«Não sei se o desenhador, Jorge Castanho, vive fascinado pelo bestiário medieval, parece-me, no entanto, que ele foge do peso dos homens...»
Há tempos ousei rabiscar meia dúzia de ideias sobre os desenhos expostos no CAM, sugerindo que este investigador não teria como principal fonte os bestiários medievais, no sentido em que se inspiraria em textos e ilustrações imaginários.
(...)
Hoje, ao relembrar METAMORFOSE de Franz KAFKA, senti que este autor poderá ter tido alguma influência no modo como o Jorge lê a realidade... Uma realidade espumosa em que o ser humano se deixa facilmente afectar pela imagem.
Quero com isto dizer que os pavões se deslumbram de tal modo com as próprias penas que não se apercebem quão injustos podem ser quando a informação transmitida é parcial e, escandalosamente, omissa. Não querendo incorrer no mesmo erro, aqui confesso que a fotografia de Jorge Castanho e da sua criatura imaginada é do poeta António Souto.
E como não quero dizer mais do que o necessário, vou vestir a pele de HOCHIGAN:
« Descartes refere que os macacos podiam falar se quisessem, mas que resolveram guardar silêncio para que os não obrigassem a trabalhar. Os Bosquímanos da África do Sul acreditam que houve um tempo em que todos os animais podiam falar. Hochigan incomodava os animais e um dia desapareceu e levou consigo esse dom.» Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero, O Livro dos Seres Imaginários.
Para terminar este monólogo, vale a pena assinalar que O LIVRO DOS SERES IMAGINÁRIOS contém a descrição de cento e dezasseis monstros que povoaram as mitologias e as religiões... o que me leva acrescentar que, também, não devemos descurar os monstros gerados pela Literatura e, sobretudo, os que nos circundam... Portanto, a matéria para entreter o lápis do Jorge Castanho é abundante e vária.
E já agora acrescento uns esclarecedores versos de Porfírio da Silva, da sua obra Poética, MONSTROS ANTIGOS:
Os humanos são grandes caçadores.
O animal mais fácil de ferir é o amigo.
É o que se chega mais perto:
aninha-se nas sombras frescas
à espera de uma ceia de palavras
e aí fica ao alcance das pedras.
(...)