Simbolismo, decadentismo, parnasianismo, renascença, saudosismo, futurismo

O Simbolismo

 O fim do século XIX é uma época de crise: crise do pensamento e crise das instituições.

 Após uma literatura de carácter universalista, humanista, europeizante, como fora a da geração de 1870, sucedeu uma literatura sem coerência ideológica, cosmopolita, tradicionalista, estetizante, egocêntrica, de um egocentrismo aberrante e anti-humanista, vagamente consciente de uma suposta decadência da cultura positiva anterior.

Nos autores mais representativos do simbolismo obliterou-se a noção de tempo, eles pretenderam exprimir-se através duma arte intemporal, de uma beleza absoluta, sentiram uma forte apetência de mitos e suscitaram o aparecimento de alguns.

v  Eugénio de Castro e os mitos clássicos utilizados na formulação poética duma sabedoria baseada num pessimismo de esteta e na crença da universal ilusão, condição da felicidade humana.

v  Raul Brandão e a eternidade da dor

v  António Nobre e o heroísmo sebastianista

v  Alberto de Oliveira e a aventura romântica e espetaculosa dos Descobrimentos.

O decadentismo cultivou a imaginação barroca, um anarquismo intelectual e moral.

v  Criação abusiva de neologismos extravagantes. No glossário de Jacques Plowert figuram os termos «oaristos», «nefelibatas» e outros utilizados por Eugénio de Castro.

v  Revolta violenta contra a regularidade, a disciplina positiva e o cientifismo da cultura de meados do século.

 Críticos do decadentismo: Eça de Queirós e Fialho de Almeida[1].

 O simbolismo, com estruturação filosófica e religiosa, apresenta estreitas afinidades com o romantismo alemão e as especulações religiosas heterodoxas dos ocultistas, atribui ao poeta uma missão de ordem metafísica e mística, admite a identidade fundamental do mundo interior e do mundo exterior, recorre ao método baudelairiano das correspondências, inspirado pelo princípio da analogia universal, para alcançar o conhecimento de uma realidade absoluta, a que aludem os fenómenos, inacessível à razão, intuída por um eu subjectivo, considerado como um centro interior, lugar de certezas inefáveis, entidade inalienável. A poesia aspira então a transformar-se em magia, e o mundo onírico é considerado como a fonte de misteriosas revelações cosmogónicas.

v  Representantes autênticos do simbolismo em Portugal: Camilo Pessanha e Raul Brandão.

 Revistas difusoras do simbolismo:

«Os Insubmissos» - 1889 (Eugénio de Castro, Francisco Bastos, João Meneses) «Boémia Nova» - 1889 (António Nobre, Alberto de Oliveira, Alberto Osório de Castro, António Homem de Melo, Agostinho de Campos, Eugénio Sanches da Gama; Dr. Fausto…) «Arte» - 1895

Se o simbolismo incorpora em si o idealismo romântico e o senso romântico do mistério, revalorizando misticamente o sonho e as iluminações do inconsciente, a verdade é que herdou dos parnasianos o culto obsessivo da Beleza aliado à atitude crítica, à ideia da importância da teoria poética para a criação…

Verlaine será simbolista pela estética do vago, do impalpável, da nuance, da insinuação subtil, quer dizer, pela tendência para reduzir a poesia à música.

 Também poderíamos notar que o simbolismo é uma viragem decisiva por o poema nascer, a partir dessa corrente (que instaura o moderno em poesia) …

 É mais decadente que simbolista a pequena escola que teve por corifeu o autor de Oaristos (1890) e por discípulos António de Oliveira Soares, D. João de Castro, Júlio Brandão e alguns mais.

 É certo que nos Oaristos, nas Horas, e principalmente na Silva (…) se cria, por vezes, mediante os símbolos, uma sugestiva atmosfera de indecisão; mas, se virmos bem, são quase sempre símbolos à priori, de propôs delibéré, como diria Maeterlink, e não espontâneos, inspirados, intraduzíveis….

 António Nobre, o outro poeta de excepção, é decerto menos simbolista do que romântico, dum íntimo decadentismo, e acima de tudo muito pessoal e muito português, apesar de o Simbolismo o ter ajudado a encontrar-se, a exprimir-se livremente e a ductilizar a sua arte, já moderna.

