FUA - Frente de Unidade Angolana

FUA - FRENTE DE UNIDADE ANGOLANA: OPORTUNIDADE PERDIDA POR PORTUGAL


DR. ÂNGELO VIDIGAL DIAS: MÁRTIR FUA - PRESO PELA PIDE E MORTO NO CATIVEIRO EM LUANDA....

Angolano, branco ou euroafricano claro (denominado "cabrito" pelos Portugueses preconceituosos), natural do Lubango, Ângelo Vidigal Dias fora um dos que fundaram connosco, em Lisboa, na década de 40, a Casa dos Estudantes de Angola. Era um corajoso emancipalista, muito provavelmente ligado ao Sócrates Dáskalos (e ao irmão dele, nosso colega na Escola Superior de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa e que também foi da CEA), e... à FUA. Detido em Luanda, ao que parece em 1956, ano em que, a 10 de Dezembro, um pequeno grupo de intelectuais e burgueses brancos e mulatos de Luanda fundou na clandestinidade o MPLA, abandonando a denominação de Partido Comunista Angolano (desaconselhada por Moscou), o Ângelo foi... "internado" no antigo "hotel" da calçada Santo António, que desemboca na praça onde se situavam o Palácio do Governo-Geral, o Tribunal da Relação e o Paço Arquiepiscopal, ali aparecendo morto em seu quarto... prisão. Isso teria acontecido nos "idos" de 56 e quem melhor do que ninguém poderá dizer (se ainda for vivo, pois nos consta que, após a eleição de Nelson Mandela, deixou de ser "sul-africano" naturalizado e retornou a Lisboa) o que de fato aconteceu ao Ângelo Vidigal Dias é, ou seria (caso já não pertença ao número dos vivos, pois é ou era mais idoso do que nós) o ex-inspector ( e ex-proletário...) Jaime de Oliveira, vulgo Lobo Mau...que ultimamente estaria residindo em Lisboa. A "causa mortis" do Ângelo nunca foi esclarecida, a comissão de censura do GG da qual faria parte... como censor, mais tarde, o Ramiro Ladeiro Monteiro, para ganhar mais uns "cobres", cortou todos os noticiários a esse respeito.

UMA REPORTAGEM DA "PRÉSENCE AFRICAINE"... INFORMOU MAIS E MELHOR DO QUE A... PIDE!

No primeiro trimestre de 1963 a revista "Présence Africaine", editada em Paris, na sua edição 45, a páginas de 127 a 135, descreveu, muito detalhadamente, o que realmente era a FUA, sua organização e objetivos, confirmando, assim, a informação de um ex-agente da CIA (Philip Agee in "Dentro da"Companhia" - DIÁRIO DA CIA, 1975, Circulo do Livro, São Paulo, Brasil, tradução de Sylvia Jambeiro, 652 páginas) segundo a qual mais de 88% das notícias com interesse operacional para fins de elaboração de informações "intelligence" significativas e verossímeis provém de notícias, reportagens ou entrevistas em jornais de diferentes origens, as quais constituem o manancial mais útil da "companhia" e não propriamente as obtidas de agentes especiais ou informantes. Constatamos isso várias vezes em nossa actividade como quadro de serviços de "inteligência" (que nada tinham a ver com a polícia política). Quadros do MPLA, da UNITA, da FNLA e da FUA, quase sempre egocentristas e narcisistas, não resistiam à tentação de se exibirem como tais nos países aonde tinham de se deslocar para cumprirem determinadas missões ou procurarem contactos, quando um indiscreto jornalista os abordava...ou quando sentiam necessidade de fazer propaganda na mídia.
Tecendo o historial da FUA, a "Présence Africaine" remontava ao ano de 1940 referindo que nessa altura fizera sua aparição em Angola um vasto surto de idéias emancipalistas, cuja recordação perdurou por muito tempo; idéias, essas, que suscitaram um profundo anseio de libertação que se apossou de uma ampla facção da juventude angolana; em particular, dos mestiços e dos "brancos", como transparecia, como já dissemos, dos sentimentos latentes e algumas vezes exteriorizados em Lisboa por alguns sócios da recém-nascida Casa dos Estudantes de Angola (de que nos ocuparemos noutro trabalho porque - e disso nos orgulhamos - fomos um dos seus fundadores e cavouqueiros, acompanhando as iniciativas dos angolanos brancos e mestiços Alberto Marques Mano Lemos de Mesquita, Fernando Santos e Castro, Acrísio Sampaio Nunes, Filipe Pitta Gros Cascais, Seabra de Azevedo, Artur Lemos Pereira, Ângelo Vidigal Dias, Emílio Leite Velho, João de Sousa Machado, Hugo Azancout de Meneses, Abílio Augusto Ferreira de Lemos e outros). Segundo essa revista, nasceu então uma corrente nacionalista, de certo modo inspirada nas idéias defendidas pelo general Charles de Gaulle, líder supremo da França Livre e mentor da Resistência Francesa, de que resultaria a Conferência de Brazzaville e, subseqüentemente, a Associação de Estados Coloniais que assumiria a denominação de Union Française. Esse ideário contribuiu para revitalizar, no Sul de Angola, o movimento que adoptaria a denominação de Frente para a (ou de) Unidade Angolana...
SONHANDO-SE COM A EMANCIPAÇÃO E UNIDADE, ATÉ HOJE...

