6 de Agosto
Rio Alto (Póvoa de Varzim).
Praia a 100 metros, extensa e convidativa. O vento forte e o frio arruínam completamente a expectativa do veraneante. O Camping da Orbitur, bem organizado, nada pode contra as leis da natureza, apesar da piscina.
7 de Agosto
O dia acorda menos ventoso. Cedo, os campistas ocorrem à praia. O vento intensifica-se ao longo do dia, tornando-se dominante. Fico 35 minutos no areal à espera que o sol cumpra o seu papel. Nem o sol consegue vencer este inóspito vento.
Em alternativa, regresso a As Pequenas Memórias de José Saramago (16.11.1922 -). Concluo a leitura.
Fica-me uma certa simpatia pelas memórias do autor. Talvez pela proximidade ribatejana: o tempo da adolescência, vivido na Azinhaga ou no Carvalhal do Pombo, não é assim tão diferente. A pobreza, o isolamento e a ignorância predominam. Na primeira república, apesar de tudo, os jovens parecem gozar de maior liberdade do que no estado novo. Saramago retrata-nos um jovem sensível, atento às leis da natureza e da sociedade. Ora, durante o estado novo, a atenção estava voltada para o cumprimento das regras, em detrimento da autenticidade. Mas não só o autoritarismo do regime atrofiava a disponibilidade, mas também o relevo irregular e, sobretudo, o clima seco e quente.
O retrato de família, em particular, dos avós aproxima-nos: aquele avô enigmático e antipático parece ser uma figura comum.
A descrição da vida na cidade de Lisboa, nos anos 20 e 30, ajuda-nos a compreender as dificuldades sentidas pelos pequeno-burgueses, semi-analfabetos, obrigados a viver em quartos, num universo de cúmplice e, por vezes, promíscuo. Apesar disso, para Saramago, esse tempo foi de aprendizagem e, mesmo, de algum triunfo. Um tempo em que toma consciência, em particular, durante a guerra civil espanhola, da natureza do regime salazarista. O melhor testemunho é quando procura fugir ao alistamento na mocidade portuguesa ou, pelo menos, procura evitar a distribuição da farda verde e castanha no Liceu Camões.
Sente-se em As Pequenas Memórias, um certo ajuste de contas. Como se o autor quisesse dizer que o sucesso pouco tem a ver com a origem social e cultural. De certo modo, Saramago esforçou-se por aplicar a máxima do avô: «Trabalho que se começa, acaba-se, a chuva molha, mas ossos não parte.»
8 de Agosto
Deslocação para Fão, Esposende. Camping lotado, residencial. Enfim, lá se arranjou um simulacro de alvéolo. A praia a 800 metros. Extensa, com menos vento e menos frio. Ao sol durante 1 bloco de 90 minutos. Apesar de tudo, sinto-me melhor numa sala de aula. Sacrilégio, eu sei. Mas, está-me nos ossos! Estes ossos que se querem separar de mim. Talvez, para os ter um pouco mais comigo, suporte este ritual de exposição ao sol. No entanto, sinto que tanto o calor como o frio me debilitam e me deixam mal-humorado.
Para enganar estes rituais de Verão, dedico-me a ler Vigiar e Punir, de Michel Foucault, em traumatizante tradução brasileira. Personagem principal: o corpo supliciado, espectáculo oferecido pelo soberano ao povo, mas que a partir de 1840 cedeu o lugar à alma.
9 de Agosto
Museu de Arte de Fão (inaugurado em 2004). Apresenta a colecção de Eduardo Nery, O Eterno Feminino, Emoção e Razão, A Mulher na Arte Africana. Predominam máscaras e esculturas femininas de países como o Congo, o Níger ou o Mali. Em todas elas a feminilidade se expõe de forma crua, deixando-me a perguntar se este tipo de escultura resulta de uma divinização da mater biológica e social ou de uma idealização da beleza feminina. A responsável pela exposição, por seu lado, coloca-nos uma outra questão, também ela, interessante: Existe fronteira entre objectos de arte e "artefactos"?
Passeio pedestre a Ofir e às margens do rio Cávado. Uma longa avenida, rodeada de casas apalaçadas que espreitam por entre o pinhal. Algumas em ruínas ou transformadas em discotecas decadentes. Ao fundo, a praia concessionada, lotada de barracas e fregueses. O rio, lá longe, separado por estevas (?)