 Creio, porém, haver simbolismo autêntico em Camilo Pessanha e em Mário de Sá-Carneiro. Em ambos, os processos simbolistas perderam o carácter de exercício sem adesão profunda e ganharam a força de uma alma que se comunica.

Pessanha vê espontaneamente o mundo como fluxo de imagens ocas que se impregnam da sua vida subjectiva; pensa espontaneamente por analogias.

O símbolo na Clepsidra tem a dupla face de imagem e de signo… E o mesmo se pode dizer de Mário de Sá-Carneiro, todavia tão diverso – mais sensorial, dum amor-próprio mais afirmativo, revoltado, raiva de grandeza frustrada, a traduzir-se esteticamente no reanimar do vocabulário decadente, raro e fulgurante, e por outro lado em audácias inéditas de expressão, inclusivamente uma sintaxe sui generis. (…) Os seus símbolos – Oiro, Azul, Lua, Cobra – têm certa fixidez, permanecem a polarizar o íntimo conflito.

 

 



[1] Visou especialmente nos seus comentários galhofeiros as audácias estilísticas de Eugénio de Castro e de Oliveira Soares.

A poesia parnasiana
Desde nov. de 1868, na Folha, revista coimbrã, surgem sonetos metricamente impecáveis e de vocabulário alatinado do diretor João Penha. Surgem também poemas mais conseguidos dos seus discípulos: Guerra Junqueiro e Gonçalves Crespo. Gonçalves Crespo - Miniaturas em 1871 e Noturnos em 1882 - terá sido aquele que melhor soube adoptar a atitude impassível e objetiva, característica dos poetas que, em França, a partir de 1852, reagindo contra o lirismo confessional, criaram um novo estilo divulgado no Parnasse Contemporain (1866 a 1876, em Paris).
O Grupo francês incluía: Téophile Gautier; Leconte de Lisle; Baudelaire; Banville; Sully Prudhomme; François Coppée; José-Maria Hérédia, sendo este último o mais perfeito dos parnasianos, porque pôs em prática os princípios que norteavam a Escola parnasiana:
·             perfeição métrica e esmero da forma;
·             rimas raras e inesperadas;
·         preferência por uma imagística em que predominavam os esmaltes e as pedras preciosas;
·         temas eruditos, inspirando quadros exóticos ou mitológicos, condensados em sonetos primorosos;
·         o poeta era mais artífice do que inspirado.

Os nefelibatas
O opúsculo Nefelibatas foi publicado em 1893. Nefelibata é aquele que anda ou vive nas nuvens! Este termo foi inicialmente empregue por Eugénio de Castro, ao introduzir o simbolismo, em 1890, com o livro de poemas OARISTOS, termo de origem grega que significa diálogos entre marido e mulher, ou em sentido geral, diálogos amorosos.

Se o simbolismo incorpora em si o idealismo romântico e o senso romântico do mistério, revalorizando misticamente o sonho e as iluminações do inconsciente, a verdade é que herdou dos parnasianos o culto obsessivo da Beleza aliado à atitude crítica, à ideia da importância da teoria poética para a criação…
Verlaine será simbolista pela estética do vago, do impalpável, da nuance, da insinuação subtil, quer dizer, pela tendência para reduzir a poesia à música.
Também poderíamos notar que o simbolismo é uma viragem decisiva por o poema nascer, a partir dessa corrente (que instaura o moderno em poesia) …
É mais decadente que simbolista a pequena escola que teve por corifeu o autor de Oaristos (1890) e por discípulos António de Oliveira Soares, D. João de Castro, Júlio Brandão e alguns mais.
É certo que nos Oaristos, nas Horas, e principalmente na Silva (…) se cria, por vezes, mediante os símbolos, uma sugestiva atmosfera de indecisão; mas, se virmos bem, são quase sempre símbolos à priori, de propôs delibéré, como diria Maeterlink, e não espontâneos, inspirados, intraduzíveis….
António Nobre, o outro poeta de excepção, é decerto menos simbolista do que romântico, dum íntimo decadentismo, e acima de tudo muito pessoal e muito português, apesar de o Simbolismo o ter ajudado a encontrar-se, a exprimir-se livremente e a ductilizar a sua arte, já moderna.
Creio, porém, haver simbolismo autêntico em Camilo Pessanha e em Mário de Sá-Carneiro. Em ambos, os processos simbolistas perderam o carácter de exercício sem adesão profunda e ganharam a força de uma alma que se comunica.
Pessanha vê espontaneamente o mundo como fluxo de imagens ocas que se impregnam da sua vida subjetiva; pensa espontaneamente por analogias.
O símbolo na Clepsidra tem a dupla face de imagem e de signo… E o mesmo se pode dizer de Mário de Sá-Carneiro, todavia tão diverso – mais sensorial, dum amor-próprio mais afirmativo, revoltado, raiva de grandeza frustrada, a traduzir-se esteticamente no reanimar do vocabulário decadente, raro e fulgurante, e por outro lado em audácias inéditas de expressão, inclusivamente uma sintaxe sui generis. (…) Os seus símbolos – Oiro, Azul, Lua, Cobra – têm certa fixidez, permanecem a polarizar o íntimo conflito.

