Imagologia literária

 A imagologia estuda  as representações do estrangeiro na literatura.

 Objecto[1]: - o estudo dos documentos primários - narrativas de viagens;
                      - o estudo de obras de ficção que coloquem directamente em cena estrangeiros, ou refiram uma visão de conjunto mais ou menos estereotipada de um país estrangeiro.

            Principais riscos para a imagologia: interdisciplinaridade selvagem e nacionalismo.
 
História: " a Literatura é a expressão da sociedade." (Bonald). De Mme de Staël a Hippolyte Taine, esta formula não foi esquecida, deslocando-se para a psicologia dos povos e para o nacionalismo.
Manfred S. Fischer e Jean-Marie Carré deram mais tarde uma nova interpretação desta afirmação do laço sociedade-literatura:[2] interpretação recíproca dos povos, das viagens e das miragens, dando, assim, a "versão imagológica" - limitada, mas mais precisa - da fórmula panorâmica de Bonald. A literatura é pelo menos expressão da sociedade porque através dela são decifráveis as ilusões que uma sociedade gera (alimenta) sobre a sua alteridade. Ver Guyard[3]:
 
Faltava precisar que relações se estabelecem entre literatura e mitos colectivos sobre o estrangeiro.
Faltava definir o lugar da imagologia no campo da Literatura geral e comparada de modo a que não se tornasse nem numa etnopsicologia nem numa fonte de autarcia cultural.[4]
 
            Especificidade da imagologia:
 
            - interdisciplinaridade: os estudos imagológicos situam-se a meio caminho entre a história literária, a história política e a psicologia dos povos.
 
            - o encontro com novas teorias literárias permite clarificar a sua metodologia, particularmente a semiologia[6] e a estética da receção.
 
            Outra bibliografia[7]
 
            Pageaux permite-nos, hoje, formular os princípios essenciais da imagologia:
 
            A imagem é entendida como "um conjunto de ideias sobre o estrangeiro tomadas num processo de literalização assim como de socialização." Exemplo-limite: o estereótipo.[8]
 
            O estereótipo
 
            1. - Do signo ao sinal
            O estereótipo aparece não como um signo ( como um representação geradora de significações ) mas como um sinal que remete de imediato para uma única interpretação possível. O estereótipo seria o indício de uma comunicação unívoca, duma cultura em vias de bloqueio ... ou talvez seja mais acertado afirmar que o estereótipo revela (...) uma mensagem "essencial". Este figurable revela uma "imagem" essencial, primeira e última, primordial.
             (...) Num texto, o estereótipo situa-se muitas vezes no plano da adjectivação: é o qualificativo que se torna essencial, e o acessório remete para a única definição possível. (...) É a expressão dum tempo bloqueado: o tempo das essências.[9]
 
            2. - essencialidade (uma forma mínima de informação para uma comunicação máxima)  e dicotomia (oposição sistemática entre culturas).
 
            O estereótipo é não só o indício de uma cultura bloqueada, ele revela uma cultura tautológica, repetitiva, da qual toda a abordagem crítica está doravante excluída em proveito de algumas afirmações de tipo essencialista e discriminatório.[10]
 
            Toda a imagem procede duma tomada de consciência, por mínima que seja, de um Eu em relação a um Outro, de um Aqui em relação a um Algures. A imagem é portanto a expressão, literária ou não, de um desvio ( afastamento ) significativo entre duas ordens de realidade cultural.
            (...) A imagem é portanto a representação de uma realidade cultural através da qual o indivíduo ou o grupo que a elaboraram ( ou que a partilham ou a propagam ) revelam e traduzem o espaço social e cultural, ideológico, imaginário no qual se querem situar. [11]
            A imagem do estrangeiro provém, para o comparatista, de um imaginário social, marcado por uma bipolaridade: identidade vs alteridade, termos simultaneamente opostos e complementares.
            A imagem é uma linguagem simbólica que te como função dizer as relações interétnicas, interculturais, relações menos efectivas que repensadas, sonhadas entre a sociedade que fala e que olha e a sociedade olhada. A imagem é um facto de cultura e uma prática antropológica para exprimir simultaneamente a identidade e a alteridade. A este título, a imagem tem o seu lugar no universo simbólico que designamos imaginário, o qual porque inseparável duma organização social, duma cultura, é designado imaginário social.[12]
           
