Notas de História literária

Problema das origens do teatro português

1.    Artigo de JGS (16.12.1982) – Apenas um pretexto

A arte dramática não é apenas obra de autores… é trabalho colectivo

Henrique da Mota rival, precursor de Gil Vicente? Foi colaborador do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Recentemente foi encontrado na biblioteca de Évora, uma Carta sobre a morte de Inês de Castro, de 1528, de sua autoria. Autor de “diálogos dramáticos” na linha de Juan del Encina.

2.    Introdução à História do Teatro Português, de Duarte Ivo cruz, Guimarães editores, 1983

Tradicionalmente, o 1º marco era assinalado no dia 7 de junho de 1502, com o Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, dito perante a rainha D. Maria, mulher de D. Manuel. Saudava a rainha pelo nascimento do futuro D. João III.

Todavia, antes de Gil Vicente, existiram artistas quase ignorados. Existiram três formas, não necessariamente estanques: um teatro litúrgico-religioso; um teatro popular e jogralesco; um teatro de origem cortesã.

3.    No 1º cap. de Gil Vicente e o Fim do teatro Medieval, de António José Saraiva, são destacadas as seguintes formas: mistérios, milagres, teatro romanesco, bergerie, farsa, sottie, sermão burlesco.

Os grandes mistérios cíclicos são constituídos pela encenação de narrativas bíblicas, completadas e pormenorizadas com o auxílio de evangelhos apócrifos e das Meditationes da Vita Christi atribuídas falsamente a S. Boaventura. Eram extremamente populares.

No séc. XVI, um dos géneros mais prolíficos é a moralidade, que se caracteriza pela alegoria – que é a expressão teatral que assume uma conhecida tendência herdada pela Idade Média do Mundo Antigo: a tendência a coisificar, substantivar, considerar como entidades, isolar como substâncias susceptíveis de atributos, os estados, as qualidades, ações – em suma os processos. Exemplo: O Desespero de fadas; o Amor Fraterno…

4.    Retomando Duarte Ivo Cruz

Este defende a prioridade do teatro litúrgico (teatro popular)

Primeiro vestígio documental de uma tradição dramatúrgica: Em 1193, D. Sancho I fez uma doação a dois jograis – um casal que a Coroa tinha em Canelas de Poiares do Douro – estes 2 irmãos, o estrião ou bobo Bonamis e o Acompaniado prometeram-lhe nos seguintes termos: «nós mimos acima referidos, devemos ao senhor nosso Rei um arremedilho para efeito de compensação».

Controvérsia em torno do termo arremedilho (arremidilium). Segundo Luís Francisco Rebello (História do Teatro Português): Arremedilho, uma representação elementar, em que a declamação e a mímica se combinam para tornar mais atraente e persuasiva a fábula contada em jograis ao seu auditório.»

5.    Ramón Menéndez Pidal, Poesía jogralesca y juglares

En españa… hay nombres diversos para cada classe: a los que tañen instrumentos les llaman juglares; a los que contrahacem e imitan les dicen remedadores; a los trovadores que van por todalas cortes les llaman segrieres y en fin, a los faltos de buenas maneras, que recitan sin sentido o ejercitan su vil arte por calles y plazas, ganando deshonradamente el dinero, se lhes lhama por desprecio cazurros.

El espectáculo que dava el remedador se llama en Las Partidas , ”remediamento” o “remedijo”, y en antíguo português “arremedilho”.

Citação latina dos dois irmãos Bonamis y Acompaniado: «Nos, mimi supra nominati, debemus domino nostro regi pro roborationi unum arremedillum». Primera edicion, 1942.

6.    Contrariamente, Lucciana Stegagno Picchio, História do Teatro Português, defende que o “arrimidillium” equivalia a “imitação buirlesca”.

Contraria a tese de que os “arremedilhos” eram verdadeiras e próprias farsas em miniatura, dotadas de música e, sobretudo, de um texto escrito segundo o esquema de contraste, pelo que a recitação deveria ser confinada a um par de atores, pelo menos.

7.    Poesia para-dramática. Procurar nos Cancioneiros as tenções, onde é fácil detetar uma intencionalidade teatral, derivada da alternância de réplicas, ou da didascália de posição.