A Renascença Portuguesa / MENSAGEM
Extratos do 1º Manifesto da Renascença Portuguesa, redigido por Teixeira de Pascoaes em 1911, embora só publicado em 1914, intitulado Ao Povo Português, A Renascença Lusitana:
O fim da Renascença Lusitana é combater as influências contrárias ao nosso carácter étnico, inimigas da nossa autonomia espiritual e provocar, por todos os meios de que se serve a inteligência humana, o aparecimento de novas forças morais orientadoras e educadoras do povo, que sejam essencialmente lusitanas, para que a alma desta bela Raça ressurja com as qualidades que lhe pertencem por nascimento, as quais, na Idade Média, lhe revelavam os segredos dos mares, de novas constelações e novas terras, e, de futuro, lhe deverão desvendar os mistérios dessa nova vida social mais bela, mais justa e mais perfeita.
                Logo que a alma portuguesa se encontre a si própria, realizará as antigas energias e realizará a sua civilização.
Estas palavras (...) têm por fim mostrar ao povo português qual a ideia que inspira a Renascença Lusitana. (...) temos, portanto, em vista:
Dar ao povo uma educação lusitana e não estrangeira; uma arte e uma literatura que sejam lusitanas, e uma religião, no seu sentido mais elevado e filosófico, que seja também lusitana.
Com efeito, quem surpreender a alma portuguesa, nas suas manifestações sentimentais mais íntimas e delicadas, vê que existe nela, embora sob uma forma difusa e caótica, a matéria duma nova religião, tomando-se a palavra religião como querendo significar a ansiedade poética das almas para a perfeição moral, para a beleza eterna, para o mistério da Vida...
                Ora a alma portuguesa sente esta ansiedade duma maneira própria e original, o que se nota facilmente analisando os cantos populares, as lendas, a linguagem do povo, a obra de alguns poetas e artistas e, sobretudo, a suprema criação sentimental da Raça - a Saudade.
A Águia será o órgão da sociedade.
(Diremos, de passagem, que consideramos como grandes factores do nosso renascimento: a Higiene e a Arte.
                Por aquela atingiremos a harmonia física, e por esta a harmonia espiritual.
                A Ginástica encerra tanta virtude como a Arte Poética.
                A guerra ao álcool, ao tabaco, à alimentação carnívora, por exemplo, é uma guerra santa e confunde-se com a glorificação da Beleza moral, com a apoteose dos sentimentos e das ideias mais puras e transcendentes.
                A Ilíada e os Jogos Olímpicos!)