Do anseio inicial de autonomia, rapidamente se evoluiu para uma forte vontade de emancipação que, pouco a pouco, foi alastrando a todas as camadas da população do território. Por ali e por acolá foram aparecendo, na clandestinidade, vários grupos, formatando-se, assim, só na aparência, uma corrente unívoca que gerou organizações emancipalistas incipientes. Em alguns casos, elas se estruturariam como movimentos mais maduros vinte anos depois... Sòmente lhes faltava coordenação, interligação, entrosamento, o que tardiamente se evidenciou como necessidade, malgrado as diligências feitas por alguns deles, nesse sentido.
Dizia-se que os colonialistas "tugas" (portugueses) insidiosamente dividiam para reinar (mas não só eles...). Contudo, na antecâmara do século XXI continuam esses (mas..socialistas burgueses e democratas de centro direita que se travestiram de centro...esquerda)e os comunistas românticos da linha estalinista utilizando o mesmo maquiavelismo que alimenta as rivalidades internas em Angola, em Moçambique e na Guiné Bissau: o que, muito antes de Maquiavel ter escrito "O Príncipe" já os romanos empregaram para subjugar os indómitos guerreiros lusitanos, logrando dessarte eliminar fìsicamente seus líderes invictos Viriato e Sertório (este, general desertor de Roma). Nos primeiros dias de Março de 1959, a recém-instalada PIDE desencadeou em Angola uma acção de "limpeza pente fino" com reforços de S.Tomé onde estava o então inspector adjunto São José Lopes que teria, aparentemente, conduzido "ao desmantelamento total das organizações existentes no interior da província" – como se informava num relatório imediato daquela organização de policiamento e repressão. Grande falácia!.. E Lisboa também não escapou pois ali a PIDE ocupou a Casa dos Estudantes do Império, destituiu seus quadros sociais, interditou as suas atividades e promoveu a nomeação de uma comissão administrativa de que fazia parte o professor goês Vasco Benedito Gomes, hindu, licenciado em Geologia, da confiança de Silva Cunha e outros quadros da Mocidade Portuguesa.
Na cidade litorânea de Benguela, onde Sócrates Dáskalos era professor do ensino médio e vice-reitor no liceu local, durante o mês de Janeiro de 1961 os elementos ligados ao movimento de 1940, outros que tinham pertencido a pequenas facções interioranas e embriões de organizações desmanteladas em 1959, bem como alguns portugueses, comunistas, socialistas ou da oposição democrática, em que havia mesmo indivíduos que a PIDE deportara de Portugal para as colónias, congregaram esforços resolvendo-se a concretizar sua unidade na luta comum. Para isso, constituíram a Frente para a Unidade dos Angolanos, dando-lhe o criptônimo FUA que só mais tarde conquistou... "foro de cidade" vindo a público em parte inteira, mas por breve espaço de tempo, como veremos.

