Leitura de Memorial do Convento


Azinhaga
Memorial do Convento, 1982

Ao contrário do que nos fazem supor as falsas pistas, não é a história do Convento que se pretende contar, mas a história dos sonhos materializados pela vontade dos homens que permite criar um espaço de evasão e de liberdade.

O objetivo do escritor terá sido o de motivar o leitor para uma (re)visão crítica da História. Através deste romance, Saramago valoriza a história «menor» e popular (Baltasar Sete-Sóis: anti-herói emerge como porta-voz da massa anónima), focando o que estava marginalizado, através de um memorial da aventura humana.
«É a construção da máquina que conduz a narrativa. A passarola materializa o sonho dos seus construtores, permitindo-lhes a fuga de um lugar dominado pela injustiça e prepotência do poder instituído. A escrita, como a música de Scarlatti, como todas as artes, são formas de transfiguração do real que permitem aos homens – “anjos nascidos sem asas” – voar, refugiarem-se num espaço que materializa os seus sonhos.»
Saramago recusa a etiqueta de romancista histórico, em declaração ao Expresso, Abril 1998
«Cada vez tenho mais direito a sacudir a etiqueta de romancista histórico porque o que tento fazer é inventar uma história e colocá-la no lugar da História. O romance histórico seria atento, venerador e obrigado. Pratico o anacronismo e a ignorância do facto da História, que me permite usar atrevidas liberdades. A realidade é uma cintilação, não se capta tal e qual

Ponto de partida: o neorrealismo; alargamento dos cenários históricos visados; alargamento das potencialidades expressivas da língua. 

Técnica narrativa – a presentificação com recurso aos deícticos

A ficção que parodia (subverte) a História oficial: revela o absurdo das imposições reais; a megalomania real
O discurso do narrador incorpora referências religiosas, designadamente bíblicas… oscilando entre o sagrado e o profano
A intertextualidade de múltipla referência no intuito de produzir um discurso anti-épico
O estilo barroco: jogos de palavras e de conceitos
Constante referência à situação discursiva e ao seu carácter reflexivo na abordagem da temática histórica – a construção dum convento / a construção da obra literária (a autorreferencialidade)
O tom jocoso suaviza a ironia do discurso; a sátira burlesca, ao estilo vicentino ou mesmo rabelaisiano. Ver: equívoco do contrabando do bacalhau /vinho; devassidão de um clérigo pugilista e garanhão (pp.82 a 84); investidura cardinalícia de D. Nuno da Cunha[MG1] (pp 84-85); sátira religiosa (pp. 155-56); sátira da justiça (p.189); sátira do imperialismo e do colonialismo[MG2] (p.227)
Tema a explorar: o absolutismo providencialista, H. de Portugal, IV Volume, José Mattoso, pp. 135 a 137.
O problema da linearidade na História. JS rompe com esta linearidade, ironiza a validação da História feita através dos discursos de Frei António, pois ele é «apenas a boca de que a verdade se serve para falar». Os milagres.
Provérbio: olho (que) vê, mão (que) pilha. (20)

Relação do Convento de Mafra com o Memorial do Convento
É a mãe da pedra
«…a laje tem de comprimento trinta e cinco palmos[MG3], de largura quinze, e a espessura é de quatro palmos, e, para ser completa a notícia, depois de lavrada e polida, lá em Mafra, ficará só um pouco mais pequena, trinta e dois palmos, catorze, três, pela mesma ordem e partes, e quando um dia se acabarem palmos e pés por se terem achado metros na terra, irão outros homens a tirar outras medidas e encontrarão sete metros, três metros e sessenta e quatro centímetros, tome nota, e porque também os pesos velhos levaram o caminho das medidas velhas, em vez de duas mil cento e doze arrobas[MG4], diremos que o peso da pedra da varanda da casa a que se chamará de Benedictione é de trinta e um mil e vinte e um quilos, trinta e uma toneladas em números redondos, senhoras e senhores visitantes, e agora passemos à sala seguinte, que ainda temos muito que andar.» 
Memorial do Convento, pág. 245, 16ª edição, Caminho
Narrador 
Narrador não participante – heterodiegético – e omnisciente (pág. 78 – São pensamentos confusos que isto diriam se pudessem ser postos por ordem… / 
Narrador participante – homodiegético (pág. 96): E nós que iremos fazer agora, pois vamos às touradas… / narrador observador
Narradores secundários – homodiegéticos: Manuel Milho (pág. 251…); João Elvas (pág. 45); um certo fidalgo (302, 304, 317)