 
            A imagologia pode ser um auxiliar efectivo da história das ideias, mas só até um certo ponto, visto que não se trata de situar conceitos ou noções em sistemas filosóficos ou políticos, mas de ideias e sentimentos em conjuntos, famílias de opinião de contornos mais móveis.[15]
 
            3. - A confusão entre Natureza e Cultura
 
            A definição veiculada pelo estereótipo opera uma confusão entre duas ordens de factos distintos e complementares: a Natureza e a Cultura, o Ser e o Fazer. Ver a importância do registo fisiológico para a produção do estereótipo. (...) É a Natureza do Outro que explica a sua Cultura, o seu Ser que explica o seu Fazer (inferior) e o Fazer (superior) do Eu que enuncia.
            (...) A ideologia racista, nas múltiplas variantes, assenta na falsa demonstração da inferioridade física, intelectual ou da anormalidade do Outro ( em relação a uma norma posta por um enunciador e tida como superior ). [16]
 
            Três componentes da imagem ou três níveis de estudo imagológico:
 
            1. - da palavra à imagem

            - Análise do léxico
            Como elemento constitutivo da imagem, nós identificamos um stock mais ou menos vasto de palavras que, numa época e numa cultura dadas, permitem a difusão mais ou menos imediata duma imagem do Outro.
            Identificar palavras, recompor redes lexicais, desenhar as isotopias possíveis significa mergulhar no imaginário social, objecto da nossa reflexão. Dar particular importância às palavras intraduzíveis.
            - A escrita da alteridade
 
            Diferenciação ou assimilação
            É preciso estar atento a tudo o que permite a diferenciação ( o Outro oposto ao Eu ) ou a assimilação ( o Outro semelhante, pouco diferente do Eu).
            Contagem das ocurrências
            Atenção particular a qualquer traço iterativo, de repetição, à escolha dos indicadores espaciais e temporais, ao léxico designador do Outro, à escolha da onomástica (sobretudo, os nomes próprios, a certos nomes próximos da caricatura. Convem fazer o levantamento da adjectivação (positiva ou negativa)... dos processos que permitem passar do desconhecido ao conhecido ou o inverso, dos efeitos de distanciamento, exotização, de naturalização, de anexação, de exclusão ou de marginalização.
            Um reportório de imagens ou de ideias
            Uma história de palavras e de imagens próprias de uma ou mais gerações, de uma classe social determinada ou comum a várias componentes socio-culturais, a várias "opiniões" - trabalho da ideologia.
            Palavras, ideias, fantasmas
            Palavra - próxima do estereótipo: palavras-chave , autenticadas pela história e por um processo plurissecular. A palavra-fantasma não serve apenas a comunicação pela linguagem, mas também o trabalho onírico e a comunicação simbólica ( harém, odalisca, deserto - elaboração do orientalismo).
            A palavra entre o estereótipo e o mito
            Uma parte do nosso imaginário social e cultural oscilará, no plano da representação e da comunicação, entre noções esterotipadas e estereótipos dotados de uma carga intelectual e afectiva virtual, que pode ser desenvolvida em história, portanto em séries de palavras que podem abrir ao imaginário a possibilidade de um discurso, de um cenário e que por essa razão se aproximam do mito? Nestas condições, o estereótipo é um mito que não tem ou não tem mais história, cenário, um mito um elemento discursivo degradado ou na expectativa de um desenvolvimento em cenário.
 
