Bernardo Santareno e António José da Silva

                    Didáctica de O JUDEU de Bernardo Santareno

                1. Apresentação de um extracto da ópera de António José da Silva Anfitrião ou Júpiter e Alcmena, cena VI, 2ª parte, representada em Maio de 1736:

                Leitura do extracto de modo a:

                -  identificar as questões que devem ser objecto da atenção dos espectadores, nomeadamente a privação de liberdade, de que são vítimas em tempos diferentes - António Ferreira (séc. XVI / 3º acto, p. 201-206), António José da Silva, Francisco Xavier de Oliveira - O Cavaleiro de Oliveira[i] (séc. XVIII), Bernardo Santareno (séc. XX);

                - problematizar a relação da significação do texto dramático em relação à experiência pessoal do autor;

               - refletir sobre o papel do riso - uma das linhas de leitura de O JUDEU - p. 137-138 (2º Acto)

                - recapitular aspectos essenciais da vida de António José da Silva.

                2. António José da Silva

                  Nasceu no Brasil em 8 de Maio de 1705. Filho dos antigos judeus João Mendes da Silva, advogado, e de Lourença Coutinho.

                Em 1712, os pais seguem sob prisão para Lisboa. A mãe é condenada pela primeira vez em Julho de 1713. Em 1726, é novamente presa, o mesmo acontecendo a António José que foi submetido a tortura. Libertado, António José da Silva regressa a Coimbra, onde completa a formatura, fixando posteriormente residência em Lisboa, onde se dedica à advocacia.

                Entre 1734 /1735, casou-se com sua prima D. Leonor Mª de Carvalho, já perseguida pela Inquisição, tendo nascido uma criança, Lourença, em Outubro de 1735.

                As composições teatrais de António José da Silva foram levadas à cena entre 1733 e 1738, no Teatro do Bairro Alto.

                Em Outubro de 1737 é novamente preso e com ele a mãe, já viúva, e a mulher. De nada lhe serviram as testemunhas de posição, acabando a Inquisição por provar a relapsia pelos jejuns no cárcere, vistos pelos espias e denunciados pelos companheiros de prisão. O réu foi declarado em estado de heresia desde Abril de 1738, época dos primeiros jejuns conhecidos. O réu era reincidente, negativo e pertinaz, enunciava a sentença. Membro corrupto do corpo católico, tinha de ser amputado.

                Em 16 de Outubro de 1739 foi notificado da sentença que o condenava. A 18 de Outubro de 1739 foi executada a sentença, na presença de D. João V e seus irmãos, entre os quais o herdeiro da coroa, D. José.

               Obra:

·       Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança

·       Esopaida ou vida de Esopo

·       Os Encantos de Medeia

·       Anfitrião ou Júpiter e Alcmena

·       O Labirinto de Creta

·       Guerras do Alecrim e Mangerona

·       As Variedades de Proteu

·       Precipício de Faetonte

·       Obras do Diabinho da mão furada

 

                Bibliografia:

                - Pierre Furter, La structure de l’univers dramatique de António José da Silva

                De acordo com este estudioso, António José da Silva “allait devenir, aux yeux de la réaction anticléricale du siècle passé, le symbole des conséquences néfastes du fanatisme religieux, sans qu’on s’attachât pour autant à la signification de son oeuvre.”

                3. BERNARDO SANTARENO

                António Martinho do Rosário nasceu em Santarém, em 1924 e morreu em 30.08. 1980. Licenciado em medicina pela Universidade de Coimbra, exerce clínica em Lisboa. Mais tarde, como médico do “Gil Eanes”, acompanhou os bacalhoeiros nos mares da Terra Nova e da Grenolândia. Para além de médico psiquiatra, repartiu a sua vida como psicólogo no Instituto de Orientação Profissional, pedagogo de cegos e professor de psicologia no Conservatório de Teatro. Foi membro da Conferência de São Vicente de Paulo quando universitário, mais tarde presidente do centro académico da Democracia Cristã, transformou-se, no entanto, num cristão desencantado.

                Obra:

 


·       A Promessa, 1957

·       O Crime da Aldeia Velha, 1959

·       O Lugre, 1959

·       António Marinheiro, 1960

·       O Pecado de João Agonia, 1961

·       O JUDEU, 1966 - estreado no teatro D. Mria a 20.02.1981

·       O inferno, 1967

·       A Traição do Pe Martinho, 1969 /70

·       Português, escritor de 45 anos de idade, 1975

 

1.     Duarte Ivo Cruz numa apreciação à obra de Santareno dirá: “Já O JUDEU e A TRAIÇÃO parecem lançar novas vistas, numa senda narrativa, socialmente implicada, e tematicamente evocativa ou histórica, numa senda que este teatro, antes, nunca percorrera...”

