«Em 1959, data do início da correspondência, já Miguéis era tido como um autor consagrado, recebendo nesse ano o prestigioso prémio Camilo Castelo Branco pela publicação de Léah e Outras Histórias, para não falarmos no prémio da Casa da Imprensa atribuído a Páscoa Feliz, cuja 1ª edição remonta a 1932, ou Onde a Noite se Acaba (contos, 1946)...»José Albino Pereira (organização e notas), José Rodrigues Miguéis - correspondência 1959 - 1971 - José Saramago, Caminho, 2010
Entre 1959-1971, Saramago desempenhou funções de «diretor literário» na Editorial Estúdios Cor, Lda que publicou a maioria das obras de Miguéis em Portugal.
Saramago "obrigado" a ler as obras do seu exigente amigo Miguéis, desse longo convívio terá certamente recebido alguma influência.Veja-se,a propósito, A VIAGEM DO ELEFANTE (2008), em que o autor se interroga sobre «umas pequenas esculturas de madeira posta em fila» alusivas à viagem do elefante que em 1551 foi levado de Lisboa para Viena, e agradece a Gilda Lopes Encarnação, leitora de Português na Universidade de Salzburgo, o convite que lhe fizera...
O que Saramago não refere é que o seu amigo Miguéis já nos tinha presenteado, no conto ENIGMA , que integra a obra ONDE A NOITE SE ACABA, com um elefante e respetivo cornaca.
«Aquela noite não foi porém tranquila. Ch. Brown sonhou, coisa inquietante, embora nem tudo fosse propriamente sinistro nos seus sonhos. Sentiu-se a dada altura deliciosamente balouçado, quase com suspeita volúpia, no fofo palanquim dum elefante em marcha. (...) De repente, a um grito do cornaca - mongol de olhinhos pequenos, irónicos e vivos, no qual reconhecia disfarçado, o antiquário Fishbein - o elefante estacava, punha o joelho em terra, e o professor pulava com ligeireza no chão macio, encantado com o passeio.»
Elefantes e cornacas fervilham nas Mil e Uma Noites, por isso o melhor é seguir-lhes o rasto...
De facto, o mais fácil é omitir e, em Portugal, esquece-se com facilidade a obra de José Rodrigues Miguéis! Na última semana, e sem pensar no assunto, dei conta de pelo menos três omissões... Em matéria de educação literária, não colhe esquecer Miguéis, um homem formado em pedagogia, mas que se viu impedido de a aplicar no seu país, tendo, contudo, votado a vida a escrever histórias de «exemplo e proveito»
Ultimamente, os sinais são todos anti-pedagógicos! Basta ler a proposta de Metas e de Programa da disciplina de Português para o ensino secundário, sem esquecer a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, que, por si só, destrói qualquer intuito pedagógico...
O elefante e o cornaca eram bem mais inteligentes!