Nessa altura, o idoso e famoso capitão Henrique Galvão, ex-deputado salazarista e ex-inspector superior de administração colonial a quem tiranicamente (até os muito inteligentes fazem besteiras irreparáveis quando viram autócratas) Salazar cassara o mandato parlamentar, demitira da função pública e incriminara levando-o ao cárcere comum na Cadeia Penitenciária de Lisboa donde se evadiria apesar de ser já septuagenário, criando em Cuba as suas brigadas revolucionárias e realizando o sequestro do paquete SANTA MARIA na sua última viagem para o Brasil; tencionava com ele dirigir-se a Benguela a fim de ali se juntar à Oposição angolana e portuguesa, reunindo forças para proclamar a partir de Angola um governo democrático de "Portugal Livre", façanha que não se cumpriu porque aquela intentona revolucionária fracassou e seu caudilho foi capturado e internado pelas autoridades brasileiras... É transparente que a FUA fazia parte desse enredo novelístico... Como frisamos no apontamento secreto sobre a FUA elaborado em Abril de 1963, como primeiro oficial do Gabinete dos Negócios Políticos, documento esse que foi levado ao conhecimento do presidente do conselho de ministros, Dr. Oliveira Salazar, "a acção das nossas autoridades teria impedido os dirigentes da FUA, desde a sua criação, de entrarem em contacto com os movimentos que se empenhavam já numa luta clandestina eficaz, mas que, privados de meios de ligação, não podiam estender a sua ação nem alargá-la a outros sectores e a outros distritos da província." Tudo leva a crer que o ex-padre ditador não ficou impressionado com esse movimento angolano que apenas contava com algumas centenas, se tantos, de militantes, e que a PIDE dizia estar já desmantelado...

ACTIVIDADES POLÍTICAS DA FUA: "LEGAL" E CLANDESTINA...

Nesse tempo a atividade política da FUA revestia duas formas distintas: a ação que designava por legal e a ação clandestina. Como atividade legal consideravam os dirigentes da FUA o envio às autoridades portuguesas de um memorando, assinado por mais de 1.300 pessoas, em que se reclamava "a autonomia administrativa e económica imediata para Angola". Essa iniciativa acarretou-lhes a detenção imediata dos seus principais responsáveis. A atividade clandestina compreendia a formação de "quadros políticos", o activismo, o planejamento e organização de manifestações de massa, a primeira das quais teve lugar em Benguela perante as autoridades administrativas da cidade.

No mês de Maio de 1961, repete-se, vários dirigentes do movimento foram presos pela PIDE em diversas cidades angolanas. Os que eram "brancos" foram enviados, como referimos, para Portugal onde lhes foi fixada residência com proibição de se ausentarem. Ao que parece, eram mal vigiados (deliberadamente?...) pois lograram escapar e buscar asilo em França...

Os negros e mulatos foram encarcerados em prisões angolanas, donde alguns conseguiram evadir-se, empenhando-se, logo de seguida, em actividades clandestinas caracterizadas por activismo e principalmente pela difusão do programa de acção política visando já a independência de Angola e defendendo a "unidade territorial, económica e política do país, considerando que, em virtude da debilidade actual da economia angolana, toda a divisão baseada nas características regionais, na ordem étnica ou em outras causas, abrirá as portas ao assalto das potências imperialistas." Precisamente o que está acontecendo em Angola e em Moçambique, com a cumplicidade criminosa de governantes Negros de cérebro "europeizado", "sovietizado" ou "americanizado"... Na verdade...esses não passam de "neocolonialistas brancos travestidos de Negros"... São os tais..."litorâneos" de que fala o historiador angolano Carlos Pacheco.Nota-se naquela linguagem nova da FUA, a influência do MPLA... Defendia-se também, o reconhecimento jurídico do cidadão angolano "independentemente da raça, da cor ou da etnia" sublinhando, o que reforça a presunção de que a FUA se achava já fortemente inspirada pelo movimento pró-soviético acima mencionado, que "este princípio constituirá a melhor base para fundar o espírito nacional e constituirá uma nação que emerge de cinco séculos de ocupação estrangeira e que está marcada por esta ocupação de uma maneira irreversível." Mas, apesar da precedente preocupação, o programa da FUA emendava o passo, mostrando-se defensor da "liberdade de cada etnia para desenvolver a sua cultura e a sua língua própria, para assegurar o respeito pela defesa das riquezas de cada património cultural" conforme constava na reportagem da "Présence Africaine".