Personagens

D. João V (1689-1750)
Proclamado rei em 1 de Janeiro em 1707. Casou em 1708 com a princesa Maria de Áustria, de quem teve seis filhos. Dissipou muita da riqueza oriunda do Brasil na construção do Convento de Mafra e na Capela de S. João Baptista na Igreja de S. Roque. Quis imitar a política de grandeza da função real absolutista que teve como expoente Luís XIV em França. Fundou a Real Academia de História em 1722. Mandou construir o Aqueduto das Águas Livres em Lisboa. Em 1748, conseguiu que a Santa Sé concedesse aos reis de Portugal o título de Fidelissimus. Promoveu o desenvolvimento do Brasil e assegurou o domínio sobre a Amazónia assim como da colónia do Sacramento no Sul do Brasil. Destacou-se também pelo seu comportamento libertino (caso da madre Paula e outros). Não se deve, no entanto, esquecer que foi no reinado de D. João V que o dramaturgo António José da Silva foi estrangulado e queimado num Auto-de-Fé em Lisboa em Outubro de 1739.[1]

Sete-Sóis e Sete-Luas simbolizam juntos uma totalidade – dia e noite. O número sete, na simbologia hebraica, representa a totalidade humana, simultaneamente masculina e feminina. Representam no plano simbólico da obra, a capacidade ontológica de lutar, de criar um espaço de anti-poder que é aqui simbolizado pela passarola, feita pela conjugação entre a arte de Baltasar e a clarividência de Blimunda aliadas ao saber científico do padre e à música de Scarlatti.

A ação
A organização sintática da narrativa cria um plano fictício em que a história e a ficção se cruzam. Personagens históricas convivem com personagens fictícias, a construção da passarola do padre Bartolomeu de Gusmão, evento a que a História faz referência, entre no plano da ficção quando é movida pelas vontades recolhidas por Blimunda…