 
            2. - A imagem ou a relação hierarquizada
 
            É preciso identificar as grandes oposições que estruturam o texto imagotípico:
 
            - o quadro espacio-temporal
            Estudar-se-á os processos de organização ou de reorganização do espaço estrangeiro: lugares valorizados, zonas investidas de valores positivos  ou negativos... uma topologia generalizada e diferencial.
            Levantamento das indicações cronológicas ... mitificação do tempo, tempo do Outro e tempo no qual banham as relações do Eu com o Outro.
            - o sistema das personagens
            caracterização morfológica (traços físicos, gestualidade, falar), onde se enuncie a alteridade; sexo e pertença política e cultural - selvagem vs civilizado; bárbaro vs cultivado; homem vs animal; adulto vs criança; ser superior vs ser inferior.
            - o texto como documento antropológico
            Trata-se de examinar o sistema de valores do Outro, as expressões da sua cultura no sentido antropológico: práticas artísticas,  religião, música, vestuário, cozinha, etc.   
 
            3. - A imagem como cenário
 
            É necessário confrontar os resultados da análise lexical e estrutural com os dados fornecidos pela História - momento hermenêutico.[17]
             Da palavra ao cenário: o "agrégat mythoïde"[18]
            ou "modelo"?
            Neste estádio, a imagem é uma "história" textualizada a partir de um diálogo entre duas culturas, duas literaturas, duas séries de textos com palavras-chave, palavras-fantasma, situações mais ou menos codificadas, ritualizadas , sequências e temas mais ou menos esperados, "programados", porque eles podem existir mais ou menos arquivados, sedimentados na cultura observadora,  no imaginário desta cultura.
            Investimento simbólico e Intertextualidade
            Os textos da cultura observada que servem de cenários são referências culturais, frequentemente "autoridades". O escritor que os escolhe obedece a reflexos culturais, a orientações de leitura que podem ser partilhadas pela maioria na cultura que observa. São por vezes escolhas de uma geração, de uma escola, dum movimento. São também explicáveis a partir do mito pessoal do autor.
            O imaginário e a sua lógica de investimento simbólico, que são os princípios motores da produção deste cenário, vão portanto reactualizar mais ou menos sequências, memórias, fragmentos de textos saídos do estrangeiro...
            As atitudes fundamentais ou o modelo simbólico
            Primeira atitude fundamental: a mania - a realidade estrangeira é tida pelo escritor ou pelo grupo como absolutamente superior à cultura de origem...
            Segunda atitude fundamental: a fobia - a realidade estrangeira é tida como inferior em relação à superioridade da cultura de origem...
            Terceira atitude fundamental: a filia - a realidade estrangeira é vista, julgada positiva; complementariedade mútua...
            À aculturação mecânica que supõe a "mania" opõe-se o verdadeiro " diálogo de culturas" desenvolvido pela filia. Enquanto que a fobia supõe a eliminação, a morte simbólica do Outro, a filia tenta impor a via difícil, exigente que passa pelo reconhecimento do Outro, vivendo ao lado do Eu, em face do Eu, nem superior, nem inferior, singular, insubstituível.[19]
            Uma quarta possibilidade?
            Sobraria um quarto caso de figura onde, por exemplo, o fenómeno da troca, do diálogo fosse abolido para dar lugar a novos conjuntos em vias de unificação ou em vias de reconstrução da unidade perdida: panlatinismo, pangermanismo, paneslavismo, mas também cosmopolitismo, internacionalismo de todas as colorações onde parece difícil distinguir os movimentos positivos dos negativos. 
            É preciso desconfiar desta hipótese... lusotropicalismo ... lusofonia
 
