17.5.16

A triste Penélope e o pobre Orpheu

Uma poupa na Portela
Não posso afirmar que chegaram as poupas, porque, de facto, até agora só consegui avistar uma.
Não sei se ela terá vindo adiante para verificar se o terreno e o clima lhes serão favoráveis no verão e no outono de 2016...
A verdade é que esta poupa, este ano, procurou um terreno mais próximo da igreja, apesar de muito mais poluído, ao contrário do que acontecera com as poupas do ano anterior que se tinham refugiado num jardim afastado do bulício...
Vou ficar à espera para ver se compreendo alguma coisa do que se passa no universo das poupas, pois no meu nada acontece de significativo. Ou será que estou cada vez mais desfasado da realidade?
É que agora vivemos a vertigem de desfazer o que de mal foi feito. Mas tal será possível? Os governos portugueses lembram-me a triste Penélope...
Creio que a continuarmos assim, acabaremos como o pobre Orfheu...

16.5.16

Bem ao nosso gosto

«Hoje, com o alastramento planetário do kitsch como género universal do gosto, era inevitável que a grosseria se acentuasse no nosso país arcaico, tão próximo do pós-modernismo.»  José Gil, Portugal, Hoje. O Medo de Existir, 2004, pág. 196.

Segundo os entendidos, ao colocar a vulgaridade na ordem do dia,o Kitsch caracteriza-se por agradar a uns e desagradar a outros.
Em Portugal, os artistas são, por ora, ícones ambivalentes, cujas obras são enterradas com eles e, em muitos casos, são mesmo cremadas.
Entretanto, já me esquecia que hoje é o dia internacional de histórias de vida. E como tal, não posso deixar de interrogar o conceito. Histórias de vida! Porquê? Não nos basta uma história?Provavelmente não. Porque mais importante do que a vida vivida é, afinal, a narrativa da vida... e, aqui, chegados, com maior ou menor grosseria, cada um inventa as histórias de vida mais convenientes...

15.5.16

Andam a encornar as línguas

«O Bloco (...) encorna o PS à esquerda (encorna é uma tradução possível de to corner, encostar a um canto)...» João Taborda da Gama, DN de 15 de maio de 2016.

Ontem, o festival da Eurovisão quase que eliminava as línguas nacionais. Não fosse a Áustria ter decorado um refrão em francês e uma ou outra mistura linguística, pensar-se-ia que as nações europeias teriam sido extintas... Bem, os italianos ainda vão fazendo jus à tradição!

Hoje, JTdaGama sai-se com esta de que o Bloco de Esquerda anda a encornar o PS. Eu ainda pensei que o verbo estaria a ser utilizado no seu sentido genuíno, mas não, tinha que meter futebol e ainda por cima inglês...

Com ou sem escola pública, há que respeitar as línguas nacionais, a começar pela comunicação social. Bem sei que o JTdaGama gosta de trocadilhos, porém... 

Já basta a quantidade de linguistas e de gramáticos que nos querem convencer que a origem do Português é anglo-saxónica e não latina!    

14.5.16

Das coisas e dos animais sensíveis

Das coisas sem respiração não sei o que dizer, porque já não as sei contar.
Houve tempo em que reparava numa pedra e dizia 'ali está uma coisa inerte'. Depois, comecei a pensar que talvez a pedra tivesse uma vida secreta...
Só que a teoria do conhecimento acabou-me com a indecisão no dia em que me convenceu que esta vida se resume à relação do sujeito com o objeto. Nesse momento, descobri-me como Sujeito, senhor de múltiplas coisas - tanto dava que elas respirassem ou não...
Lembro-me até de um certo Bexiguinha convencido de que podia dispor da vida de todas as coisas, embora não soubesse distinguir as coisas vegetais das coisas animais, umas racionais outras inapelavelmente irracionais, porque alguém se esquecera de as ensinar a falar.
Este Bexiguinha acabou por se transformar numa coisa, porque, no sentido recentemente aprovado pelo Parlamento português, terá deixado de ser um animal sensível... É uma decisão acertada que, na minha opinião, deveria começar por ser aplicada na AR - há por lá tantas coisas inertes!
De qualquer modo, vou passar a ter mais cuidado. 
Doravante, vou dar mais atenção ao tronco da árvore, à relva e à ave acabada de chegar. Até o cimento me parece que tem uma vida secreta - uma alma! 