1º Cap. A promessa de construção do convento
2º Cap. Os milagres dos franciscanos
3º Cap. A oposição entre o excesso de riqueza e a extrema pobreza.
4º Cap. A viagem de Baltasar Mateus, desde Jerez de los Caballeros onde perdeu a mão, até chegar a Lisboa depois de atravessar todo o Alentejo.
5º Cap. Descreve-se o auto-de-fé, o encontro entre Blimunda, Baltasar e o padre Bartolomeu Lourenço que os casa informalmente.
6º O padre Bartolomeu Lourenço convida Baltasar Mateus a ir a S. Sebastião da Pedreira e a participar na construção da passarola.
7º Cap. Nascimento e batizado da infanta D. Maria Bárbara. O Rei confirma a construção do convento
8º Cap. Revelação a Baltasar dos poderes de Blimunda; o jogo sádico do infante D. Francisco… Nascimento do infante D. Pedro; escolha do Alto da Vela em Mafra para edificar o Convento
9º Cap.  Os trabalhos de Baltasar e Blimunda na construção da passarola; o padre Bartolomeu Lourenço parte para a Holanda à procura de soluções para fazer voar o seu invento; tourada no Terreiro do Paço; partida de Blimunda e Baltasar para Mafra.
10º Cap. 1º contacto de Blimunda com a família de Baltasar; expropriação forçada das terras da região aos agricultores de Mafra; da diferença entre os funerais de 2 crianças: o sobrinho de Baltasar e o príncipe D. Pedro; nascimento de D. José, futuro rei de Portugal; a religiosidade de D. Maria Ana; a doença do rei; a sedução da rainha por parte do seu cunhado, D. Francisco.
11º Cap. Regresso do padre Bartolomeu Lourenço da Holanda e que se dirige a Mafra para revelar a Blimunda e Baltasar o segredo alquímico do éter que fará voar a passarola; primeiros trabalhos da construção do Convento.
12º Cap. Colocação da 1ª pedra; partida de Blimunda e Baltasar para Lisboa onde recomeçam a construção da passarola.
13º Cap. A procissão do Corpo de Deus.
14º Cap. Domenico Scarlatti, professor de música da infanta Maria Bárbara, toma conhecimento do projeto da passarola e inicia as suas visitas à quinta de S. Sebastião da Pedreira.
15º Cap. Epidemia de cólera e de febre amarela; Blimunda recolhe «vontades»; doença de Blimunda e a sua cura ao som da música de Domenico Scarlatti; a notícia da conclusão da máquina voadora. 
16º cap. O padre Bartolomeu Lourenço teme a Inquisição e acompanhamos a concretização do sonho de voar; a inquietação do padre; a sua tentativa de suicídio e de incêndio da máquina; o desaparecimento do padre e o regresso de Blimunda e Baltasar a Mafra.
17º Cap. Os trabalhos de construção do Convento, onde Baltasar começa a trabalhar; a breve jornada de Baltasar a Monte Junto para ver a passarola; a visita de Domenico Scarlatti para, discretamente, informar o casal da morte do padre Bartolomeu Lourenço em Toledo.
18º Cap. Caracterização da riqueza, dos gastos reais e dos trabalhadores em Mafra.
19º cap. Baltasar torna-se boeiro e participa no transporte da pedra do altar (Benedictione) de Pêro Pinheiro até Mafra em cuja viajem ocorre o esmagamento de Francisco Marques. 
20º Cap. Blimunda e Baltasar deslocam-se a Monte Junto para reparar os estragos da máquina voadora; sabemos da miséria e da degradação do ambiente de Mafra; da morte de João Francisco Sete-Sóis, pai de Baltasar.
21ºCap. Assistimos ao entretenimento do Rei que constrói uma miniatura da Basílica de S. Pedro de Roma e relacionamo-la com a decisão de aumentar o Convento de Mafra, para contrabalançar a frustração de não poder mandar construir uma réplica de S. Pedro de Roma em Lisboa. Somos informados da decisão de inaugurar a obra no dia do seu aniversário (22/10/1730); vemos o sacrifício dos trabalhadores para dar resposta à vontade do Rei.
22º Cap. Casamentos da infanta Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando VI de Espanha e do príncipe D. José com a infanta espanhola Mariana Vitória; a viagem da família real para Espanha que se cruza na estrada com trabalhadores agrilhoados que vão de má vontade para Mafra e despertam a compaixão da princesa que, absurdamente, sai do país sem conhecer o convento…
23º Cap. Preparativos da sagração do convento; partida de Baltasar para Monte Junto e o seu desaparecimento com a passarola. 
24º Cap. A partida de Blimunda que sai em busca de Baltasar; a sagração do convento
25º Cap. A peregrinação de Blimunda que procura Baltasar durante 9 anos até o encontrar e libertar a sua «vontade» no auto-da-fé no Rossio onde é queimado pela Inquisição.

Linguagem e Estilo
Mimetismo do estilo barroco
O Barroco é a época por excelência do «discurso engenhoso» e os ornamentos retóricos, criadores de qualidade estética, não são um mero apêndice, mas têm uma função pragmática, servem a ação persuasiva do discurso no intuito de captar, por meio do deleite, a atenção do destinatário.