Desse programa ressalta ainda o seguinte:

1) eliminar, o mais possível, o analfabetismo (99% da população africana e mais de 30% da população branca são analfabetos);

2) proporcionar a instrução e a assistência médica, até à completa gratuitidade, a todo o povo angolano;

3) elevar o cidadão angolano "do estado actual de escravo ao nível de homem livre, consciente da sua dignidade e do seu valor social, compatível com os valores da nossa época.";

4) edificar a nação angolana "com o fim de contribuir para a paz e o desenvolvimento harmonioso do mundo."

5) "criar uma indústria pesada baseada na exploração das riquezas minerais e energéticas existentes no território";

6) "apoiar a pequena e a média indústria, a agricultura e o comércio privado";

7) "recorrer, sempre que o interesse nacional o exija, ao apoio financeiro e técnico do estrangeiro";

8) "abolir todas as "concessões de favor" feitas pelo colonialismo português com prejuízo do interesse nacional";

9) "criar um organismo de Estado para controlar todo o comércio externo".

10) "criar um Banco do Estado dotado de departamentos responsáveis pela emissão de moeda, movimento comercial, créditos agrícola e industrial, funcionando esta instituição como organismo controlador das actividades financeiras do País";

11) "elaborar uma política financeira de consolidação da moeda para o encorajamento da produção como base essencial para o equilíbrio das balanças comercial e de pagamentos";

12) "pôr em execução uma política aduaneira que defenda e auxilie o desenvolvimento economico".

13) "instaurar uma reforma agrária que liquide o sistema colonialista da monocultura e estimule a policultura, a mecanização agrícola e o sistema cooperativo; neste sistema nenhum indivíduo nem qualquer colectividade terão o direito de possuir terras sem que as valorizem imediatamente";

14) "nacionalização das propriedades rurais da antiga potência colonialista e redistribuição das terras aos camponeses que estão desprovidos delas ou não as têm em quantidade suficiente".

FRENTE NACIONAL DE LIBERTAÇÃO... INDESEJADA - "RESPEITO MÚTUO"... REUNIÃO CONJUNTA...

No plano interno, a FUA propunha-se lutar ao lado dos outros movimentos nacionalistas angolanos (MPLA e UPA, embora existissem alguns outros como a FLEC (de Cabinda, já nessa altura), o NGWIZAKO, o NTOBAKO, o MDIA, de ínfima expressão) "contra o colonialismo fascista ou qualquer outro colonialismo, levando assim a sua contribuição para a edificação de um Estado independente e democrático".Partidária da criação de uma "FRENTE NACIONAL DE LIBERTAÇÃO" federando todos os movimentos nacionalistas com observância do que classificava de "maior respeito mútuo", tendo unicamente em vista a libertação, a FUA enviou aos principais responsáveis da UPA e do MPLA, e bem assim aos demais movimentos minoritários, uma circular em que se propunha a realização de uma reunião conjunta, no mais curto prazo de tempo e num local a fixar, de todas as organizações políticas e sindicais angolanas, reunião essa que teria por escopo estudar todos os aspectos da criação da pretendida "FRENTE NACIONAL".

Salientavam os proponentes que se tinha em vista com essa iniciativa "responder aos anseios de todo o povo angolano e constituir, de facto, o meio mais eficaz e menos dispendioso de combater o inimigo."

Da 'Présence Africaine" destacou-se a seguinte passagem:

" A formação de uma verdadeira frente de libertação nacional, com a participação de todos os movimentos interessados, será para os dirigentes da FUA a demonstração mais frisante da maturidade e da honestidade política de todos os líderes angolanos. Conduzirá ao respeito do mundo inteiro, constituindo a mais importante garantia para a construção futura da nação angolana e a consolidação da sua independência nacional".

Nessa circular, por outro lado, a FUA enfatizava que "a criação da Frente dará confiança ao povo angolano em si mesmo e nos seus chefes".Uma lição ética, esta, que ainda não encontrou eco na desditosa terra dita angolana" (pelos Portugueses e seus clones culturais, os litorâneos angolenses). Ao invés disso, prosseguem as lutas intestinas e as intrigas políticas no foro internacional, abrindo portas a um saque continuo realizado pelos políticos e a uma disputa feroz pela manutenção ou conquista do Poder, garante da prosperidade e do enriquecimento ilícito dos suportes dos seus órgãos executivos.

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