A Águia (1910-1932)
Editada no Porto. Foram publicadas 5 séries. Foi sucessivamente dirigida por Álvaro Pinto, Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, António Carneiro, Hernâni Cidade, Casais Monteiro, Delfim Santos...
Apresentou-se, a partir da 2ª série, como órgão da sociedade portuense Renascença Portuguesa.
Nas páginas de A Águia, com predomínio de autores ligados ao movimento saudosista, assume especial relevo a polémica entre António Sérgio, que põe limitações àquele movimento, e Pascoaes, e a publicação de um conjunto de artigos de Fernando Pessoa, A nova poesia portuguesa, 1912:
Na 2ª parte, Pessoa começa por definir corrente literária - deve ser “representativa do estado social da época e do país em que aparece. Porque uma corrente literária não é senão o tom especial que de comum têm os escritores de determinado período, e que representa, postas de parte as inevitáveis peculiaridades individuais, um conceito geral do mundo e da vida, e um modo de exprimir esse conceito, que, por ser comum a esses escritores, deve forçosamente ter raiz no que de comum eles têm, e isso é a época e o país em que vivem ou em que se integram.”[2]
(...) Por vitalidade de uma nação não se pode entender nem a sua força militar, nem a sua prosperidade comercial, coisas secundárias e por assim dizer físicas nas nações; tem de se entender a sua exuberância de alma, isto é, a sua capacidade de criar, não já simples ciência, o que é restrito e mecânico, mas novos moldes, novas ideias gerais, para o movimento civilizacional a que pertence.

                Fernando Pessoa e a actual corrente literária/ O Saudosismo
É absolutamente nacional (...) com ideias especiais, sentimentos especiais, modos de expressão especiais e distintos de um movimento literário completamente português...
Este movimento poético português contém individualidades de vincado valor...
Este movimento poético dá-se coincidentemente com um período de pobre e deprimida vida social, de mesquinha política, de dificuldades e obstáculos de toda a espécie à mais quotidiana paz individual e social, e à mais rudimentar confiança ou segurança num, ou de um, futuro.

 Referindo-se às intuições proféticas do poeta Teixeira de Pascoaes sobre a futura civilização lusitana e sobre o futuro glorioso que espera a Pátria Portuguesa:
“ E isto leva a crer que deve estar para muito breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas supremos, desta corrente, e da nossa terra, porque fatalmente o Grande Poeta, que este movimento gerará, deslocará para segundo plano a figura, até agora primacial, de Camões (...) Mas é precisamente por isso que mais concluível se nos afigura o próximo aparecer de um Supra-Camões na nossa terra.”[3]

                Sobre a analogia do Saudosismo com outras correntes portuguesas
“O seu tom especial e distintivo, quando começa a aparecer? É fácil constatá-lo. É com o Só de António Nobre, com aquela parte de Eugénio de Castro que toma aspectos quinhentistas, e com Os Simples de Guerra Junqueiro. Começa, portanto, pouco mais ou menos coincidentemente com o começo da última década do séc. XIX. Fixado o início do período, procuremos o precursor (...): É Antero de Quental.

       
Passou o Outono já, já torna o frio…
- Outono de seu riso magoado.
Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado…
- O sol, e as águas límpidas do rio.

Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado.
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais meu coração vazio?

Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando…

Onde ides, a correr, melancolias?
- E, refratadas longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias…
Camilo Pessanha (1871-1926)

D. SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Fernando Pessoa, Mensagem

D. SEBASTIÃO
Quem vai à luz do Céu com luz da Terra
Encontra a escuridão no seu caminho;
Quem vai buscar a noiva em som de guerra,
Morre sem noiva e sem amor, sozinho.

Encontra a escuridão no sol ardente,
Arma do Anjo Negro mascarado
Que cega todo aquele que à sua frente
Ergue o rosto agressivo e confiado,

Morre na areia seca do deserto,
Seu corpo nu a apodrecer no chão,
Simplesmente coberto
Pelo pranto sem fim duma Nação.

E eu fui a Deus com alma natural,
E o meu grito de amor desafiou.
E Deus toldou-se quando eu dei sinal,
E a noiva nem sequer me sepultou!
Miguel Torga, in Poemas Ibéricos