Recursos (lembrando o padre António Vieira ou Manuel Bernardes):
  • Anástrofe e hipérbato: «Vestem o rei e a rainha camisas compridas» (p.15)
  • Metáfora: «Comendo pouco purificam-se os humores, sofrendo alguma coisa escovam-se as costuras da alma» (p.28)
  • Comparação: Porém, agora, em sua casa, choram os olhos de Blimunda como duas fontes de água (…) olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul e às vezes tornam-se negros nocturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra» (p.55)
  • Visualismo
  • Hipotipose – figura engenhosa que põe sob os olhos com viveza as coisas representadas, que dá a impressão de visualizar o que se lê.
  • Descrição pormenorizada
  • Notações visuais
  • Personificação: «as correntes de onde tinham estado suspensas as roubadas lâmpadas oscilavam devagarinho, dizendo, em linguagem de arame, Foi por pouco, foi por pouco» (p.22)
  • Enumeração: «puseram-se a um lado as tábuas e os mastros para necessidades menos reais, andaimes, por exemplo, ou tarimbas, ou beliches, ou mesa de comer, ou rastos de tamancos e os panos, tafetás ou damascos, as velas dos navios, cada um tornou ao seu natural, as pratas para o tesouro, os fidalgos para a fidalguice, o órgão para outras solfas, e os cantores, os soldados a luzir semelhantes paradas, só ficaram os arrábidos de olho alerta, e sobre a pedra cavada, cinco metros de pau crucificado, a cruz» (p.136
  • Ironia
  • Jogo de palavras e conceitos: «como se mostram variadas as obras das mãos do homem, são de som as minhas, Fala das mãos, Falo das obras, tão cedo nascem logo morrem, Fala das obras, Falo das mãos que seria delas se lhes faltasse a memória e o papel em que escrevo, Fala das mãos, Falo das obras» (p.165)
  • Construção explicativa: « Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente. Além disso, quem se extenua a implorar ao céu um filho não é o rei, mas a rainha, e também por duas razões. A primeira razão é que um rei, e ainda mais se de Portugal for, não pede o unicamente está em seu poder dar, a segunda razão porque sendo a mulher, naturalmente, vaso de receber há-se ser naturalmente suplicante» (p.11)
  • Paralelística do discurso: «se vivo fizera caridade, defunto obrara maravilhas»
  • Traços latinizantes
  • Superlativos sintéticos: suavíssimo, abundantíssimo
  • Aproximação brusca dos registos prosaico e poético, erudito e corriqueiro
  • Período longo
  • Uso frequente da forma verbal do futuro – sinal do saber omnisciente do narrador e que nos dá a conhecer antecipadamente o destino das personagens e o rumo dos acontecimentos
  • Uso frequente da forma verbal do presente, raramente se empregando o pretérito perfeito ou imperfeito, os tempos específicos da narrativa.
  • Uso do discurso indireto livre, onde a voz da personagem penetra a estrutura formal do discurso do narrador, como se ambos falassem em uníssono fazendo emergir uma voz dual. (…) a oscilação entre a voz do narrador e a voz da personagem permite representar os pensamentos da personagem, revelar a sua interioridade sem que o narrador abdique da sua posição de mediador.
  • Pontuação: eliminação do travessão… gosto pela oralidade / como transcrevê-la?
  • Estrutura sintática – infringe intencionalmente a norma, alternando o discurso escrito com um discurso marcadamente oral.
  • Trabalho rítmico
  • Aforismos, provérbios, ditados populares. Consideradas como frases ou sentenças…
Estatuto do narrador
Caracteriza-se pelo seu carácter polifónico «lugar de encontro de vozes».
Frequentemente, a instância narrativa desliza da 3ª pessoa do singular ( narrador heterodiegético) para a 1ª pessoa do plural (narrador homodiegético), procurando a proximidade e a cumplicidade com o narratário e a implicação deste no relato ou uma colagem às personagens.