            Domínios da imagologia
 
            literatura de viagens
            a tradução e o fenómeno da recepção
            o estudo literário dos tipos estrangeiros
            Imagologia e identidade:
            - questões sobre a identidade ( em que entre em jogo o estatuto e a imagem do Outro). As literaturas dos países que foram colonizados: antiga colónia vs metrópole europeia; indígenas aculturados face aos colonizadores.[20]
            Imagologia e exotismo[21]
            Imaginaire et histoire de l'imagination: sistema das imagens nacionais[22]
            La rencontre critique:[23] 1,2, 3 - " quand l'interprète interroge les textes, la réponse n'est d'abord que l'émergece, e plus nette évidence, d'une forme plus fréquente ou plus impérieuse: dispositif architectural, perspective narrative, catégorie d'images, procédés habituels, homologies entre doctrine professée et constantes stylistiques, etc. Du tout aux détails, l'ordre de grandeur de la forme perçue, son rang parmi les éléments constitutifs du texte peuvent varier. En tout état de cause, la réponse ne sera pleinement réponse que si cette forme est lue dans sa signification entière, selon tout ce qu'elle a pouvoir de désigner. Un sens pointe en elle, qui appelle tout ensemble notre reconnaissace ( parce qu'il était présent avant notre lecture) et notre réflexion libre ( parce que, pour s'achever, il demande inépuisablement un complément de signification qui doit lui venir du lecteur attentif). L'objet à interpréter, le discours interprétant, s'ils sont adéquats, se lient pour ne plus se quitter. Ils forment un être nouveau d'une double substanc. Nous nous approprions l'objet  mais l'on peut dire aussi qu'il nous attire à lui; à sa présence accrue et devenue évidente. L'objet compris appartient à cette partie du monde que nous pouvons tenir pour nôtre: nous nous y retrouvons.
 
            Notas referentes à obra do TEXTO À ACÇÃO de Paul Ricoeur
 
            Imaginação
           
            p.137,
            213,214, 215, 216: 4 usos essenciais do termo imaginação - dois eixos de oposição:
 
            - do lado do objecto, o eixo da presença (teorias da imaginação reprodutora) e da ausência (teorias da imaginação produtora);
            - do lado do sujeito, o eixo da consciência fascinada ( a imagem é confundida com o real, tomada como real - o eixo da consciência crítica nula) e da consciência crítica ( a imaginação é o próprio instrumento da crítica do real - produção de alteridade).
 
            p.218: A imaginação é a apercepção, a visão súbita, de uma nova pertinência predicativa, a saber, uma maneira de construir a pertinência na impertinência.
            A imaginação é mais um método do que um conteúdo (...) pelo facto de ser a própria operação de apreender o semelhante, procedendo à assimilação predicativa que responde ao choque semântico inicial. Subitamente, nós vemos-como.
           
            p.219: A imaginação é um jogo livre com possibilidades, num estado de não-compromisso em relação ao mundo da percepção ou da acção.
 
            p.224: a ideia da imaginação como função geral do possível prático.
 
            Imaginar
 
            Imaginar é, em primeiro lugar, reestruturar campos semânticos ( ver-como) - p.218.
 
 
            Imaginário social: Ideologia e Utopia[24]
 
            Tudo se passa como se este imaginário assentasse na tensão entre uma função de integração e uma função de subversão.
            A ideologia e a utopia são figuras da imaginação reprodutora e da imaginação produtora. p.384.
 
            IDEOLOGIA
 
            p.374 - ideologia: distorsão, dissimulação (378 - 1º nível do fenómeno ideológico);
            p.375 - a primeira função da ideologia é produzir uma imagem invertida da realidade. De acordo com Marx, a ideologia é o reflexo da praxis (vida real dos homens) na imaginação.
            2º nível - legitimação;
            3º nível - integração - p.379
            p.380 - A ideologia tende a tornar-se visão do mundo, isto é num código universal de interpretação de todos os acontecimentos do mundo. 
 
            UTOPIA
 
            Compete (...) à utopia projetar a imaginação para fora do real, para um algures que é também um nenhures. p.381
            Utopia / ucronia: exterioridade espacial / temporal.
 
            1º nível da utopia:
 
            Se a ideologia preserva e conserva a realidade, a utopia põe-na essencialmente em questão. A utopia é um exercício da imaginação para pensar um modo diferente de ser do social.
            p.382 (...) a unidade do fenómeno utópico não resulta do seu conteúdo, mas da sua função que consiste sempre em propor uma sociedade alternativa.
 
            2º nível da utopia:
 
            O que a utopia põe em questão em cada compartimento da vida social (...) é (...) a forma de exercer o poder... As utopias constituem outras tantas variações imaginativas sobre o poder.
 