8.    Os goliardos ou clericivagantes especializados na imitação desrespeitosa das cerimónias litúrgicas. Existiram até ao final do século XV. Ver vestígios em Gil Vicente.

9.    Teatro litúrgico – os milagres; os mistérios. Raros são os vestígios escritos. Porém muitas são as normas sinodais que condenavam ou regulavam o teatro religioso. Manifestação cíclica – as procissões do Corpus Christi. Monge beneditino André Dias, bispo de Mégora e Ajáccio (1348-1437?). Obra: Laudas e Cantigas Espirituais, 1435, de influência italiana.

10. Teatro cortesão.

Documento importante: O Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. A) momos (1ª aceção, séc. XIII)- adereço, máscara ou fato utilizado nos jogos espectaculares. Fonte: Testamento da Infanta D. Mafalda, filha de D. Sancho I; Crónica da Tomada de Ceuta, de Zurara, 1413. B) (2ª aceção). Fontes: Fernão Lopes, Crónica de D. João I; Zurara, 1414, referindo-se à Comemoração da Epifânia na cidade de Viseu; descrição dos momos representados na corte de D. Duarte, em 1429.

11. Léxico: bufões “aqueles que exercem arte inferior, exibem em público macacos, cães, cabras, imitam o cantar dos pássaros, tocam instrumentos vários para entreter o vulgo e também aqueles que, sem possuir arte alguma, aparecem na corte…”

II

António José Saraiva, História da Literatura Portuguesa: Renascimento e Humanismo

· Capitalismo mercantil
· Camadas burguesas e artesanais
· A literatura e a filosofia manifestam confiança nas possibilidades do indivíduo e da natureza em geral
· Reabilitação da espontaneidade natural
· Divinização progressiva do homem – ver pintura de Miguel Ângelo
· Desenvolvimento do comércio marítimo nas costas do Mediterrâneo e norte da Europa, iniciado no séc. XII
· Formação de cidades
· Surto da burguesia capitalista, sobretudo em Itália
· Surto de uma grande indústria manufatureira de textos
· Cultura laica
· Itália, o país em que mais cedo se desenvolve a burguesia mercantil.

·         Os focos e representantes do Renascimento: Boccacio, Petrarca, Dante, Angelo Feliciano, Poggio e Lourenço Valla; a Academia neoplatónica de Florença, a Corte de Lourenço de Medicis.

·         A divulgação da literatura antiga deve-se principalmente aos humanistas que se dedicavam, na maioria, ao ensino, à margem da Igreja e das Universidades… Desidério Erasmo (autor de diálogos para a iniciação no Latim); Guilherme Budé, animador do Colégio de França e Humanista); Juan Luis Vives (crítico do ensino escolástico).

·         O Humanismo é anterior ao movimento da Reforma desencadeado por Lutero contra o Roma em 1517. Erasmo defendia a abolição das formas rituais, exteriores e feiticistas do culto… esta tendência foi reprimida a partir do Concílio de Trento…

·         O Humanismo foi ajudado pela descoberta da Imprensa…

Em contraponto: cisão dentro da Igreja; a escolástica é desacreditada; decadência dos valores transcendentais; sociedade medieval quase inteiramente agrária, sem cidades; elementos essenciais: senhor feudal, serva da gleba; a cultura literária era monopólio sacerdotal; cultura clerical.

Concílio de Trento (1548) marca a vitória da corrente tradicionalista encabeçada pela Companhia de Jesus.

 

III

Damião de Góis, de Elisabeth Feist Hirsch

·         Mudança da universidade de Lisboa para Coimbra em 1537.

·    Nos anos 30 do séc. XVI, D. João III procurou atrair para Portugal conhecidos escolares estrangeiros. Pensou em convidar Erasmo, Clenardo, Crocus, Alciati – discípulos do 1º e amigos de Damião de Góis.

·         O Colégio da Artes começou a funcionar em 1547.

·         Erasmo gozou de grande popularidade na Universidade. Diogo de Murça, que foi reitor em 1543, deve ter sido um leitor sôfrego de Erasmo. A sua biblioteca pessoal continha vários escritos de Erasmo, entre os quais Os Colóquios

·         Eramistas: André de Resende, Miguel da Silva (bispo de Viseu), Gonçalo Vaz Pinto (jurista), Jerónimo Cardoso, Francisco de Melo, Henrique Caiado, Luís Teixeira…

Os jesuítas

D. João III foi um dos primeiros reis a abrir um Colégio de Jesuítas, dando-lhe desse modo uma base firme para operarem no país.

