Eduardo Lourenço - nota de leitura

Eduardo Lourenço ( de Faria) nasce a 23 de Maio de 1923 em S. Pedro de Rio Seco, concelho de Almeida, distrito da Guarda. Liceu da Guarda; Colégio Militar (LX); Coimbra, onde cursa Histórico-Filosóficas. Morre no dia 1 de dezembro de 2020.
Em 1944, inicia colaboração na revista Vértice, com o poema “Aceitação”.
Licencia-se em 1946, tendo sido assistente do professor Joaquim de Carvalho, até 1953.Em 1954, casa com Annie Salomon.
Desde 1958, foi, sucessivamente, leitor de língua e cultura portuguesas nas universidades de Hamburgo, Heidelberg e Montpellier.
Em 1955, termina O Desespero humanista de Miguel Torga e o das Novas Gerações
1958 e 1959 – Como professor convidado rege a cadeira de Filosofia na Universidade da Baía.
Em 1959, utilizou o pseudónimo “Criticus” no Portugal Democrático, futurando a nova república que então desejava para Portugal.
Em 1960, vê um artigo proibido pela Censura – Um Extra-Ordinário Fernando Pessoa. Novamente na Europa, é leitor a cargo do governo francês nas Universidades de Grenoble e de Nice, sendo em 1986 maître-assistant da Universidade Nice.
Em 1966, publica O espelho Imaginário.
Em 1968, publica Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista, Ulisseia.
Em 1968, prefacia As Palavras e as Coisas, de Michel Foucault, e de Mudança de Vergílio Ferreira
Em 1969, Introdução à Peregrinação de Fernão Mendes Pinto.
Em 1971, prefácio de Feu dans la Nuit de Fernando Namora.
Em 1972, várias conferências no âmbito do 4º centenário da publicação de Os Lusíadas.
Em 1973, termina Pessoa Revisitado – Leitura Estruturante do Drama em Gente
Em 1975, publica Os Militares e o Poder ( sobre os anos de 1958 e 1959). Conferência “Da Literatura como Interpretação de Portugal).
Em 1976, publica Situação Africana e Consciência Nacional (escrito entre 1961 e 1963) e o Fascismo Nunca Existiu. A Crise da Revolução – para uma análise do concreto da Revolução Portuguesa.
Em 1977, prefacia Maina Mendes de Maria Velho da Costa;  e Alvorada em Abril de Otelo Saraiva de Carvalho.
Em 1978, publica O Labirinto Da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português . Debate com António José Saraiva “ o 25 de Abril e a História”.
Em 1979, Intervenção «Antero ou o Socialismo como Utopia»; O Complexo de Marx.
Em 1980, Prefacia Corpo-Delito na Sala de Espelhos de José Cardoso Pires; Sulcos do nosso Querer Comum, de Maria de Lourdes Pintasilgo, e Crítica Literária de W.K. Wimsatt Jr….
Em 1981, Conferência «Camões e Feitor Pinto». Espelho Imaginário sobre Pintura (em torno de Vieira da Silva). Participa no filme de Seixas Santos, Gestos e Fragmentos
Em 1982, introduz Um Verão Assim de Mário Cláudio.
Em 1983, Termina Poesia e Metafísica.
Em 1984, aparece Ocasionais I
Em 1985, Fernando, Rei da Nossa Baviera

«Na verdade, eu falo de mim em todos os textos.»«Sou de uma família camponesa de uma região extremamente católica, no sentido sociológico do termo.» / São Pedro do Rio Seco

Em Coimbra participou na atitude antipraxista do grupo neorrealista.

Católico de esquerda. Mas amigo de uma geração literária e cultural, o neorrealismo, cuja referência ideológica era o marxismo ( a ovelha tresmalhada).

+ Fernando, Rei da Nossa Baviera (romance)

Heterodoxia (1949) – 500 exemplares, edição de autor

Heterodoxia II (1967) – 1000 exemplares

Escrevendo Heterodoxia, o meu propósito era em certos termos muito claro, na medida em que queria demarcar uma atitude. Um domínio, um território, que me pusesse fora dos campos delimitados por qualquer ortodoxia, de qualquer género que fosse. Tinha pelo menos esse significado negativo. A heterodoxia define-se contra, pelas diferenças. Contra o salazarismo e contra o estalinismo. Estamos em 1949, com a Guerra Fria no plano internacional. O marxismo era a forma moderna de oposição no após-guerra, pelo menos até 1960.

Heterodoxia I reflecte os autores existencialistas que tinham tido grande influência na formação de E.L. (filósofos, poetas, romancistas). A maior influência veio de Kierkegaard tão importante como Fernando Pessoa. 

Eduardo Lourenço polemiza com Mário Dionísio que descrevia Pessoa «como representante típico do decadentismo da burguesia ocidental.» EL apresenta Pessoa como o «desarrumador definitivo, naquela época, do discurso cultural português. Em Pessoa a poesia tornava-se uma aventura espiritual absoluta, comportando um relacionamento com o tema de verdade, o tema do tempo, que só encontramos na reflexão metafísica.»