            3º nível da utopia:
 
            Enquanto a patologia da ideologia consistia na sua afinidade com a ilusão, a dissimulação, a mentira, a patologia da utopia consiste numa loucura inversa - esquemas perfeccionistas, no limite, irrealizáveis. p.383.   
 
 
            Orientação para outrém:    
 
            (...) é ainda preciso que a conduta de cada agente tenha em consideração a do outro, quer para se opor a ela, quer para entrar em composição com ela. Só na base desta orientação para outrém é que se pode falar de acção social. (...) é preciso acrescentar à noção de acção social a de relação social, entendendo por isso um curso de acção no qual cada indivíduo não apenas tem em consideração a reacção de outrém, mas motiva a sua acção por símbolos e valores que já não exprimem apenas características privadas de desejabilidade tornadas públicas, mas regras, também, públicas. Isto tanto é válido para a acção como para a linguagem. p.243    
 
            A alienação da tradição:
 
            "Para nós, modernos, a entrada na cultura é inseparável de uma libertação que nós torna estranhos às nossas próprias origens. Neste sentido, a alienação da tradição tornou-se uma componente inelutávelde toda a nossa relação com o passado transmitido. Doravante, existe um factor de distanciação no âmago de toda a pertença a uma herança cultural, qualquer que ela seja. p.251.
 
 
            Variações imaginativas
 
            p. 122: (...) a realidade quotidiana é metamorfoseada graças ao que poderíamos chamar as variações imaginativas que a literatura opera no real.
            137, 224
            364: A leitura introduz-me nas variações imaginativas do ego.
            382: (...) poder-se-ia dizer que as utopias constituem outras tantas variações imaginativas sobre o poder.
 
 
            Études comparées interculturelles par Earl MINER[25]
 
            Existem certas diferenças entre a literatura comparada intercultural e o seu antepassado mais familiar (literatura comparada intracultural): em primeiro lugar, as línguas necessárias não são da mesma família; excepto, para a época moderna, a influência não se discute.
 
 
            As hegemonias condicionam as relações interculturais: quando uma nação ou uma cultura possui o poder, ou algum prestígio cultural, os escritores das outras nações ou das outras culturas estão abertos à recepção.
            Ver a influência do realismo socialista em Pepetela.
            A França atribuiu-se a missão - reflectida pela língua - de ser o depositário da civilização para o resto do mundo. Esta influência é tanto mais notável, que durante muito tempo, não se apoiou numa machtpolitik.
            E Portugal?
 
            Os estudos interculturais, a periodização e os géneros literários:
            Os termos correntes são eurocêntricos.
 
            Sistemas e sistematização
            Os estudos interculturais permitem compreender a natureza dos sistemas literários.
            As similitudes e as diferenças.
            Um sistema literário surge quando um ou vários críticos poderosos definem a literatura de maneira normativa, isto é como uma forma particularmente apreciada. (tese de Miner):
            Aristóteles: os três radicais que ele reconheceu foram o mundo, o poeta-criador, e a criação artística produzida, a imitação. Sistema baseado no drama.
            Horácio introduz o 4º radical - o público -, ao distinguir o prazer e o proveito (o ensino). Este acrescentamento completava o sistema ocidental e no Renascimento toda a gente sabia que os fins da literatura eram o prazer e o proveito, e o seu meio a imitação.
            Em termos comparativos, é estranho que todos os sistemas literários do mundo, à excepção de um único, sejam formulados em termos de lirismo ou, melhor, é ainda mais curioso que exista apenas um sistema - a nossa presumida norma europeia - baseado no drama e nenhum na narração.[26]
 
            Pesquisa das normas de comparabilidade
 
            Coisas estranhas: - ausência de comparação;
                                    - ausência de normas de comparabilidade.
 
            As comparações são mais provocantes quando há verdadeiras diferenças...
 
            Valor particular dos estudos interculturais: a estranheza (l'étrangeté du tout autre) do outro conduz à descoberta de laços profundos.
 