2.     Temas dominantes na obra: fascinação do mal, obsessão do angelismo, fusão de temas de raíz popular com certas preocupações existenciais que agitam a carne e o espírito do homem contemporâneo, a dúvida religiosa, a superstição, a injustiça social, a frustração, o recalcamento sexual.

 

 

                4. Leitura de O JUDEU

                a - Narrativa dramática em 3 actos: um problema de fronteiras entre géneros ou uma classificação inspirada em Platão.

                Definição de tragédia e de comédia

               

É pois a tragédia a imitação de acções de carácter elevado, completa em si mesma, de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama (imitação que se efectua), não por narrativa mas mediante actores, e que suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação desses sentimentos. Aristóteles, Poética.

A comédia é a imitação de acções ridículas e mesquinhas, completa em si mesma (...) e que suscitando o prazer e o riso, tem por efeito a purificação desses sentimentos. (Hipótese de definição decalcada da definição aristotélica)

 

                A diferença entre forma dramática e a forma épica já em Aristóteles era atribuída à diferença de estrutura, sendo, assim, tratadas as leis respeitantes a estas duas formas em dois ramos distintos da estética. A estrutura dependia das diversas maneiras pelas quais a obra era oferecida ao público - através do palco ou do livro.


                Bernardo Santareno adere às concepções de Bertolt Brecht


                Bertolt Brecht, no ensaio Um teatro moderno: o teatro épico, notas sobre a ópera Grandeza e Decadência da Cidade de Mahagonny (escrita em 1928-1929), aponta as modificações de maior monta que se verificam, ao passarmos de um teatro dramático para um teatro épico.

 

               

Um teatro de forma dramática

Um teatro de forma épica

·       activo

·       faz participar o espectador numa acção cénica

·       consome-lhe a actividade

·       proporciona-lhe sentimentos

·       Vivência

·       O espectador é imiscuído em qualquer coisa

·       Sugestão

·       As sensações são conservadas como tal

·       O espectador está no centro

·       comparticipa dos acontecimentos

·       Parte-se do princípio de que o homem é algo já conhecido

·       O homem imutável

 

·       Tensão em virtude do desenlace

·       Uma cena em função da outra

·       Progressão

·       Acontecer rectilíneo

·       Obrigatoriedade de uma evolução

·       O homem como algo fixo

·       O pensamento determina o ser

·       Sentimento

·       narrativo

·       torna o espectador uma testemunha

·       desperta-lhe actividade

·       exige-lhe decisões

·       Mundividência

·       é posto perante qualquer coisa

·       Argumento

·       são elevadas ao nível do conhecimento

·       O espectador está defronte

·       analisa

·       O homem é objecto de uma análise

 

·       O homem susceptível de ser modificado e de modificar

·       Tensão em virtude do decurso da acção

·       Cada cena em si e por si

·       Construção articulada

·       curvilíneo

·       saltos

·       O homem como realidade em processo

·       O ser social determina o pensamento

·       Razão[ii]


                Esta mudança de paradigma, teorizada e ilustrada por Bertolt Brecht, tem como objectivo uma mudança de atitude do homem face à obra de arte:

                “É preciso renunciar a tudo o que represente uma tentativa de hipnose, que provoque êxtases condenáveis, que produza efeito de obnubilação.”[1]

 

                “Esta arte dramática, empenhada em ensinar ao espectador  um determinado comportamento prático, com vista à modificação do mundo, deve suscitar nele uma atitude fundamentalmente diferente daquela a que está habituado.”[2]

 

                “O actor de um teatro assim, ao serviço de uma arte dramática não-aristotélica, deverá esforçar-se por que o espectador reconheça nele um intermediário entre si e o acontecimento. Esse processo de fazer que o espectador “reconheça” o actor contribui para que o efeito do teatro épico se revista do carácter  indirecto que pretendemos.”[3]

 

                O efeito de distanciação: “O actor não deve jamais abandonar a atitude de narrador; tem de nos apresentar a pessoa que estiver a descrever como alguém que lhe é alheio; no seu desempenho não deverá nunca faltar a sugestão de uma terceira pessoa.” Ele fez isto, ele disse isto”. Não deve transformar-se completamente na personagem descrita.(...) O objectivo do efeito de distanciação é possibilitar ao espectador uma crítica fecunda, adentro de uma perspectiva social.” [4]