Sobre Antero e Pessoa.

«Fernando Pessoa é uma espécie de Antero elevado à segunda potência. É a poesia que se torna filosofia, ao contrário de Antero, em que é o pensamento que adquire uma forma poética. Em Pessoa é a própria invenção poética que aprece como uma alta expressão filosófica.» 

Sobre o ensaísmo

Nenhum ensaísmo é feliz. À excepção do de Montaigne, que assume frontalmente a subjectividade com tudo o que ela tem de positivo, fazendo do individuo o próprio centro do mundo, e ao mesmo tempo pondo-se em causa.

A fragmentação  (do discurso) é a revelação da incapacidade de totalizar o nosso discurso em termos de verdade. (ficar fora do sistema hegeliano, edifício de uma unidade e coerência sem fendas).

Sobre Mário Soares

Mário Soares foi uma espécie de precursor da situação em que o socialismo se encontra hoje (1988). Estamos numa fase de grande «obscurecimento ideológico».

O Tempo e os «buracos negros» que correspondem ao que se esquece…

Toda a questão condiciona ou subdetermina a resposta.

Prática militante para uma minoria, o marxismo dos anos 40 era, sobretudo, uma leitura diferente da História, passado ou presente, uma crença sólida na superioridade da solução económica, política e ética da Revolução de Outubro, acompanhadas da vontade expressa de as tornar como modelo ideológico e cultural entre nós.

(…) O marxismo, tal como me aparecia no discurso crítico dos meus camaradas de geração (ou mais velhos, como António José saraiva, Óscar Lopes, Mário Dionísio, Mário Sacramento) ou no implícito das suas incipientes encarnações artísticas, só me parecia um hegelianismo inconsequente.

Os discursos de Sérgio e Pascoaes não são da mesma natureza. São mesmo antagónicos. O de Pascoaes é mítico e poético, o de Sérgio conforme a um certo racionalismo dos fins do séc. XIX. Sérgio acreditou que a razão tinha o poder de matar o mito. (…) Se a herança de Pascoaes é a sua visão poética e a sua poesia, essa partilha para ele é impossível. Enquanto houver língua portuguesa, a poesia de Pascoaes marcará nela a sua pessoa incandescente.

A crítica e a criação

João Gaspar Simões sempre separou de forma nítida, tradicional, crítica e criação. Eduardo Lourenço queria efectivamente que o texto crítico fosse o mais osmótico possível com o texto criador, operando simplesmente uma espécie de escolha, imaginando a crítica, não como uma espécie de tribunal diante do qual as obras de qualquer natureza se vêm apresentar para receber uma conotação, mas como um face-a-face, um convívio com uma obra que nos interessa pessoalmente – uma crítica realmente criativa. 

«Todo o crítico é um parasita da obra alheia.»

«Nós vivemos todos em função da ideia de que poderíamos ter feito outra coisa, de que somos capazes de fazer outra coisa.» 

MENSAGEM e Oliveira Martins

A «Mensagem» não tem leitura sem a referência à História de Portugal de Oliveira Martins. Ambos os textos transmitem a mesma ideia de um Portugal que só tem existência autêntica até Alcácer-Quibir, e que em seguida é póstumo. Por conseguinte, na «Mensagem», todos os personagens que têm positividade existem até D. Sebastião; depois, há uma Não-História. E nessa Não-História há uma Pré-História de um futuro possível em que o sentido reapareça de novo, Pré-História ocupada pelo Sebastianismo e por um personagem profético chamado António Vieira. Mas não há mais ninguém, até à data. Ora, isto é o esquema da «História» de Oliveira Martins.

«A Mensagem» vai ser lida como uma espécie de «Lusíadas» do século vinte, quando, em última análise, ela é anti-Lusíadas, porque «Os Lusíada» são um poema escrito sobre uma acção real, a exaltação de um facto real de importância nacional. E a «Mensagem» é um poema puramente onírico. Onírico, antes de mais em relação ao passado, porque todos os heróis ou figuras emblemáticas são símbolos de maneiras de estar no mundo e de representar o ser português ideal, mais do que personagens que agiram na História desta ou daquela maneira.»

Walt Whitman terá sido determinante na eclosão heteronímica…


Cesário e Caeiro

Com o conhecimento de Cesário Verde, Pessoa poderia ter passado logo para uma poesia mais atenta ao real. Mas na verdade não é isso que está no Caeiro, no Caeiro não está uma atenção privilegiada ao real, está só a ideia da crença na realidade do real. O real enquanto tal, à maneira de Cesário está evacuado, só existe em termos puramente abstractos: a árvore, o rio (…) mas aquela poesia do concreto…

Fernando Pessoa e o amor

Ora, Fernando Pessoa não parece ter ardido em nenhuma chama de amor, mas na chama do não-Amor. O que há menos em Fernando pessoa é a mulher. Portanto, é uma experiência extremamente dolorosa, mais dolorosa que a da paixão de amor, correspondida ou não-correspondida.