            Três modos de utilização da comparação intercultural:
 
            1. "A prova do estrangeiro" consiste em utilizar certas provas de uma cultura a fim de pôr em evidência factos menos familiares numa outra, em que a primeira é elemento de prova (éprouvant) e a segunda de provado (éprouvée) e clarificado.
 
            2. As funções - diferentes géneros podem ter funções similares.
 
            3. O 3º método consiste em tomar como assunto um fenómeno literário ou uma prática que é formalmente idêntica em mais de uma cultura. Por exemplo, as antologias.
 
           
            O Ocidente privilegiaria a mimésis, e o Oriente a expressividade?
 
            Examinando a tradição mimética em todas suas vicissitudes, um partidário do afectivo-expressivo não poderá deixar de ser sensível à tendência ocidental para privilegiar o produto mimético. A imitação, a obra, o objecto literário, o kunstwerk e recentemente o texto fascinam os Ocidentais.
            Por outro lado, um partidário das teses miméticas não deixará de ser sensível às preocupações dos defensores do afectivo-expressivo para o autor e para o leitor...
 
            A teorização intercultural é prejudicada (grevée) pelo desconhecimento do Outro
 
            A maior parte dos estudos comparados ocidentais recusam a sua atenção, à literatura não-ocidental, na sua prática institucional.
            Ex. de imperialismo - orientalismo
 
            Alguns gostariam que nos centrassemos na literatura, desprovida de nacionalidade.[27] Ideia utópica, visto que o que poderia ser a literatura é um importante problema intercultural que os estudos interculturais ocultam. (p.178)
 
            Não reduzir o diverso ao mesmo
 
            A esperança de uma fusão de horizontes ( de que fala Hans-George Gadamer ) - a reunião do sujeito ocidental e do objecto oriental (ou vice-versa) - parece fantasista. Mas nós podemos trabalhar dialecticamente entre literaturas de análises múltiplas nas diferentes culturas, experimentando os nossos preconceitos no contacto com os factos interculturais.
 
            No seio do sistema universal os vazios são compensados por plenitudes algures
 
            Na prática, o principal obstáculo ao estudo intercultural é o preconceito do provincialismo.
 
            UNIVERSALITÉ et  COMPARABILITÉ par Pierre Laurette, in Théorie littéraire
 
            Même si l'unité épistémologique et la nomination du domaine d'objets font question pour toutes les discipline des shs (sciences de l'homme et de la société), il reste un problème commun et central. En termes de raisonnement, d'entendement ou de quelque autre mode d' inférence, il a trait aux rapports existants entre intelligibilité globale et intelligiilité partielle, entre identité et non-identité des objets et des phénomènes. Dans une perspective comparatiste générale, ce problème est celui de l'identité et de l'altérité. 
 
            A identidade determinada em termos absolutos gerais só é possível nas linguagens artificiais e nas notações lógicas, formais. De facto, na comparação, a identidade pode ser estratificada.
 
            A ordem do real análises espaço-temporais, do simbólico análises formais, relacionais, diferenciais, oposicionais, seriais, do imaginário bipolaridade identidade/alteridade... nas práticas comparatistas.
 
            Le singulier, le typique, le général.
            O típico, objecto ou conceito, é muitas vezes tomado como um esquema estrutural permitindo aceder à generalidade (passagem à universalidade).
 
            
 

