Camilo Pessanha: poesia; simbolismo...

 

Camilo Pessanha (1867-1926)

Violoncelo

Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trêmulos astros,
Soidões lacustres...
_ Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
_ Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Não Sei se Isto é Amor

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos cânticos.
Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro a olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.

 

Imagens que Passais pela Retina

Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
_ Porque ides sem mim, não me levais?
Sem vós o que são os meus olhos abertos?
_ O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
_ Estranha sombra em movimentos vãos.

 

Floriram por Engano as Rosas Bravas

Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze _quanta flor! _do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?


Passou o Outono já, já torna o frio…
- Outono de seu riso magoado.
Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado…
- O sol, e as águas límpidas do rio.

Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado.
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais meu coração vazio?

Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando…

Onde ides, a correr, melancolias?
- E, refractadas longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias… 

Interrogação

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.


Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.


Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.


Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.


Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.

 Poema Final

Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
-Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarões, cromáticas vesânias -
No limbo onde esperais a luz que vos batize,

As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis.


Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsidra,
Vagamente sorris, resignados e ateus,

Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.

Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,
Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,

Adormecei. Não suspireis. Não respireis.

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O Simbolismo

 O fim do século XIX é uma época de crise: crise do pensamento e crise das instituições.

 Após uma literatura de carácter universalista, humanista, europeizante, como fora a da geração de 1870, sucedeu uma literatura sem coerência ideológica, cosmopolita, tradicionalista, estetizante, egocêntrica, de um egocentrismo aberrante e anti-humanista, vagamente consciente de um suposta decadência da cultura positiva anterior.

Nos autores mais representativos do simbolismo obliterou-se a noção de tempo, eles pretenderam exprimir-se através duma arte intemporal, de uma beleza absoluta, sentiram uma forte apetência de mitos e suscitaram o aparecimento de alguns.

v  Eugénio de Castro e os mitos clássicos utilizados na formulação poética duma sabedoria baseada num pessimismo de esteta e na crença da universal ilusão, condição da felicidade humana.

v  Raul Brandão e a eternidade da dor

v  António Nobre e o heroísmo sebastianista

v  Alberto de Oliveira e a aventura romântica e espetaculosa dos Descobrimentos.


O decadentismo cultivou a imaginação barroca, um anarquismo intelectual e moral.

v  Criação abusiva de neologismos extravagantes. No glossário de Jacques Plowert figuram os termos «oaristos», «nefelibatas» e outros utilizados por Eugénio de Castro.

v  Revolta violenta contra a regularidade, a disciplina positiva e o cientifismo da cultura de meados do século.

Críticos do decadentismo: Eça de Queirós e Fialho de Almeida[1].

O simbolismo, com estruturação filosófica e religiosa, apresenta estreitas afinidades com o romantismo alemão e as especulações religiosas heterodoxas dos ocultistas, atribui ao poeta uma missão de ordem metafísica e mística, admite a identidade fundamental do mundo interior e do mundo exterior, recorre ao método baudelairiano das correspondências, inspirado pelo princípio da analogia universal, para alcançar o conhecimento de uma realidade absoluta, a que aludem os fenómenos, inacessível à razão, intuída por um eu subjetivo, considerado como um centro interior, lugar de certezas inefáveis, entidade inalienável. A poesia aspira então a transformar-se em magia, e o mundo onírico é considerado como a fonte de misteriosas revelações cosmogónicas.

v  Representantes autênticos do simbolismo em Portugal: Camilo Pessanha e Raul Brandão.

Revistas difusoras do simbolismo:

«Os Insubmissos» - 1889 (Eugénio de Castro, Francisco Bastos, João Meneses)

«Boémia Nova» - 1889 (António Nobre, Alberto de Oliveira, Alberto Osório de Castro, António Homem de Melo, Agostinho de Campos, Eugénio Sanches da Gama; Dr. Fausto…)

«Arte» - 1895

Se o simbolismo incorpora em si o idealismo romântico e o senso romântico do mistério, revalorizando misticamente o sonho e as iluminações do inconsciente, a verdade é que herdou dos parnasianos o culto obsessivo da Beleza aliado à atitude crítica, à ideia da importância da teoria poética para a criação…

Verlaine será simbolista pela estética do vago, do impalpável, da nuance, da insinuação subtil, quer dizer, pela tendência para reduzir a poesia à música.

Também poderíamos notar que o simbolismo é uma viragem decisiva por o poema nascer, a partir dessa corrente (que instaura o moderno em poesia) …

É mais decadente que simbolista a pequena escola que teve por corifeu o autor de Oaristos (1890) e por discípulos António de Oliveira Soares, D. João de Castro, Júlio Brandão e alguns mais.

É certo que nos Oaristos, nas Horas, e principalmente na Silva (…) se cria, por vezes, mediante os símbolos, uma sugestiva atmosfera de indecisão; mas, se virmos bem, são quase sempre símbolos à priori, de propôs delibéré, como diria Maeterlink, e não espontâneos, inspirados, intraduzíveis….

António Nobre, o outro poeta de exceção, é decerto menos simbolista do que romântico, dum íntimo decadentismo, e acima de tudo muito pessoal e muito português, apesar de o Simbolismo o ter ajudado a encontrar-se, a exprimir-se livremente e a ductilizar a sua arte, já moderna.

Creio, porém, haver simbolismo autêntico em Camilo Pessanha e em Mário de Sá-Carneiro. Em ambos, os processos simbolistas perderam o carácter de exercício sem adesão profunda e ganharam a força de uma alma que se comunica.

Pessanha vê espontaneamente o mundo como fluxo de imagens ocas que se impregnam da sua vida subjetiva; pensa espontaneamente por analogias.

O símbolo na Clepsidra tem a dupla face de imagem e de signo… E o mesmo se pode dizer de Mário de Sá-Carneiro, todavia tão diverso – mais sensorial, dum amor-próprio mais afirmativo, revoltado, raiva de grandeza frustrada, a traduzir-se esteticamente no reanimar do vocabulário decadente, raro e fulgurante, e por outro lado em audácias inéditas de expressão, inclusivamente uma sintaxe sui generis. (…) Os seus símbolos – Oiro, Azul, Lua, Cobra – têm certa fixidez, permanecem a polarizar o íntimo conflito.

 



[1] Visou especialmente nos seus comentários galhofeiros as audácias estilísticas de Eugénio de Castro e de Oliveira Soares.


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