 

 

·       Análise do sermão como texto argumentativo:

1.     objectivos: proposições

2.     meios: argumentos

3.     divisão em partes

4.     campos lexicais e semânticos

5.     funções da linguagem

 

6.     recursos estilísticos: enumeração, metáfora, interrogação, apóstrofe, antítese, hipotipose

·       Exórdio: serve para captar o interesse

·       Proposição: Os judeus são a causa dos males que impestam o Reino

·       Propositio cum narratio: elogio da Inquisição

·       Conclusio: de carácter laudatório para estreitar a união entre o poder temporal e o poder espiritual

·       questão de retórica

·       exclamação

·       personificação da Igreja

·       enumeração (estrutura, função)

·       mudança de tom

·       gradação

·       comparação (ratos)

·       recurso à autoridade (S. Jerónimo, Sto Agostinho)

·       apóstrofe: “Ai, irmãos meus muito amados” / “acudi-nos, Senhor” / “Castigo, amados irmãos” ...

·       imperativo (função do modo)

·       pronomes de 2ª pessoa (pessoais e possessivos)

·       ritmo ternário

·       intertextualidade (bíblica - “Se é pelos frutos que a árvore se conhece...”

·       anáfora

·       perífrase “ardendo em zelos infernais”

·       alegoria: “que faria aquele de vós a quem a gangrena apodrecesse um dos tenros membros no corpo estremecido de um filho?” 

·       1ª intervenção do Pe Pregador:

·       - acusações aos cristãos-novos

 

 

 

·       um discurso iterativo:

1.     matadores de Cristo

2.     “possuem a grossura desta terra”

3.     “vivem do trabalho suado dos outros”

4.     “nação (...) inclinada à usura

5.     “semente demoníaca dos herejes”

·       Como é que o autor produz essa iteração?

·        Quais os efeitos?

·       2ª intervenção do Pe Pregador

·       acusações aos cristãos-novos; elogio do Tribunal da Santa Inquisição e da mãe do fundador, S. Domingos; elogio da “fogueira” / auto-de-fé.

·       3ª intervenção do Pe Pregador

·       Condenação dos cristãos novos (adjectivo / enumeração)

·       Acção justiceira do Santo Tribunal da Inquisição

·       Diferenças de comportamento da Inquisição e do  “braço secular”

·       Natureza feminina e maternal do Tribunal: comparação com a “mãe”

·       Novo elogio aos Inquisidores e seus nobres Familiares, ao Inquisidor-Mor

·       Apóstrofe ”Réus”: “ovelhas tresmalhadas do cristianíssimo gado português”

·       Os dois poderes na nação portuguesa: o Cardeal da Mota e o Rei (D. João V) - a relação conjugal entre os dois poderes

·       a parábola da ovelhinha

·       a intertextualidade ( o camelo e a agulha)

·       Invectiva contra os ricos

·       Ideia messiânica da nação portuguesa

 

 

                A personagem - narrador Cavaleiro de Oliveira[iii]: a exemplaridade (séc. XVIII ®XX)

 

Traços

Ideias, acções

nobreza

pobreza, miséria aos 50 anos de idade

exílio em Londres: as saudades da Pátria

donjuanismo: Mª Elisabete / princesa austríaca (43); a cigana Joana Vitoriana (127-128)

libertino: dissoluto; devasso; ímpio; livre-pensador

do orgulho (passado) à melancolia (presente)

irritabilidade, agressividade

exibicionismo

escritor menor (42)

Cavaleiro vs Conde Tarouca

Cavaleiro = António José da Silva: amor pela vida

adesão ao protestantismo (46)

crítica à Inquisição (41,43,46)

confronto entre a burguesia endinheirada inglesa e a nobreza indigente portuguesa (42)

apresenta António José da Silva (29, 30, 31,45)

alusões ao séc. XX: (50, 146?)

caracterização do reinado de D. João V (49)

defesa do casamento e da maternidade (131, 133, 134)

 

                ® Ver a dimensão irónica do discurso do Cavaleiro de Oliveira - enquanto libertino:

 

                “Dans la société monarchique de doit divin du XVIIIe siècle où le libertin doit constamment se défier d’autrui et déjouer la censure, le discours oblique, riche de sous-entendus n’est-il pas de rigueur? L’ironie est alors un moyen d’affranchissement, la manifestation d’un esprit libre.”[5]

 

                O teatro no interior do teatro: explicação da inserção dos extractos das óperas de António José da Silva (137, 138):

                - a crítica do dinheiro; crítica contundente da Arcádia, do Frade-poeta, da justiça (141,143, 146 Vida do Grande D. Quixote...


