Li algures que o escritor Rui Nunes encetou um combate contra o despotismo da palavra. Não sei se será bem assim, mas não me admira muito que isso se tenha tornado na sua derradeira tarefa neste mundo. Lembro-me dele, há uns anos atrás, numa sala de professores, em Sintra, um pouco distante de todos, embrenhado numa leitura profunda, como seria de esperar de um filósofo. Procurava no código genético uma explicação para a degradação da raça humana. Nesse tempo, talvez ele se preocupasse mais com o seu próprio envelhecimento do que com a baixeza humana. Lembro-me que substituira, de vez, a carne pelo peixe. De preferência da lote de Sesimbra.
As palavras que com ele troquei foram sempre afáveis, embora tímidas, respeitadoras daquela ilha de silêncio que a sua presença parecia impor.
Cada vez admiro mais essas ilhas de silêncio que procuram ignorar os circos verborreicos, onde a vaidade, a bazófia e as acusações grosseiras alastram descaradamente: jovens que procuram tirar desforço dos mais velhos, acusando-os de torpes vilanias; mais velhos, intrépidos defensores da lei, que deixaram de saber ouvir e que acreditam que, por falarem mais alto, conseguem silenciar os mais novos.
Nos últimos dias, a palavra tornou-se grito... não de denúncia ponderada, mas do poder mais vil de que o homem é capaz, independentemente da idade ou do lugar...
Cada palavra, uma acusação... uma espada de destruição!
Dá vontade de perder a voz e ficar a ler um livro, desses que trazem uma explicação para a nossa ignomínia...