José Rodrigues Miguéis

Gerald Moser, Testemunha e viajante - III 

«O que este escritor português tem para oferecer ao público americano é passível de se organizar sob três títulos: uma visão da América, em particular de Nova Iorque, dada por um estrangeiro bem informado; uma melhor compreensão do vulgar imigrante português neste país; assim como contribuições profundas param o conhecimento do esquema mental português.»

Ambientes americanos em histórias como: Beleza Orgulhosa; O Cosme de Riba –Douro; O Natal do Dr. Crosby; Uma Casa Portuguesa; A Inauguração.

« assiste-se, por exemplo, às alterações operadas em Manhattan, à mudança de atitude para com raças diferentes no curso de quarenta e cinco anos, desde a chegada do escritor português à América até à sua morte.

O psiquismo português revela-se bem no Regresso à Cúpula da Pena e em Saudades para Dona Genciana, mas os melhores encontram-se nos três romances até hoje publicados sobre a vida lisboeta, em que se vê como vivem os portugueses, apertados no seu pequeno país conservador, sempre apegados ao passado histórico, numa existência frustrante para qualquer criatura jovem, homem ou mulher que ambicione um pouco mais. Tudo isto me enerva diz o narrador Saudades para Dona Genciana,  - «esta mediocridade e monotonia, este flutuar de amibas na estagnação. Farto.» 

(escritor muito pouco editado no mundo anglo-saxónico)

Procurar filme de Eduardo Geada inspirado em Saudades para Dona Genciana

Ler a PROGRAMAÇÃO DO CAOS (6) é ler um autor que está sempre a falar do EU Odioso e que promete não o fazer.

Do objecto à imagem… do Pátio ao EU

Ver do lado de cá…

Ler a PROGRAMAÇÃO DO CAOS (14)

No reinado – tão elogiado (!!!) – de D. João I, a moeda desvalorizou 100 vezes. Foi preciso compensar o Nuno Álvares e os compinchas da tomada do poder + absolutismo monopolista da Coroa.

Cita Junqueiro:

«A abóboda infinita / não é senão a tampa / desta sombria campa / que a humanidade habita.»

Os dados dos sentidos, do imediato são, para Miguéis, insuficientes

As técnicas vão depressa, mas a ciência vai devagar.

Les idées, vous savez, c’est rare. (Resposta de Einstein ao académico Paul Valéry)

«Por milhões de anos, o homem ateve-se à enumeração, à memorização, à tradição oral-auditiva (e pouco a pouco à escrita) para organizar os dados das suas observações empíricas e pré-científicas penosamente acumuladas: sobre o calendário e as estações, as fases da Lua e os eclipses, os movimentos da esfera celeste, e assim.» JRM

«O mundo é o que eu vejo-sinto-penso: segundo a minha medida ou módulo, que não é o mesmo da galáxia, nem do micróbio, do átomo ou da sua partícula.» JRM

Programação do Caos (19)

Pensamento poliédrico. Mistura imagens, categorias diversas de percepções – amálgama, com-fusão…

(Talvez o leitor julgue também conhecer-me pelo que de mim leu, não? Melhor é desenganar-se!)

Programação do Caos (20)

Escrever é um beco sem saída!

O silêncio é de uma eloquência!...

Por mim, sem ser Mozart, devo muito às insónias. É durante elas que me volta o antigo fervor, com a memória dos momentos significativos, a eloquência das ideias, imagens e formas, o humor, e – ai de mim – o polemismo, demónio familiar constante, que me envenena e obstrui a criação. (Da insónia recreativa ou criadora)

Programação do Caos (23)

Sobre o ato de ler e não só...

«E não falo das operações cerebrais: como seja ler, por exemplo: quando digo que o olho vê - foca - um ponto de cada vez, quero dizer um ponto (extenso!!!) de visão óptima, em torno do qual a visão, seja esta o que for, se esfuma, esbate ou dissipa gradualmente. Vemos, de facto, um trecho de escrita, uma letra ou sílaba no ponto de visão óptima da retina e algo mais que se dissipa em torno dele. O hábito de ler também ajuda aqui: presumo, antecipo ou deduzo a palavra ou frase que ainda não li ou nem chego a ler, ou só leio vagamente. Assim (e isto o camarada tipógrafo deve procurar entendê-lo), quanto mais denso, condensado ou apertado e mais negro ou visível é o tipo, mais depressa eu leio, porque a cada olhada (-dela) abrange mais do material impresso. Espacejar o texto, contra o que muitos supõem, e temos por hábito fazer, é retardar e dificultar a leitura, é criar espaços vazios, brancos, em que o olho é forçado a mover-se em vão, sem nada ler. (...) Por outro lado, os grossos caracteres são bons para os quase «invisuais», como demos agora pedanticamente, em chamar aos cegos, para os não ofender ou humilhar - tão delicados somos de alma! Porque não chamar então impedestres aos coxos? (…) Mudam-se os tempos, muda-se a semântica…

