Alberto Caeiro

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo


Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
SE EU MORRER NOVO

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão -
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.
Alberto Caeiro, 7-11-1915


Sobre Alberto Caeiro, in Páginas Íntimas de Auto- Interpretação, p. 329


Nasceu em Lisboa, em Abril de 1889, e nessa cidade faleceu tuberculoso em 1915.A sua vida decorreu no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas:

Guardador de Rebanhos
O Pastor Amoroso
Poemas Inconjuntos (estes foram escritos em Lisboa)

1. A obra de Caeiro representa a reconstrução integral do paganismo, "a reconstrução do sentimento pagão".
2. A obra e o seu paganismo não foram pensados nem até sentidos: foram vindos com o que quer que seja que é em nós mais profundo que o sentimento ou que a razão.
3. Ignorante da vida ou quase ignorante das letras, quase sem convívio nem cultura.
4. O que maximamente caracteriza o paganismo é o estoicismo e não o epicurismo.
5. Com quem se pode comparar Caeiro?
- Cesário Verde que exerceu sobre Caeiro uma influência provocadora da inspiração;
- Whitman;
- Francis James;
- Teixeira de Pascoaes.

6. Fala algumas vezes com ternura das coisas mas pede-nos perdão de o fazer, explicando que se fala assim é por causa da nossa "estupidez" dos sentidos para nos fazer sentir "a existência absolutamente real" das coisas… Vê as coisas apenas com os olhos, não com a mente. Quando olha para uma flor, não permite que isso provoque quaisquer pensamentos.

7. A sua poesia é de facto sensacionista. A sua base é a substituição do pensamento pela sensação, não só como base da inspiração - o que é compreensível - mas como meio de expressão.

8. Caeiro não tem logicamente qualquer religião visto a religião não se encontrar entre os dados imediatos da sensação pura e directa.

9. Caeiro é sensacionista puro e absoluto que se prostra ante as sensações qua exterior e nada mais admite. Ricardo Reis é menos absoluto. Prostra-se também ante os elementos primitivos da nossa própria natureza, visto para ele os nossos sentimentos primitivos serem tão reais e naturais como as flores e as árvores. Álvaro de Campos aceitou de Caeiro o aspecto deduzível e subjetivo da sua atitude.

10. Para Caeiro, a sensação é tudo, e o pensamento é apenas uma doença.

11. Por sensação entende Caeiro a sensação das coisas tais como são sem acrescentar quaisquer elementos do pensamento pessoal, convenção, sentimento ou qualquer outro lugar da alma. Para Campos, a sensação é tudo, sim, mas não necessariamente a sensação das coisas como são, antes das coisas conforme sentidas. Campos é o filho indisciplinado da sensação.

12. Caeiro tem uma disciplina: as coisas devem ser sentidas tais como são. Ricardo Reis tem outra disciplina diferente: as coisas devem ser sentidas, não só como são, mas também de modo a integrarem-se num certo ideal de medida e regras clássicas. Em Campos, as coisas devem ser simplesmente sentidas.

Exercício de leitura do poema 'O meu olhar é nítido como um girassol' 

1.Identificação do campo lexical predominante na 1ª estrofe (sensação visual); a sua importância ao longo do poema;
2. Apontar as comparações presentes nas 1ª e 2ª estrofes e explicitar a sua função;
3.Explicar a oposição entre saber e pensar;
4.Explicar o recurso à frase parentética - (pensar é estar doente dos olhos)
5. Embora o Poeta recuse o pensamento, demonstrar que o discurso poético é claramente argumentativo - recurso frequente às conjunções causais, adversativas e conclusivas; à definição; à alternância afirmação - negação. Justificar o aparente paradoxo.
6. Explicitar as funções de "mundo" e "natureza" no sensacionismo de Alberto Caeiro.
7.Definir o tema do poema.

Neo- classicismo e Neopaganismo

Hedonismo - Doutrina segundo a qual o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral.
Epicurismo - Caracteriza-se pela identificação do bem soberano com o prazer, o qual há-de ser encontrado na prática da virtude e na cultura do espírito.
Ode
Composição poética que se integra no género lírico e que tem a sua origem na poesia clássica grega, onde o vocábulo significava simplesmente canção.

Caeiro e Pascoaes
Tanto Caeiro como Pascoaes encaram a Natureza de um modo directamente metafísico e místico; ambos encaram a Natureza como o que há de importante, excluindo o Homem e a Civilização, ambos, finalmente, integram tudo o que cantam nesse seu sentimento naturalista.

                            Poesia de  Alberto Caeiro

I
Não me importo com as rimas. Raras as vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior.
 
Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural como o levantar-se o vento...
 
II
 
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
 
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...
 
III
 
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
 
IV
 
E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
 
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.
 
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira.
E olho para a flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.

 

              Teste

 

            Leia o texto e responda de forma clara e estruturada.

 

Leram-me hoje S. Francisco de Assis.

Leram-me e pasmei.

Como é que um homem que gostava tanto das coisas,

Nunca olhava para elas, não sabia o que elas eram?

 

Para que havia de chamar minha irmã à água, se ela não é minha irmã?

Para a sentir melhor?

Sinto-a melhor bebendo-a do que chamando-lhe qualquer coisa.

Irmã, ou mãe, ou filha.

A água é a água e é bela por isso.

Se eu lhe chamar minha irmã,

Ao chamar-lhe minha irmã, vejo que o não é

E que se ela é a água o melhor é chamar-lhe água;

Ou, melhor ainda, não lhe chamar coisa nenhuma,

Mas bebê-la, senti-la nos pulsos, olhar para ela

E isto sem nome nenhum.

                                        Alberto Caeiro, 21-5-1917

1.       Explicite os motivos do espanto do sujeito poético.

2.       Transcreva as interrogações retóricas, expondo a respetiva intencionalidade.

3.       Mostre como é que Alberto Caeiro fundamenta a sua atitude perante a realidade (as coisas).

4.       De forma fundamentada, dê dois exemplos de que nem toda a poesia de Fernando Pessoa rejeita a metafísica – o que está para lá das coisas. 

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