Manuel Maria l'Hedoux Barbosa du Bocage (1765-1805)
Foi destinado à carreira das armas, recebendo em casa lições de português, que o pai (advogado) lhe saberia dar, de francês, língua de sua mãe, e de Latim, em que tinha como professor um padre espanhol, D. João de Medina.
Aos 10 anos de idade, morre sua mãe. E aos 16 anos (1781), o poeta (incompatibilizado com o irmão, morgado? - a constituição da família era, no estado monárquico-absolutista, uma das mais poderosas legitimadoras da desigualdade social, oposta ao individualismo revolucionário que pretendia atenuá-la) foge para o quartel de infantaria de Setúbal.
O mundo clássico submetia o indivíduo às condições que lhe
impusesse uma sociedade que se cria definitivamente organizada; o mundo
romântico dava-lhe liberdade e os meios de contribuir para que a sociedade
recebesse as transformações que a ele, indivíduo, permitissem, com o
crescimento espiritual, a realização de suas várias possibilidades.
Em 1782, frequenta, de princípio, com assiduidade e aproveitamento
a Companhia dos Guardas-Marinhas, escola antepassada da actual Escola Naval.
Porém, ao fim de 10 meses, abandonou os estudos... Perto do Arsenal da Marinha,
ficava o Rossio, e neste abria-se o Nicola e o Botequim das Parras, como uma
sala chamada o"Agulheiro dos Sábios", onde podia dar asas ao
"improviso", em troca do imediato aplauso... Em 6 de Junho de 1784, é
dado como desertor...
Foram anos de boémia, em que teve como interlocutores
pessoas de relevo social da época:
Morgado
de Assentiz, Francisco Paula, Nuno Moniz, D. Gastão Fausto Câmara, André da
Ponte de Quental, Tomás Santos e Silva, Francisco Bingre, Filinto e Alcipe
liam-no.
Um dia, porém, o amor de Gertrúria muda-lhe o rumo à vida.
Sonha um lar dignificado pela espada de oficial da Marinha, e obtém do Príncipe
Regente que o nomeie guarda-marinha nos mares da Índia, e para lá parte, em
Fevereiro de 1786, com escala no Rio de Janeiro, onde tenta ficar... Segue, no
entanto, para Goa...
Na Índia, frequenta com assiduidade a Escola Real da Marinha.
Entra em acção militar e é louvado por serviços em campanha, sendo promovido a
tenente do Exército e transferido, em 1789, para Damão.
Dois dias mais tarde, deserta novamente... naquela terra,
irrita-o a megalomania de quantos goeses se distribuem gratuitamente a negregada senhoria; sente a oposição do brâmane ante o jugo de Portugal;
horroriza-o a resistência do indígena, preso ao culto dos ídolos vãos
Desiludido da terra e do império, vive na esperança de
Gertrúria (Ana Gertrudes Marecos? ou D. Gertrudes Margarida da Cunha de Eça
Castelo Branco com quem o irmão veio a casar?)... que segundo a lenda lhe terá
sido roubada pelo irmão morgado...
Com Manuel José Dionísio (dívidas de jogo) aventurou-se à
fuga... Chega a Macau, passando por Cantão, em misérrima situação moral e
física. Conseguiu, todavia, encontrar um protector - Joaquim Pereira de
Almeida... Mercê da proteção ali obtida, conseguiu regressar a Portugal.
É acolhido na Nova Arcádia ou Academia de Belas-Letras, em
que, por iniciativa do Padre Domingos Caldas Barbosa (...) se transformara em
1790, a Academia de Humanidades de Lisboa, rebento, por ser turno, da Academia
Lusitana, extinta de inanição em 1776.
Bocage só três anos se manteve como sócio... acabando por
ridicularizar as Quartas-Feiras de Lereno
(sonetos, p. 146-147)
Entretanto, Pina Manique aperta o cerco a todos aqueles que
se identificariam com os ventos que sopravam de França... Bocage foi preso, já
embarcado em nau de partida para o Brasil. Foi encerrado no Limoeiro como autor de papéis sediciosos contra a
segurança do Estado.
Os amigos, perante o desespero do Poeta, conseguem-lhe a
"conversão do crime contra o Estado em erros contra a Fé e a consequente
transferência do cárcere civil o Limoeiro, para o cárcere inquisitorial. O Santo
Ofício manda-o para o Convento de S. Bento da Saúde, donde sai, a fim de ser
doutrinado, para o Hospício de Nossa Senhora das Necessidades, dos oratorianos.
Quando sai, regenerado (?), aceita o trabalho de tradutor de obras didácticas para ajudar a irmã mais nova, com uma filha pequenina, que perdera a proteção da futura marquesa de Alorna, que Pina Manique levara a exilar-se em Inglaterra. É por isso que organiza um lar, na Travessa de André Valente...,
É nesta fase que acontece a
polémica travada com José Agostinho de Macedo...
Quando ainda não havia completado 45 anos, caiu de cama com
um aneurisma e ei-lo resvalando para a morte... Reconcilia-se na doença com os
inimigos e rivais...
A miséria de Bocage leva o proprietário do Nicola, José
Pedro da Silva a editar-lhe os versos, vendendo-os pelas ruas, obtendo assim os
recursos de que o poeta necessitava... Morreu a 21 de Dez. de 1805.
1
Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado
Mansa corrente deleitosa, amena,
Em cuja praia o nome de Filena
Mil vezes tenho escrito e mil beijado.
Nunca mais me verás entre o meu gado,
Soprando a namorada e branda avena,
A cujo som descias mais serena,
Mais vagarosa para o mar salgado.
Devo, enfim, manejar, por lei da Sorte,
Cajados não, mortíferos alfanges,
Nos campos do colérico Mavorte;
E talvez entre impávidas falanges
Testemunhas farei da minha morte
Remotas margens, que o humedece o
Ganges.
Bocage
2
Canta
ao som dos grilhões o prisioneiro,
Ao som
da tempestade o nauta ousado;
Um,
porque espera o fim do cativeiro,
Outro,
antevendo o porto desejado.
Exposta
a vida ao tigre mosqueado,
Gira
sertões o sôfrego mineiro,
Da
esperança dos lucros encantado,
Que
anima o peito vil e interesseiro:
Por
entre armadas hostes destemido,
Rompe
o sequaz do horrífero Mavorte,
Co'o triunfo,
co'a glória no sentido.
Só eu
(tirano Amor!, tirana Sorte!)
Só eu,
por Nise ingrata aborrecido,
Para
ter fim meu pranto espero a morte.
Mosqueado
- que tem pintas ou manchas escuras.
Sequaz - sectário; partidário.
Horrífero
= horrífico = horrendo - terrível
Mavorte - Marte; guerreiro; belicoso
Mavorcismo = belicismo
NISE ... INÊS
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