(Relação difícil com editores e tipógrafos)

Programação do Caos (24)

«Foi ao discutir o Pátio que o problema do Tempo me assaltou: o tempo-visão, o tempo-mover-se, o ver-durar, se estão lembrados. (…) Se eu julgo ver em globo, de relance, ou num golpe de vista, e os movimentos dos meus olhos me parecem velozes e a visão instantânea, já assim não é para os delicados órgãos nela implicados: retina, nervo óptico, centros cerebrais – toda a histocitologia respectiva, com os seus impulsos electroquímicos e assim por diante. Para eles, dadas as suas minidimensões, a visão é um processo analítico, minucioso, prolongado. Quer isso dizer que há em mim, não um, mas vários ritmos ou tempos de visão, de que a visão habitual é uma grosseira e aproximativa globalidade. 

Programação do Caos (26)

Canção gitana

Le dijo el Tiempo al queré:

Esa soberbia que tiene

Yo te la quitaré!

(O Tempo disse ao Amor:/ essa soberba que tens / eu ta hei de tirar!)

Mover-se é durar, é vice-versa! A cada intervalo de espaço que eu vou transpondo ocupando corresponde uma fracção desse ritmo: a cada ponto espaço, um ponto-tempo.

Programação do Caos (27)

Infinito não é uma coisa, pois esta «teria limites, seria ou teria forma, e o que não tem limites não é coisa nem portanto tem forma.»

A minha dimensão ou extensão-duração (E-D) determina os meus conceitos fundamentais de distância-tempo: tudo me é relativo, relativo ao meu módulo ou padrão.

À chacun son temps! (…) Eu penso e faço planos e projetos de acordo com o cálculo da minha provável duração: que fariam os outros, nessa escala que vai da partícula-atómica à galáxia, se pensassem como eu: logo, amanhã, para o ano que vem…

O Tempo em si não existe, visto não se referir a qualquer extensão-duração específica, não ser comensurável por falta de termos de comparação (…) De facto, ele é apenas pessoal, subjetivo…

O infinito e o eterno não se podem fraccionar, medir, dividir, inverter… o Espaço não tem centro nem periferia… 

Programação do Caos (31)

Do homem no escritor (e vice-versa)

«O homem que escreve por imperiosa necessidade (…) é o que fala primariamente consigo e para si próprio, um Fala-Só, embora, com maior ou menor consciência disso, o faça para os outros também: a fim de se conhecer, revelar, surpreender, compreender, exprimir e comunicar, objectivar-se e justificar-se, supor-se ou confessar-se, disfarçar, mentir a si mesmo e aos outros (sobretudo), e enfim para convencer, mobilizar, catequizar ou proselitar os seus hipotéticos leitores. Quantas vezes, mesmo, simplesmente para gozar – ou sofrer!... 

(…) É pois um narciso comunicante ou comungante a mirar-se nos outros: convive – a sós. Porque escrever é, antes de tudo, um acto de intimismo, de intimidade e confiança com e em si mesmo, de confidência: como o sonho e a quimera. Quem não tiver essa auto-intimidade, poderá escrever montanhas, que nunca será escritor!»

Programação do Caos (32)

Ao contrário do pintor ou do escultor, «o pobre do escritor não pode abranger com a vista dos olhos a obra inteira: para a observar, julgar, criticar-se ou controlar-se, saber se ela é ou não é coerente, harmoniosa, caótica, provocadora, tem de a reler palavra por palavra…» (…) ninguém como ele pode penetrar tão indolormente até ao âmago da afetividade do cliente: porque depois da escrita, do acto de escrever, e um pouco menos que ela, a leitura é a mais autista, solipsística, onanística, de todas as humanas ocupações individuais. De facto, a escrita, a literatura, é, em si, um acto inútil, que só se torna eficaz ao devolver-se no acto de ler. Ou a leitura é o que dá eficácia à escrita.

Programação do Caos (33)

«Claro que há escritores que são homens de ação ou profissão intervalar: amorosos, caçadores, guerreiros, aventureiros, políticos, homens de negócios e/ou trapaças, etc., que agem sobretudo para ter o de que escrever, para rememorar gostosamente, íntima e demoradamente as ações que praticaram ou exerceram. A ação, neles, não é tanto um fim em si, como a escorva, espoleta ou detonante, o estímulo e nutriente da obra, que é, esta, o seu gozo secreto, autista, de evocação, contemplação e projeção au ralenti. A sua estesia suprema reside menos no agir do que no rememorar-escrever, no retrospeto e na análise, na digestão, ruminação ou solitária exploração das emoções…» 

«Todo o homem precisa de eco ou de radar; de saber que é escutado. Comunicar pela linguagem da fantasia é uma superação, compensação ou supercompensação das insuficiências pessoais, reais ou imaginárias; um estímulo e uma muleta.»