«Estranhou o pio homem, e estranharíamos nós se lá estivéssemos…» (p.22)

« fica apenas a luz do lampadeiro vigiando, e a dama que ali passará a noite, num leito baixo, não tarda que adormeça, sonhe se quiser, que importância hão-de ter os sonhos que por detrás das suas pálpebras se estão sonhando, a nós o que nos interessa é o trémulo pensamento que ainda se agita em D. Maria Ana, à beira do sono» (p.32)

Estamos perante uma escrita auto-reflexiva, em que a escrita se explica…

«Não é possível que Blimunda tenha pensado esta subtileza, e daí, quem sabe, nós não estamos dentro das pessoas, sabemos lá o que elas pensam, andamos é a espalhar os nossos próprios pensamentos pelas cabeças alheias e depois dizemos, Blimunda pensa, Baltasar pensou, e talvez lhes tivéssemos imaginado as próprias sensações.»

O tom frequentemente irónico ou jocoso serve a intenção de parodiar o passado histórico.

O discurso do narrador é também anti-épico pois dá voz aos que não são considerados heróis, ou seja um soldado maneta, uma vidente e um padre que duvida, assumindo, deste modo, uma postura de contra-poder… e não apenas do poder régio e do poder religioso mas também do literário através das inúmeras referências parodísticas a outros escritores, nomeadamente Camões, Padre António Vieira e Pessoa.

Bartolomeu Gusmão (Santos, 1685? – Toledo, 1724). Jesuíta da Bahia. Chega a Portugal em 1701 com o objetivo de se familiarizar com as ciências e as técnicas europeias. Voltou ao Brasil, mas em 1708, estava de novo em Portugal… Concentra-se em inventos, sobretudo com um equipamento voador. O rei D. João V interessou-se pelos seus trabalhos e deu-lhe apoio, apesar do ceticismo que as suas experiências despertavam. Terá feito tentativas precursoras para fazer subir ao ar balões aquecidos, mas versão de que ele próprio teria realizado um voo lançando-se do Castelo de S. Jorge é lendária. A Passarola de Bartolomeu de Gusmão não passará de uma mistificação para distrair os seus inimigos dos seus trabalhos aerostáticos. Pouco antes de morrer aderiu ao judaísmo e em 1724 fugiu para Espanha para evitar a Inquisição que o acusava de estar envolvido num caso de bruxaria.

Palácio, Basílica e Convento de Mafra

Conjunto arquitetónico de mais vasta área do barroco.
Devido a um voto de D. João V, que desejava um herdeiro do trono.
Ludovice foi encarregue dos planos.
Apesar dos desejos dos arrábidos de um convento mais modesto, em 1730, o rei resolve ampliar as obras lançando-se a primeira pedra.
A Biblioteca construída posteriormente contém já elementos rocaille[2].

Conceitos
Crónica
Romance
Romance histórico
Narrador
Núcleos diegéticos: Coroa (D. João V e família real); Baltasar e Blimunda; Passarola; Convento de Mafra
Absolutismo
Tribunal do Santo Ofício da Inquisição impor-se-ia pela bula Cum ad nihil magis, de 23 de Maio de 1536[3]
Os Franciscanos
Verdade
Século XVIII
Bartolomeu de Gusmão
Reinado de D. João V

Critério para a seleção de textos
  • A temática da construção – convento vs passarola (alienação / morte) / (sonho / vida)
  • Intertextualidade com Os Lusíadas, com a obra poética de Fernando Pessoa
  • Visita de estudo: Pêro Pinheiro – Cheleiros – Mafra (Palácio e Basílica
Calcário de LIOZ

A atividade de extração de rocha para uso como elemento de construção e decoração assentou no famoso LIOZ. Trata-se de um calcário sedimentar que se deve caracterizar como um biosparito. A carta geológica indica a formação como CIII - Cretácico Cenomaniano – Calcário com rudistas.