[1] Guyard, M.F., La Littérature Comparée, PUF, Que sais-je?, 1951
   Chevrel, Y., La Littérature Comparée, PUF, Que sais-je?, 1989, p.25-26.
[2] Baldensperger: La littérature, création, succès, durée, Paris, 1913
[3] op. cit.: capítulo referente à imagologia - "L'étranger tel qu'on le voit"
[4] Jost, François, Essais de Littérature Comparée, éd. Univ., Fribourg, 1968, p.331: critica a concepção de J.M. Carré porque reforça o conceito de literatura nacional, em oposição aos objectivos comparativistas.
[5] - Pageaux, Daniel-Henri, La Littérature générale et comparée, éd. Armand Colin, Paris, 1994 - cap. Images, p.59
[6] Pageaux, D.H., "Une perspective d'étude en Littérature comparée: imagerie culturelle", Synthesis,VIII, Bucarest, 1981
[7] (1983) Cadot, M., "Les études d'images", S.F.L.G.C.: La recherche en litérature générale et comparée, Paris; D.H. Pageaux: "L'imagerie culturelle: de la littérature comparée à l'anthropologie culturelle" Synthesis, X, Bucarest;
     (1989) D. H. Pageaux: "De l'imagerie culturelle à l'imaginaire" in Pierre Brunel, Yves Chevrel: " Précis de littérature comparée", Paris: PUF.
[8] - Expressão emblemática de uma cultura, que remete para significações ideológicas de "massa".
[9] - ver nota 5, p. 62.
[10] - ver nota 5, p.63.
[11] - ver nota 5, p.60.
[12] - ver nota 5, p.61.
[13] - ver nota 5, p.60-61.
[14] - ver nota 5, p.62.
[15] - ver nota 5, p.66
[16] - ver nota 5, p.63.
[17] - ver nota 5, p.69.
[18] - expressão proposta por Michel Cadot - Mythes, images, représentations, Didier, 1981, Trames            nº79 - a propósito de expressões como "alma russa". Esta noção foi retomada por Jean-Marc Moura, L'image du tiers monde dans le roman français contemporain, PUF, 1992 - três invariantes ( que compõem um modelo ou um cenário): euforia primitiva; personagem ocidental fascinado; destruição do mundo primitivo.
[19] - consultar o filósofo Emmanuel Levinas: L'Autre de la "philie" est justement "autrui", un Autre qui ne peut être pensé qu'en terme d'éthique.
[20] - Bibl. Gruzinski, Serge, La Colonisation de l'imaginaire: sociétés indigènes et occidentalisation dans le Mexique espagnol XVIe-XVIIIe, Gallimard, 1988; Todorov, T., Nous et les Autres. La Réflexion française sur la diversité humaine, Seuil, 1989
[21] - Moura, Jean-Marc, Lire l'exotisme, Dunod, 1992
[22] - Citti, Pierre, Contre la décadence: histoire de l'imagination française dans le roman 1890-1914, PUF, 1987
[23] - Starobinski, Jean, Faire de l'Histoire II, Folio
[24] - obra fundamental Ideologie und Utopie de K. Mannheim
[25] - Théorie littéraire, Puf, Paris, 1989
[26] - Eric Auerbach, Mimésis: la représentation de la réalité dans la littérature occidentale
[27] - Fokkema

            Ne plus poursuivre d'illusoires influences générales, chercher à mieux comprendre comment s'elaborent et vivent dans les consciences individuelles ou collectives les grands mythes nationaux...

            Ce genre d'études recoupe des recherches faites par des ethnologues, des anthropologues, des sociologues, des historiens des mentalités e des sensibilités, lesquels abordent des questions portant sur des cultures autres, sur l'altérité, l'identité, l'acculturation, la déculturation, l'aliénation culturelle, l'opinion publique ou l'imaginaire social. [5]

            O trabalho sobre o conceito da imagem da alteridade está no centro desta problemática, consistindo em definir a imagem: em si; na sua relação com o imaginário social; segundo o método que permite analisá-la nos textos.

            A imagologia deve desembocar no estudo das diversas imagens que compõem, num dado momento, "a " representação do estrangeiro, no estudo das linhas de força que regem uma sociedade, o seu sistema literário e o seu imaginário social.[13]      

            Além disso, os discursos sobre o Outro, mesmo fingidos pela ficção, não são em número ilimitado (...) Enumerá-los, desmontá-los, explicá-los, compreender como a imagem é uma imagem simbólica no interior de um sistema literário e dum imaginário social, tal é o objecto da imagologia.[14] 

      Eu - narrador - cultura de origem vs o Outro - personagem - cultura representada

            unidades temáticas

            lugar e função dos elementos decorativos

            pausas descritivas

            o quadro espacio-temporal (o espaço estrangeiro e o tempo em que é visto).


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