2 horas ao sol na praia de Fão. Um sol agradável, sem muito vento, com água fresquinha…
À noite, observação dos astros, em Ofir. Vê-se bem o planeta Júpiter e 4 das suas 21 luas. A sessão poderia ter sido mais didáctica e o local deveria estar menos iluminado. O Ciência Viva por vezes desperdiça as oportunidades!
10 de Agosto
De Fão para Esposende, há paragens de autocarro, mas ninguém se preocupa em afixar qualquer horário. Com muita paciência, lá se chega ao destino. Esposende é uma cidade (?), onde as manchas urbanas se cruzam com zonas campesinas e ribeirinhas. Tipo três em um. Aposta-se mais na frente ribeirinha, mas as obras não têm fim. Tudo atabalhoado. A destoar, as igrejas de lustrosa talha barroca e o museu, onde tive o prazer de ver uma exposição da obra do arquitecto Ventura Terra.
11 de Agosto
Ida a pé à Apúlia. 40 minutos para cada lado. Sensação de desleixe. A Câmara de Esposende não parece primar pelo planeamento. Cada um utiliza os recursos naturais como lhe apraz. E a Câmara, apesar de tudo, deve viver desafogada. Os moinhos da Apúlia estão transformados, à excepção de 3 ou 4, em casas de veraneio.
À noite, breve incursão pelo festival de marisco e pela feira de artesanato de Fão. É extraordinário como os portugueses apreciam a manjedoura! Se o mundo estivesse a acabar, estes gastrónomos não desviariam o olhar da travessa de marisco. E este ritual repete-se um pouco por todo o país: de Olhão a Fão.
12 de Agosto
Do litoral ao interior. De Fão para a Ponte das Três Entradas, junto ao rio Alva.
Ao longo das estradas, vende-se um pouco de tudo, em feiras improvisadas. Sobretudo, entre Fão e a Póvoa do Varzim. Fico com a ideia que a ASAE ainda não percorreu estes estendais de produtos mal acondicionados e empoeirados. Por outro lado, vou percebendo por que é que se diz que o Norte está cada vez mais pobre. Não sei se está mais pobre, mas percebi que desconhecem a DGCI.
13 de Agosto
Viagem num autocarro extraordinário ao Santuário de Nossa Senhora das Preces. Bilhetes a 1 euro e 79 cêntimos.
Não esquecer Vasco de Campos.
14 de Agosto
Ida a Oliveira do Hospital. Perícia do condutor e mau planeamento das localidades, designadamente de Avô.
15 de Agosto
Chuva na Ponte das Três Entradas. Almoço no restaurante da Ponte. Falhou a organização: os vizinhos de mesa, cansados de esperar, abandonaram a refeição; o cozido à portuguesa abusou da farinheira doce (?). Carote para o serviço prestado. Na Província, há, por vezes, a preocupação em aproveitar a ocasião.
16 de Agosto
De regresso ao litoral. S. Pedro de Moel. Praia poluída. Maré cheia, sem areia, com zonas interditas. Dentro de poucos anos, a praia terá desaparecido. A construção civil sobre as arribas mantém-se e o oceano torna-se numa enorme cloaca.
17 de Agosto
Verifico que, numa localidade procurada por milhares de veraneantes, não há uma única caixa multibanco. Estão anunciadas duas! Ninguém parece reparar nisso. Os CTT abrem, apenas, às 14 horas. Um dos postos clínicos está encerrado para férias!
No parque de campismo da Orbitur é o salve-se quem puder. O restaurante só serva almoços até às 14 horas. Começo a dar razão àqueles caravanistas franceses que, em Fão, me diziam que em Espanha e Portugal é tudo igual. É impossível encontrar um lugar acolhedor e bem organizado.
Continuo a ler Vigiar e Punir, de Michel Foucault. À medida que avanço na leitura, compreendo melhor aquela estafada ideia de que os brasileiros subvertem os textos que traduzem.
18 de Agosto
Como se o destino existisse, reencontro, em S. Pedro de Moel, dois amigos que não via há 20 anos. Mas para que isso acontecesse, foi necessário que, simultaneamente, alguém nascesse e morresse. E para o feito também contribuiu o ruidoso rio Alva que incomoda o sono leve, que não o meu.
19 de Agosto
Interrupção da viagem. O Sol, ao contrário do prometido, continua a brilhar sobre a praia poluída de São Pedro… poluída pela Ribeira dos Milagres. Quem diria?