                Comentário do desfecho da obra (p.224...):

 

                - O Rei tenta persuadir o Inquisidor-Mor através de benefícios materiais. Este não reage... O Rei intercede em favor de António José da Silva (o engenho e arte). Para o Inquisidor-Mor, a lei é só uma, e, por outro lado, as óperas do Judeu escarnecem e desrespeitam a Igreja e o Trono. O Inquisidor-Mor mantém-se fiel ao mandato de Deus, na missão de separar o trigo do joio, independentemente da origem dos homens, porque o seu único objectivo é preparar a vinda do Reino de Deus. O Rei cede à argumentação do Inquisidor-Mor, auto-elogiando-se..., ao que o Inquisidor-Mor responde que o mais importante é a salvação de uma aula, o mais importante é a morte e a salvação eterna da alma.

                - Cavaleiro de Oliveira acusa a Inquisição do “empobrecimento do Reino”

                - António José da Silva é submetido a tormento com tratos de polé (didascália), de modo a que confesse as suas culpas - interrogatório a cargo do 2º Inquisidor , na presença do Inquisidor-Mor... o réu não reconhece as culpas... o que o impede de beneficiar da misericórdia do Tribunal, só concedida a quem confessa... o réu reage ironicamente, proclamando-se inocente: nem judeu nem judaizante.

                - O Inquisidor-Mor solicita ao réu  que denuncie aqueles que partilham das mesmas práticas e ideias (231)

                - O Notário liberta o Tribunal de qualquer responsabilidade na morte do réu: pois voluntariamente se expõe àquele perigo...

                - A tortura de António José (didascália)... incapaz de suportar a dor, o réu declara que confessa (232)

                - Reacção do 1º Inquisidor, dissidente: enfrenta de forma acusadora o Inquisidor-Mor, e abandona a cena... (232)

                - Comentário do Cavaleiro de Oliveira: justifica a fragilidade do réu e narra o caso de um fidalgo português, cujo médico estava preso pela Inquisição por ser judeu (233): a diferença entre a intimidação e a tortura..., continua a narração do caso de António José da Silva (234): 24 h + tarde, este recusou-se a assinar o rol das suas confissões. Também Lourença e Leonor, torturadas, acabaram por confessar, e o Santo Ofício poupou-lhes as vidas

                - Didascália que anuncia o auto-de-fé...

                - Continuação da intervenção do Cavaleiro de Oliveira, que, de forma explícita, explica que esta narrativa é a história de uma vida, verdadeira em seus acontecimentos de raiz, vivida por um homem do meu tempo (a importância da contemporaneidade), e por outro lado, expõe o objectivo: semear eu queria em vossos corações e entendimentos, este grão novo e puro de força, de coragem, de rebeldia (...) ao poder de uma minoria possessa das negras forças da violência. (235) O Cavaleiro exorta o público: lutai, combatei / NUNCA MAIS/ olhai... O seu objectivo é entregar ao público o espólio de António José da Silva: o medo, a coragem, a angústia, a orfandade, a viuvez, a maternidade, a agonia (236)Ao mesmo tempo, interroga -nos /  público: Que ireis fazer delas?

                - Didascálias que põem em cena o ódio do povo em relação ao judeu...

                - Novo apelo do Cavaleiro: iluminai... (237)

                - Didascália que permite reconstituir o mesmo dispositivo cénico com que se deu o começo a esta narrativa  (acontecer curvilíneo; 13 anos separam o início do fim; o 1º inquisidor está ausente; 238)

                - Acusação feita pelo Pe Secular; Vozes do público; condenação ... atingem o máximo as chamas, o canto inquisitorial e o ódio sanguinário do povo. FIM

 

                 Bibliografia fundamental

                António José Saraiva, Inquisição e Cristãos-Novos, Civilização Portuguesa, 1969:

                - cap. V: Três processos exemplares: Gomes Henriques; António José da Silva; Villa Real.

                - cap. VI: O que era um auto-de-fé?

                 Luciana Stegagno Picchio, História do Teatro Português, Roma, 1964

                Luís Francisco Rebelo, História do Teatro Português, col. Saber, Eur. América, 1968

                Óscar Lopes, Os Sinais e os Sentidos - p. 251 a 256.