A pedra LIOZ imortalizada em poema de António Gedeão, está no Memorial que é o Convento de Mafra. Os grandes mestres da Arquitetura usaram-na. Porque não relembrar o autor do Hotel Ritz, Mestre Porfírio Pardal Monteiro e o irmão Torquato Pardal Pinheiro que tinha as grandes fábricas de cantaria de Pêro Pinheiro, e explorava a pedra na Carrasqueira, contigua à fábrica.
São os mestres e trabalhadores de pedreira ( cabouqueiros) e os das oficinas que talham a pedra (canteiros) que tornaram a pequena povoação do concelho num marco industrial e referência internacional.
LIOZ
Tipo de Rocha: Calcário
Descrição: Calcário rosado, bioclástico e calciclástico.
Distrito: Lisboa
Concelho: Sintra
Freguesia: Terrugem
Lugar: Lameiras
Utilizações Recomendadas: Interiores e exteriores.

Poema da Pedra Lioz, de António Gedeão

Álvaro Góis,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na lentidão dos calcários.
Ali, no esconso recanto,
só o túmulo, e mais nada,
suspenso no roxo pranto
de uma fresta geminada.
Mas no silêncio da nave,
como um cinzel que batuca,
soa sempre um truca…truca…
lento, pausado, suave,
truca, truca, truca, truca,
sob a abóbada romântica,
como um cinzel que batuca
numa insistência satânica:
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.
Álvaro Góis,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
ambos vivos ali estão,
truca, truca, truca, truca,
vestidos de sunobeco
e acocorados no chão,
truca, truca, truca, truca.
No friso, largo de um palmo,
que dá volta a toda a arca,
um Cristo, de gesto calmo,
assiste ao chegar da barca.
Homens de vária feição,
barrigudos e contentes,
mostram, no riso dos dentes
o gozo da salvação.
Anjinhos de longas vestes,
e cabelo aos caracóis,
tocam pífaro celestes,
entre cometas e sóis.
Mulheres e homens, sem paz,
esgazeados de remorsos,
desistem de fazer esforços,
entregam-se a Satanás.
Fixando a pedra, mirando-a,
quanto mais o olhar se educa,
mais se estende o truca…truca…
que enche a nave, transbordando-a,
truca, truca, truca, truca
truca, truca, truca, truca.
No desmedido caixão,
grande senhor ali jaz.
Pupilo de Satanás?
Alma pura, de eleição?
Dom Afonso ou Dom João?
Para o caso tanto faz.

Álbum "Fala do Homem Nascido"

O álbum "Fala do Homem Nascido", produzido por José Nisa em Novembro de 1972 e gravado em Madrid ( estúdios Celada) e Lisboa ( estúdios Poligram), conta com 12 poemas de António Gedeão musicados, e interpretados por Carlos Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha. À edição original de 1972 da editora Movieplay, junta-se agora em 1998 a reedição álbum em formato de CD. Desse CD fazem parte:

Estrela da Manhã por Carlos Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha
Desencontro por Samuel, Tonicha
Tempo de Poesia por Duarte Mendes
Vidro Côncavo por Carlos Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha
Lágrima de Preta por Duarte Mendes
Poema do Fecho éclair por Carlos Mendes
Calçada de Carriche por Carlos Mendes
Poema da Autoestrada por Tonicha
Poema da Pedra Lioz por Samuel

Antigamente, Lameiras era constituída por quatro pequenos aglomerados de casas que se davam pelo nome de Lameiras, Cabecinha, Covões e Além. Com o passar do tempo foram-se construíndo casas junto umas das outras e tendo-se formado apenas uma povoação: Lameiras. À parte nova, construída junto à estrada entre Sintra e Mafra, deu-se o nome de Fação.
Outrora, nesta terra, existiam grandes pântanos que, depois da evaporação da água ficavam em lama. Havia também terrenos destinados a eiras onde se debulhavam os cereais. Os terrenos de lama e as eiras deram origem ao nome Lameiras.
Frequentam a escola não só as crianças residentes em Lameiras mas também as que residem nas localidades vizinhas de Fação e Armés.
Segundo as pessoas mais antigas da terra, Lameiras foi durante muito tempo um local onde unicamente se trabalhava na exploração e transformação de pedra.
Hoje, grande parte das famílias está ainda ligada à extracção e exploração da pedra mas existem outras empresas tais como, cafés, mercearias, uma peixaria, um pronto-a-vestir, uma padaria, uma papelaria e até uma fábrica de bolos!