O líder dos jesuítas foi Simão Rodrigues, inimigo ferrenho de Góis desde Pádua. S R denúncia Góis à Inquisição, porque o considera perigoso devido ao seu conhecimento de várias línguas: francês, italiano, flamengo, alemão… terá sido uma antiga discussão em Pádua, que causou a fúria de Inácio de Loyola.

Todavia, Simão Rodrigues não fora capaz de abalar a confiança do rei em Góis que, de Alenquer, mantinha correspondência com D. João III.

Em 1548, o rei nomeou Damião de Góis responsável pela Torre do Tombo, o que lhe dava acesso à maioria dos papéis secretos do estado.

Em 1550, Simão Rodrigues tenta mais uma vez um processo contra Damião de Góis, junto do Supremo Tribunal.

Os jesuítas gozam de considerável influência mas não tinham o poder supremo. Tal como o rei, «certos nobres zelavam por que o variegado panorama intelectual do país incluísse todos os grupos de humanistas». Veja-se João Rodrigues de Sá Menezes, humanista por direito próprio, que deu grande apoio a Góis e a letrados humanistas de vulto como Sá de Miranda e António Ferreira…

De acordo com António José Saraiva, Dona Catarina (regente) manteve a abertura académica. Ter-se-á melindrado muito com a universidade jesuíta fundada em Évora, em 1559, pelo cardeal D. Henrique. Relutantemente, acedeu ao pedido do cardeal para que D. Sebastião fosse educado por um jesuíta. Sem desapoiar as outras instituições académicas, D. Henrique favoreceu os jesuítas, cuja o poder aumentou depois da morte de D. João III.

 

IV

 

·         André de Resende – 1534 – oração com que inaugurou o ano académico, a convite do rei D. João III / algumas linhas de força

        As línguas eram como janelas que se abriam para o que designava de «poesia divina” e “verdadeira oratória”.
  A eloquência, em oposição à verbosidade oca dos escolásticos, tem de estar ligada ao pensamento correto.
  Opondo-se à lógica abstracta da escolástica, acentuava o poder da dialéctica «que dá luz à verdade e força à oratória”.
  Defesa de uma aliança entre a literatura divina (a teologia) e “o divino Platão” e “o grande Aristóteles”.
Desejo de combinar eficazmente a eloquência com a piedade.
   Para fazer reviver a fé dos Padres da Igreja era necessário o conhecimento das línguas antigas; mas esse restaurar do Cristianismo também podia promovido pelo estudo dos autores clássicos (Sócrates e Cícero).
o   Simbiose dos pensamentos clássico e cristão (Erasmo e Melanchthon).

V

Poema “Desfecho”in Câmara Ardente, 1962, de Miguel Torga

·         Dimensão teológica: a insolubilidade do conflito entre o Eu e Deus

·         Dimensão trágica: o desfecho é apenas aparente porque o silêncio é ainda a medida do combate insolúvel entre o Eu e Deus. Só o tempo poderá por ter a este conflito.

·         Dimensão sociológica: Como é que ele lutou? Soltei a voz (arma) / as palavras – a poesia.

·         Dimensão telúrica: quer a caracterização do Eu, feita através do “ouriço” quer a caracterização do Tempo, feita através do “moinho”, marcam a explicitação das ideias, recorrendo à experiência mais profunda – a experiência com a terra na terra.

·         Como é que se promove a relação entre o Eu e o Interlocutor? Através das palavras / diálogo / interrogação.

·         O pronome oculta o nome – processo consciente de ocultação. A este procedimento segue-se a revelação. (15 e 16 maio 1992)

VI

Esta história não é literária – apontamento sobre um senegalês, Matté Kassé, um dos primeiros oito alunos de Pinto Bull, em Dacar…

Em 1975, veio a Lisboa com uma bolsa da F. C. Gulbenkian, para estudar 3 meses e acabou por aprender português nos comícios de 1975, quando conheceu camaradas como “Camaradas, Arnaldo de Matos é o salvador do povo”…

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