13.5.16

Três bispos

O corredor espelha
o bispo vermelho
das baionetas francesas

(querubins
penam sem fim)

um dia o falcão partiria para beja
outro dia outro campos partira
e morrera gaseado
na banheira da nazaré...

no encerado derrama-se ainda a púrpura
da cerejeira estéril...

e deixaram-me assim...

12.5.16

Encontro com o escritor Mário de Carvalho


Hoje, 12 de maio de 2016, pelas 10 horas, a convite da professora bibliotecária, Maria Teresa Saborida, três turmas receberam o escritor Mário de Carvalho. 
Feita a apresentação do convidado, a turma de Latim, da professora Rosa Costa, expôs, através de um «power point», o resultado da pesquisa efetuada na obra "Quatrocentos Mil Sestércios" (1991) sobre as referências de origem latina, em termos lexicais (toponímia e onomástica) e culturais (rituais domésticos e espaços familiares e sociais).
Deste estudo fica a ideia de que escrever é uma atividade que exige trabalho porfiado, pois, como Mário de Carvalho confirmou, «o escritor tem obrigações para com o seu leitor». Afinal, só compreendemos o presente se lhe conhecermos as raízes!
Questionado pela moderadora sobre a 'qualidade' do tempo que viveu no Liceu Camões, quando, aqui, frequentou o último ciclo do ensino liceal, Mário de Carvalho revelou que esse período correspondeu a uma experiência complexa, pois se encetou relações de amizade com colegas que se distinguiram ( e distinguem) em importantes áreas da vida portuguesa, também descobriu, de forma dolorosa, como é que se asfixiava o anseio democrático...
Quanto à preparação da sua escrita, Mário de Carvalho frisou a importância que dá à observação do quotidiano e a tudo o que vai acontecendo no mundo em que vivemos. Contrariando o senso comum, para o autor, escrever é um trabalho árduo que não admite anacronismos e que deve acrescentar e não repetir - revelando, a propósito, que continua fiel ao labor e ao rigor de Flaubert.
Num apontamento centrado na obra "Quem disser o contrário é porque tem razão" (2014), foi visível a importância que Mário de Carvalho atribui a este "Guia prático de escrita de ficção", numa época em que a escrita parece resumir-se a uma «falange hegemónica de prescrições, conceitos e juízos primários (...) a chavões e estereótipos» arrancados ao 'senso comum' (e não ao 'bom senso') e à 'sabedoria das nações'...
Por fim, sintetizando o modo como o escritor se dirigiu a quem aprecia o oficio da escrita, esta breve nota, do muito que ficou por dizer, termina com um conselho:
«O ponto é que se identifique e conheça o que se está a rejeitar, ou que isso tenha, que mais não seja, razoáveis possibilidades de existir, pelo menos nos seus contornos. Porque, às vezes, o arroubo de protesto também grita as palavras da fantasia ou da irrelevância.» op. cit., pág. 33, Porto editora.

Da fantasia e da irrelevância...

11.5.16

Nenhum Rodrigues aceitaria o papel de títere

Tem sido difícil escapar à chuva nestes últimos meses e, pelo andar da carruagem, também não vai ser fácil evitar as notícias sobre o 'ministro da educação". 
Cansado do Crato, prometera a mim próprio não me ocupar do Tiago Rodrigues, porque não sei quem é: falta-me o tempo para lhe investigar o pensamento sobre a arquitetura do sistema educativo e os valores que o devem orientar... 
Cada vez que rebenta um caso, sinto-me desorientado, pois não descortino uma estratégia; apenas, um número avulso... 
Dizem-me que o ministro não passa de uma máscara. Não acredito. Nenhum Rodrigues aceitaria o papel de títere. Consta que o velho bonequeiro é quem manda na "educação" em Portugal. Prefiro não acreditar.

Talvez por me ver em silêncio e um pouco amargurado, um colega aposentado, mas apostado na reposição da memória do passado, ofereceu-me um texto de António Carlos Cortez, «Aos alunos portugueses e ao  actual ministro da Educação», Público, 11 de maio de 2016, pág. 44.
O artigo, não sei bem como classificar  o referido texto, ocupa uma página inteira. (Parece estar na moda oferecer páginas inteiras a certos colaboradores!) E também não sei o que é que o ministro da Educação poderá aproveitar de tal contributo: a ideologia do divertimento;  a política da língua; a memória histórico-literária; o acordo ortográfico; o regresso da Literatura; a dignificação da classe docente; a avaliação; a formação; o fastio discente; a náusea docente ...