O Futurismo

O FUTURISMO reage aos "crepusculares" e, duma forma geral, a todo o decadentismo romântico, iniciando em 1909 uma nova etapa da literatura italiana e da literatura em geral: instala a desordem e o movimento nesse reino de escritores cadáveres, cospe nos altares sacrossantos do passado, inaugura o grande festival da loucura criativa, que se prolongará até contaminar toda a arte moderna. É o período heróico até 1920...
O FUTURISMO organiza-se estética e filosoficamente a partir dum desenho ideológico onde cabem escritores naturalistas como ZOLA, poetas como WHITMAN e filósofos como NIETZCHE ou BERGSON...
O primeiro movimento artístico dotado de uma «ideologia global», isto é de um conjunto de concepções que se estendem a todos os ramos da actividade humana, da arte à política, da gastronomia à filosofia, tem de ligar-se à ambiência que ressalta de certos romances de Zola; aos cânticos de exaltação Whit­maniana à vida, ao corpo, a saúde, à força e à indústria nas­cente (a influência deste poeta e pensador, principalmente das suas Leaves of grass, opera igualmente duma forma acentuada em relação a outros movimentos dos princípios do século, nomeadamente no grupo expressionista "Die Brücker"; à obra de Maxime du Camp les chants modernes, aparecida em 1885, verdadeiro hino à ciência moderna, com simultâneo ataque aos ideais clássicos de beleza; às obras literárias de Michelet, Rosny aîné, principalmente La Vague Rouge de Paul Adam e aos poemas do flamengo Verhaeren (sobretudo no tratamento do tema da grande cidade moderna em Les Villes tentaculaires); à defesa do verso livre principalmente em França por Gustave Kahn e depois em Itália, à margem do movimento, por Gian Pietro Lucini, através do volumoso Il verso libero, publicado em 1908, por Marinetti; à estética da máquina e ao culto da velocidade que pela primeira vez foi feito por Mário Morasso, que em 1904 afirmava: «É essencialmente do mundo mecânico, mundo descoberto e criado por nós, que pode surgir esta necessidade de novas linhas estéticas, é a máquina nossa con­temporânea que pode sugeri-las e inspirá-las»; ao mito niet­zscheano do super-homem presente, de resto, em quase toda cultura romântica; à apologia da violência, feita por Georges Sorel em Reflexions sur la Violence; ao pragmatismo, intuicionismo e vitalismo de Bergson, etc.
Por outro lado, o belicismo, o intervencionismo, a arro­gância fascizante, o «orgulho nacional» e a apologia da acção directa não são obviamente alheias ao clima ideológico e político da época, a particularidades histórico~políticas da própria Itália nas décadas que antecederam imediatamente a primeira guerra mundial, onde pontificava um certo sindica­lismo revolucionário defendido por Enrico Leone, as teorias da «missão» italiana no mediterrâneo de Oriani, um anti-par­lamentarismo e um anti-socialismo preconizado entre outros pelos colaboradores da revista Leonardo, publicada de 1903 a 1907, dirigida por Papini e Prezzolini que preconizavam a «necessidade de fazer algo de importante» encarecendo a «audácia de ser louco», loucura que só se poderia enobrecer na «guerra geradora e rainha de tudo» (Prezzolini). Daqui a doutrina futurista da «guerra única higiene do mundo» vai apenas o tempo necessário para que as contradições imperia­listas se agudizassem a ponto de tornarem iminente a 1ª guerra mundial.
Afastado o «terrorismo técnico», de que certos aspectos constituem a inovação que maior importância teve no que respeita a contribuição do movimento para toda a arte mo­derna, fica-nos um "romantismo" exacerbado, ou antes uma ânsia de esgotar o romantismo, um pensamento radical onde se manifesta uma labilidade ideológico-emocional pequeno-bur­guesa (na contestação de uma ordem de valores que urgia substituir) que originará a apologia do activismo cego, a exal­tação da guerra e o irracionalismo que está na base da cons­trução da mitologia e da «ordem» fascista. É claro que fascismo e futurismo não se identificam (e não precisamos de, para o demonstrar, referir o futurismo russo que apoiou e serviu a Revolução de Outubro), mesmo no âmbito da cultura italiana não o afirmaríamos sem cometer um grave erro. Mas o clima ideológico que está na base da ditadura de Mussolini envolveu, completou e informou duma forma estreita o futurismo ita­liano.
Pela exuberância oratória, pela intervenção prática pela criação de um novo horizonte místico e pela definição duma elite literária (à boa maneira simbolístico-romântica francesa) os futuristas renovam as tendências mais profundas da cultura romântica, adaptando-as às necessidades estéticas resultantes da transformação ideológica operada pela alteração das estru­turas de produção capitalistas nos últimos anos do século XIX e no princípio do nosso século.
José Mendes Ferreira, Antologia do Futurismo Italiano - manifestos e poemas, ed. Vega