                Duarte Ivo Cruz, Introdução à História do Teatro Português, Guimarães ed., 1983 - p. 211 a 215

                4. Inquisição e Cristãos-Novos

                1491 - Os reis Católicos ordenam a expulsão dos Judeus

                5.12.1496 - D. Manuel ordenou a saída dos Mouros e Judeus “Filhos da maldição”...



[1]  - Bertolt Brecht, (1957) Estudos sobre Teatro - Para uma arte não aristotélica, p. 25 Portugália editora.

[2]  - B. B. - O efeito mediato do teatro épico, op. cit. , p. 45

[3]  - Ibidem, p. 49.

[4]  - Ibidem, p. 121.

[5]  - Annie Rouxel, Enseigner la littérature littéraire, p. 168.



[i]  - Foi um dos que se manifestou abertamente contra a existência da Inquisição e, por isso, a sua efígie foi queimada em auto-de-fé em 1761.

Outros intelectuais adoptaram a mesma atitude: O Judeu português Samuel Usque (meados do séc. XVI); O Pe António Vieira; o Pe Francisco Manuel do Nascimento / Filinto Elísio

[ii]  - “Tal é o papel da razão: em presença do obscuro, do duvidoso, lança-se ao trabalho, julga, compara, utiliza uma medida comum, descobre, pronuncia-se. Não há função mais alta que a sua, pois está encarregada de revelar a verdade, de denunciar o erro. Da razão depende toda a ciência e toda a filosofia. A análise é o seu método favorito, sem esquecer a comparação (que permite descobrir os laços que unem, deduzir as leis) e a experiência (como garantia). A razão basta-se a si própria: quem a possui e exerce sem preconceitos jamais se engana. Não precisa de autoridade nem de tradição, nem dos antigos nem dos modernos. A razão é universal.

Razão e Luz ( ou Luzes - um feixe de luzes que se projectava sobre as grandes massas de negrume de que a terra estava ainda coberta). Como diz Dumarsais, a razão equivaleria para o filósofo ao que a graça era para Santo Agostinho. Sendo luz, iluminará todo o homem que vier a este mundo. Paul Hazard - O Pensamento Europeu no séc. XVIII, editorial Presença, 1974, 1º vol., p. 45 a 49.

[iii]  - Francisco Xavier de Oliveira (1702 - 1783), “Cavaleiro professo da Ordem de N. S. Jesus Cristo”. Sucedeu a seu pai, em 1734, como secretário da Embaixada de Viena. Vida de estróina durante 10 anos. Em 1730, casa com Ana Luís de Almeida. Esta, porém, morre em 1733. Na viagem para Viena, em Haia, conhece D. Luís da Cunha. Em Viena, o embaixador português, conde de Tarouca não lhe efectiva a posse... a passagem por Viena, onde tem um romance com a princesa da Valáquia, esposa do príncipe Cantacuzeno, arruina-o economicamente e frustra-lhe a expectativa de suceder ao embaixador, entretanto falecido em 1738. Porém, casa com uma senhora alemã, Mª Eufrosina, enganando-a quanto à sua situação financeira... Em 1740, instala-se em Haia, deixando a esposa em casa dos sogros... esta morre em 1742. As dívidas aumentaram após ter tentado viver da escrita, que a Inquisição perseguia impiedosamente. Em 1744, chega a Londres, procurando o apoio do futuro Marquês de Pombal... Em 1746, casa com uma senhora inglesa, de ascendência francesa e huguenote, acabando por rejeitar o catolicismo. As dívidas levam-no à cadeia até 1748... Volta a escrever sobre o assunto habitual - a polémica religiosa - o que lhe provoca um processo na Inquisição portuguesa, sendo queimado em efígie. Viveu 32 anos em Portugal, 6 em Viena, 4 na Holanda e 39 em Inglaterra.  Obra: Mémoires du Portugal, das Memórias das viagens, Mille et une observations (1741); Cartas Familiares (1741, 1742); Amusement Périodique (1751); Discours Pathétique (1756, 1757); Le Chevalier d’Oliveira brûlé en effigie (1762); As Reflexões de Felix Vieyra Corvina de Arcos (1767).

Santareno “captou nas Cartas e na tradução do Amusément Périodique, feita por Aquilino Ribeiro, não apenas a sua libertinagem (reabilitação epicurista do prazer, a emancipação de todas as crendices, a reivindicação das liberdades individuais) mas ainda um tom resignadamente maroto de velho sabido em mulheres, pelintra, exilado numa Londres feia e escura, e saudoso daquela pátria inquisitorial onde, todavia nasceu.”

               

 

               

           

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