Bibliografia
Inquisição
Pereira, Paulo - Inquisição entre História e Ficção na Narrativa Portuguesa, Colóquio de Letras
Usque, Samuel (1492?....) - Consolação às Tribulações de Israel, Coimbra, 1906
Auto-de-fé
Saraiva, A. J. - Inquisição e Cristãos-Novos, Porto, ed. Inova, 1969
Santo Ofício
Enciclopédia Luso-brasileira
Bettencourt, Francisco - História das Inquisições, Portugal, Espanha e Itália - Círculo de Leitores
A Censura
Rodrigues, Graça Almeida - Breve História da Censura Literária em Portugal, Lisboa, Bibl. Brev, 1980
 D. João V
 Almeida, M. Lopes - Portugal na época de D. João V, Esboço de interpretação político-cultural da primeira metade do séc. XVIII, Atas do Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, 1950
Serrão, Joel - Dicionário da História de Portugal
Martins, Oliveira - História de Portugal, vol. II
Saraiva, J. Hermano - História Concisa de Portugal, p. 239, col. Saber, p. 239.
Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685? - 1724)
 Biografia + passarola - Dicionário de História de Portugal Ilustrado, Círculo de Leitores
Serrão, Joel - Dicionário de História de Portugal
Enciclopédia Luso-Brasileira - p. 1402
Silva, Teresa C. C. - A saga dos Portugueses
Convento de Mafra (1717-1770; templo sagrado em 1730)
Serrão, Joel - Dicionário de História de Portugal, vol. IV
Franciscanos ou Frades Menores (S. Francisco de Assis - 1191-1226)
Serrão, Joel - Dicionário de História de Portugal 
Entrevista
José Saramago - O escritor vidente (Ensaio sobre a Cegueira), JL, 25 de Out. de 1995 
Conversas com Mário Ventura - p. 191
Entrevista ao Jornal de Letras de 15 de Maio de 1990 (sobre os nomes, como Blimunda)
Outros autores contemporâneos que abordaram a mesma temática
Campos, Fernando - A Casa do Pó, p. 71-75 (descrição de um auto-de-fé)
Santareno, Bernardo - O Judeu (O Sermão)
Estudos sobre José Saramago
Kaufman, Helena - A metaficção historiográfica de José Saramago
Seixo, Mª Alzira - A Palavra do Romance
Seixo, Mª Alzira - Prefácio a Memorial do Convento, Círculo de Leitores, 1988
Lourenço, Eduardo - Uma aventura humana, Jornal de Letras, de 29 de Maio a 4 de Junho de 1990
Silva, Teresa Cristina Cerdeira - José Saramago: entre a história e a ficção: "uma saga de portugueses", Pub. D. Quixote, 1989.

[1] - Ver O Judeu de Bernardo Santareno.
[2] -  Estilo artístico inspirado nas formas e linhas da natureza, surgido na França em finais do século XVII e que adquiriu particular expressão no mobiliário, na cerâmica e na escultura
[3] - A partir de 1640, dá-se a ruptura entre o poder inquisitorial e o poder real, em prejuízo claro do projecto de identificação da Inquisição como instrumento do absolutismo, já experimentado durante a regência e reinado do cardeal D. Henrique (…), projecto que mais tarde o marquês de Pombal retomaria.


 [MG1]D. Nuno da Cunha e Ataíde (1664-1750), cardeal da igreja romana de Santa Anastásia foi em Portugal, inquisidor-geral, conselheiro de estado e ministro assistente ao despacho.
 [MG2] Ver comparação entre o infante D. Henrique de Fernando Pessoa e D. João V de Saramago
 [MG3]Corresponde a 0,22 metros
 [MG4]Corresponde a 15 kg

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