FUNDAÇÃO E MANIFESTO DO FUTURISMO
Publicado no Figaro de Paris em 20 de fevereiro de 1909
Pilippo Tommaso Marinetti (1876 - 1944)

1. Nós queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da ousadia.
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Nós queremos exaltar o movimento agres­sivo, a insónia febril, o passo de corrida, o salto mortal, a bofetada e o soco.
4. Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu com uma nova beleza: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida. com o seu cofre enfeitado por grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um auto­móvel que ruge, que parece correr debaixo de fogo, é mais belo do que a Victória de Samotrácia.
5. Queremos glorificar o homem que segura o volante, cujo eixo ideal atravessa a Terra, ele também lançado em corrida, no circuito da sua órbita.
6. É preciso que o poeta se enriqueça com ardor, esforço e liberdade, para aumentar o entusiástico fervor dos ele­mentos primordiais.
7. Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas, para reduzi-las e prostrá-las diante do homem.
8. Estamos no promontório extremo dos séculos!... Porque razão nos devemos acautelar, se queremos arrombar as mis­teriosas portas do impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos agora no absoluto, pois criámos a velocidade omnipresente.
9. Queremos glorificar a guerra - única higiene do mun­do - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as aca­demias de todas as espécies, e combater contra o moralismo, o feminismo e contra todas as baixezas oportunísticas ou utilitárias.
11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo tra­balho, pelo prazer ou pela rebelião; cantaremos as marés mul­ticolores ou polifónicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor nocturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas eléctricas; as estações glutonas, devoradoras de serpentes que deitam fumo, as fá­bricas penduradas nas nuvens pelos fios retorcidos dos seus fumos; as pontes semelhantes a ginastas gigantes que galgam os rios, balouçando ao sol com um brilho de facas; os piros­cafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de peito amplo que atropelam os carris, como enormes cavalos de aço com freios de tubos e o voo deslizante dos aeroplanos cuja hélice rasga o vento como uma bandeira e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.

Álvaro de Campos e o Futurismo

Em carta datada de 4 de junho de 1915, e dirigida ao Director do Diário de Notícias, A.C. explica o seu conceito de Futurismo:
«A atitude principal do futurismo é a objetividade absoluta, a eliminação da arte de tudo quanto é alma, quanto é sentimento, emoção, lirismo, subjetividade em suma. O Futurismo é dinâmico e analítico por excelência. Ora se há coisa que seja típica do Interseccionismo é a subjetividade excessiva, a síntese levada ao máximo, o exagero da atitude estática»
A Ode Triunfal, publicada no nº 1 do Orpheu é a única coisa que se aproxima do Futurismo. Mas aproxima-se pelo assunto que me inspirou, não pela realização - e em arte a forma de realizar é que distingue as correntes e as escolas.
O conceito de Vanguarda
Vanguarda: esta designação serve para referir, no campo literário, as mais significativas mudanças de qualidade em termos de invenção ou, mesmo de revolução expressiva.
Estas novas formas de mudança podem surgir em contextos ideológicos muito diferentes; por ex. num contexto ideológico revolucionário nos primeiros tempos da URSS ou de direita, como aconteceu com o Futurismo de Marinetti, em Itália.
O surto da Vanguarda literária está, sem dúvida, relacionado com o aparecimento do movimento modernista, sobretudo a partir da publicação em 1915 da revista Orpheu.
Aí se fez sentir uma violência no campo expressivo que muito contribuiu para uma essencial subversão das formas. Tal movimento acabou por pôr em questão os processos de expressão tradicionais, os quais se dirigiam a um público de gosto conservador - os lepidópteros burgueses.
                Fernando Guimarães, Simbolismo, Modernismo e Vanguarda
[1] Visou especialmente nos seus comentários galhofeiros as audácias estilísticas de Eugénio de Castro e de Oliveira Soares.
[2] - Textos de intervenção social e cultural / a ficção dos heterónimos, ed. de António Quadros, E. América, p. 18
[3] - Op. cit., p. 23.

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