da novela sentimental peninsular, menciona-se as Heroides (com respectivas traduções de Afonso o Sábio e o Bursário) e a Fiammetta por causa do aspeto da narração feminina. Ovídio adopta a narração feminina nas elegias (cartas) de heroínas mitológicas e históricas aos seus amados, dando conta de uma capacidade de mimese extraordinária. Mas não é o único autor da Antiguidade capaz de imitar e reinventar o discurso feminino: já os grandes dramáticos de Grécia (especialmente Sófocles) e entre os romanos Virgílio produzem discursos pseudo-femininos muito bonitos. Ao que parece, o grande tema destes discursos é o amor não correspondido ou atraiçoado. É nesta linha (de Medea, Phaedra e Dido) que se situa Fiammetta também.

No entanto, a narrativa feminina nas novelas sentimentais tem outras características além daquelas dos percursores. É verdade que o grande tema permanece intacto, mas parece haver mais prudência e dignidade nestas figuras sentimentais do que havia nas da Antiguidade, até ao ponto de algumas delas realmente pertencerem a uma esfera divina. Claro que a narrativa feminina não é exclusiva neste género, antes pelo contrário: a maior parte das obras tem um narrador masculino, ainda que as mulheres tenham partes de narração em forma de carta ou de discurso directo. Narração pseudo-feminina caracteriza a Menina e Moça e o Clareo y Florisea da primeira linha até a última: enquanto na obra bernardina existem duas narradoras, no livro de Reinoso só uma, e esta nem sempre tão autêntica como podia ser. Mas também é verdade que as figuras femininas de Menina e Moça são exclusivas desta obra, e lembram à Sofia dos Dialoghi di Amore por serem tão delicadas e tão filosofantes como esta. De certo modo, tal como Sofia, as duas narradoras de Bernardim, simbolizam a própria sabedoria. Como já temos referido em relação à tristeza, esta está mais ligada às mulheres do que aos homens e, permite um conhecimento encoberto (sabedoria) que a maior parte dos homens não possui. Mas, embora a heroína da novela sentimental seja sempre triste, nem sempre possui esta sabedoria - isso depende do facto de ser enamorada ou estar a ser apenas amada -como acontece com a própria Sofia no início da obra filosófica de Leão Hebreu.


 

 


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