Obras citadas : 

Violette Le Duc, La Folie en Tête

Nell Kembal, Her Life as an American Madam

Sheila Graham, A State of Heat 


Programação do Caos (34)

«Escreve sempre melhor quem previamente narrou a sua história a um ouvinte simpatizante: só assim, por misterioso magnetismo, ela parece assumir forma ou definição concreta, efeito afectivo.»

JRM desenvolve o tema do onanismo ( a arte de Onan), referindo-se a Mário Sá-Carneiro, designadamente à novela Céu em Fogo… e ao testemunho de Teixeira Duarte  


Programação do Caos (35)

On n’est pas criminel pour faire la peintude

De bizarres penchants qu’inspire la nature.

       Sade


Reler Les Nouvelles Nourritures, d’André Gide


Animal tristis post coitum…


Programação do Caos (37)


Urge que Eros  não se torne uma… erosão!


A falagem

«Sabemos que a oratória pode arrebatar indivíduos isolados ou multidões ao frenesim religioso, bélico, erótico, histérico, político, homicida e até genocida, se o poder carismático do orador, líder, tenor da ópera, pregador sagrado, pai-de-santo ou actor, a sua «presença», voz e articulação, forem de molde a reforçá-la.»


Programação do Caos (38)

A sublimação. Cliché psicoliterário – privação e recalque.

Nos antípodas: Balzac e Victor Hugo. Ver Séraphine de Balzac.

«A obra não é o homem, antes é, em muitos casos, o seu disfarce e jogo de espelhos, a sua antítese.» 

«Se a teoria da sublimação fosse verificável, lei universal, todos os privados, duvidosos, inibidos ou incapazes sexuais seriam criadores. A mesma causa geraria sempre idênticos efeitos. E onde estão as obras deles?»

Programação do Caos (42)

Pavese

Hemingway

Proust

Scott-Fitzgerald

Faulkner

«Está de há muito desacreditada a teoria de Lombroso, que associou Génio & Loucura. A maioria dos loucos não dá nada que preste.» 

«Toda a obra é autobiográfica no sentido de que é parte tecidual, essencial, da vivência do autor, e se nutre da sua experiência real ou fantasiada, que não é, esta, menos reveladora que a primeira.»

Programação do Caos (43)

Julien Green

Henry Miller

«Irene Lisboa, largamente autocensurada ou mutilada por motivos sub e objetivos (o nosso eterno pudor!), não consegui transpor-se suficientemente em personagens de ficção – espantaria que lhe faltasse o poder de efabulação, tão exuberante ele se revela nos seus contos e «contarelos» - nem permanecer, em contrapartida, suficientemente confessional, como tanto desejaríamos na nossa insaciável indiscrição. A sua obra fortemente poética e subjetiva, ficou entre duas águas.»

Comparem-na à da Anais Nin ou da Djuna Barnes das críticas (surrealistas) confissões!

Della of Venus

Violette Le Duc…


D. H. Lawrence (- 1930), apóstolo do machismo, do ciganismo, do vitalismo erótico (…) um débil, deficiente ou insuficiente sexual

- O Amante de Lady Chatterley (3 versões). A 1ª versão reforça «a tese de que a literatura erótica é um vício solitário (quanto muito, a dois) e uma compensação de insuficiências.» 

«Porque a chamada sinceridade entre nós tão apregoada – hã? … Pega lá dez réis! Nem o grande querido Raul Brandão nos falou sinceramente de si próprio: falou dos outros!»

Programação do Caos (44)

«A arte é um ascetismo (por isso leva tantas vezes aos excessos, como ele), e o verdadeiro artista um asceta: vive para e da sua obra. Foi-o Balzac, que se espantava da hipersexualidade de Vitor Hugo.»

« A criação artística ou literária é sem dúvida uma expressão seménica ou seminal, ou seja, da necessidade de procriar: um substituto, já que a atividade sexual constante é impossível, por demasiado absorvente e esgotante. (Só nesse sentido a arte seria «sublimação», palavra este de evidente origem religiosa.)»

Programação do Caos (45)

«Enlouquecer é em geral a via de escape mais segura e eficaz dos que rompem consigo próprios após (…) uma penosa luta.»

«E os psiquiatras que fazem eles? Procuram exasperadamente curá-lo de si mesmo, reduzi-lo ao lugar-comum do homem «normal», social, sociável, conformista inconformado, fraterno-sectário – que é justamente o que ele não quer ser, voltar a ser!» seria giro e gozado se não fosse trágico! 

«O estilo é por si só uma maneira absoluta de ver as coisas…» Flaubert

«A vida fornece-nos o acidental, cabe ao artista torná-lo imutável.»

Ler L’idiot de La famille, de Jean Paul Sartre


Sem comentários:

Enviar um comentário