África

A nossa relação com África foi sempre, a nível oficial, uma relação atenta e distante, e, a outro nível, inexistente. A não ser quando começou realmente a emigração para a África; uma parte da população portuguesa pobre emigrava para África como emigra hoje para a França ou para outro país qualquer.

(…) Há uma diferença entre a colonização anglo-saxónica, quer dizer, protestante, e a colonização de tipo católica. A nossa emigração é, em primeiro lugar, uma emigração, ou uma colonização pobre; em segundo, é uma colonização efectivamente oficial, enquanto a colonização anglo-saxónica dos Estados Unidos é uma colonização de ingleses que se metem num barco e vão para se separarem da mãe-pátria, por motivos de ordem religiosa. 

Fernando Pessoa e o modernismo

Os românticos sentem a obrigação de ser infelizes, mesmo que sejam extremamente felizes. (…) Pessoa é, possivelmente com Pascoaes, o nosso maior romântico. (…) O seu demónio é simbolista. é uma visão da existência sobre o fundo do nevoeiro, da ausência, do vago. O que não é vago é a escrita dele, mesmo quando ele é simbolista.

Fernando Pessoa é modernista no sentido mais profundo da consciência daquilo que é a ausência da modernidade, ou seja, da morte de Deus, da perda de um Sentido para uma História que até então tinha sentido. (…) ao mesmo tempo, Fernando Pessoa é profundamente antimodernista a todos os níveis. (…) a aprendizagem de Fernando pessoa foi extremamente clássica, como clássica era a poesia inglesa de que ele mais, – incluindo os românticos que ao nível da escrita eram perfeitamente clássicos, fascinados pela Grécia. Portanto, no imaginário de Pessoa, a Idade de ouro da Humanidade é a Grécia; não a Grécia de Nietzsche, mas a Grécia de Winchelmann, a Grécia de Goethe. O modernismo é o facto de ele querer apanhar todos os comboios, de não ser ninguém e por isso estar disponível… 

A Literatura

«Para mim, a literatura é a expressão de alguma coisa mais, que no fundo não tem nome.»  

Como diz Platão, o que determina o desejo de filosofar é o espanto diante da realidade. Esse espanto interroga-se a si próprio e pede uma resposta. Essa resposta articulada pela norma ocidental chama-se, em geral, Filosofia. Esse espanto liricamente expresso, sem a preocupação de uma resposta, aberto, é Poesia.

Pessoa compreende que o Absoluto é um mito e que não há senão uma pluralidade de caminhos, todos com a mesma possibilidade de serem essa Verdade que não existe. (…) o texto de Pessoa é um autotexto, um texto sobre o próprio texto. E essa é a novidade que não existia na poesia anterior.

Revista Tempo e o Modo

«Era ele, Eduardo Lourenço, o Jorge de Sena, poucos mais - as pedras sobre que se fundava aquela igreja. Pedras no charco da monotonia da esquerda de então que afinava toda pelo diapasão de um único maestro.// A polifonia que ali aprendi, com o António Alçada, heterodoxo visceral, com o João Bénard, esteta avant toute chose (…)  eram os anos 60.» 

Um Soneto de António Ramos Rosa para Eduardo Lourenço

Improvável, imprevisível aparição

no pressentido horizonte da linguagem

em que o universo se move repetido

nas colunas do tempo flutuantes.

Mas quem me chama, quem me arranca de mim

a nula identidade? Quem me pergunta

a sua pergunta consonante? Alguém dispersa 

e recolhe constelações, cristais, imagens?

É este o percurso dos lábios que seguias?

é nestas palavras sombra e desejo

que verei o teu rosto que devagar se estende

Para as brancas colinas? Eu pergunto e pergunto

tu és a desconhecida nos líquidos limites

e na tua ausência está a presença que nomeia. 

Inédito (?)

O Livro do Desassossego ou o Memorial dos Limbos  

«A sua verdadeira e indiscutível originalidade reside no facto de que vive, quase exclusivamente, da atenção prestada à própria atividade escritural, aquela que é, em sentido próprio e figurado, o modo de vida e o modo de ser o narrador-fictício, Bernardo Soares, e do seu criador, Fernando Pessoa.»

Imprensa sobre Eduardo Lourenço

Devemos Considerar Eduardo Lourenço como um pensador da atualidade, ou um pensador medieval, ou sequer um pensador? (Faranaz Keshavjee)

F K pergunta por que motivo EL não reconhece aos crentes muçulmanos o mesmo direito, que têm os católicos, a pagarem do seu bolso templos, escolas e atividades comunitárias e se EL conhece os intelectuais árabe e muçulmanos, como ele expatriados em França, como, por exemplo, Mohammed Arkoun e Joseph Maila…

«Finalmente, a guetização dos muçulmanos na Europa, onde existe, é fruto da maneira como a Europa rejeita e estigmatiza o Outro. Basta para isso ver como na escola falamos do colega muçulmano recordando o infiel, o invasor, o mouro (i.e., escuro), o árabe enfim, aquele que é vitoriosamente expulso. Será que é difícil perceber que é justamente este tipo de pensamento e de intelectualidade que promove o gueto, a ignorância e o consequente choque?» (Faranaz Keshavjee)


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