21.2.08

AVALiar

Nos dias que correm, o avaliador faz análise estatística de comportamentos e práticas, observáveis de forma binária, no pressuposto de que na linha de montagem todas as peças encaixam.

Se o caminho da avaliação é este, mais vale apostar nos robots, pois são mais fiáveis: não fazem nem mais nem menos do que lhes é solicitado; nunca faltam e raramente adoecem. E quando isso acontece, são, de imediato, substituídos e reciclados. Tudo a custo ZERO.

Um exército de controleiros, admiradores do rumo traçado pelo Grande Vaidoso, prepara-se para eliminar todos os que têm uma noção clara dos objectivos e dos caminhos que podem ser trilhados.

Ao avaliador devia exigir-se estudo, experiência pedagógica e humanidade porque, em causa, estão outros seres e não maquinismos. Sem carácter não é possível corrigir qualquer erro... e a mudança exige tempo e gradualidade...   

17.2.08

Ontem, enquanto circulava na A1

Ontem, enquanto circulava na A1, tive uma série de ideias que me pareciam sensatas e bem capazes de me anteciparem o futuro.

No entanto, hoje (futuro-de-ontem), parecia-me que já tudo esquecera: o presente era mais do que a soma dos factos, incluía possíveis narrativos infinitos, capazes de deslocalizar o paralítico mais indefeso e, sobretudo, esse presente era feito de uma ausência absoluto daquilo a que costumamos chamar realidade. Apetecia pensar que se tratava de uma fantasia bem real, de coerência total:

- Acabei de chegar. Não te posso dizer nada sobre estes meus vizinhos. Deles, sei tanto como tu. Afinal, creio que insistes em perguntar o que andas aqui a fazer!? Já, agora, diz-me o que é que estás aqui a fazer? Olhando para ti, vestido de negro, será que perdeste alguém? Não teria sido melhor teres-te concentrado no Largo do Rato, em frente da sede do PS? Se queres saber, nunca percebi por que motivo nunca foste bispo, ministro, general, qualquer-coisa-assim? De verdade, estas tuas visitas já me começam a irritar. Perdes deliberadamente tempo, o teu tempo, porque o meu já chegou ao fim! Se ainda aqui continuo, é apenas na expectativa de te ver na TV, a arrasar este povo faminto de ideias. Agora, a minha cabeça reduz-se a um movimento vertical, do tecto para a TV e da TV para o tecto, à espera de te ver cumprir, como diria aquele teu amigo, o Pessoa, outro falhado... ao lado, espreita, o António que insiste em ser o Lobo que abocanha o Antunes e para quem o povo deixou de ter redenção por causa dos malandros que há séculos nos governam...

- Bem sei que estas minhas palavras te desagradam, que esperavas que te falasse do passado daquelas tias solteironas que conheceste a ler o Retrato de Ricardina, eternas frustradas porque pai-e-mãe as proibiram de namoriscar o encanto-dos-olhos-delas... onde elas viam encanto, eles viam miséria, promisquidade, e por isso o anátema tornou-se prisão húmida e bolorenta, donde se elevava uma tosse assassina que desfez pulmões e rebentou o coração. Mas, afinal, o que é que isso te pode interessar? Pareces doente, só falas de doentes-a-caminho-da-morte... Bem sei que é difícil encontrar assunto para falar comigo e esperas que eu te possa preencher esta hora com o meu baú das memórias. Mas eu já não tenho baú, leváste-o quando tinhas 10-11 anos e, ainda agora, lembro o que te disse: Nesse baú vai o teu derradeiro enxoval...

- Ao olhar o tecto, surpreende-me a cor das ideias; ao baixar à TV, fugazes imagens soltam-se de não te ver... estas minhas ideias são tão brancas como as tuas. Do tecto à TV, é lá que espero ver-te, ouvir-te... e não aqui.

- Sabes bem que eu já deixei de ser de aqui! Livra-te desses teus amigos maçadores, sobretudo, do Pessoa e do Lobo, e não insistas em convencer os teus alunos... há muito que deixaram de te ouvir. O que eles esperam de ti é que morras, breve... está claro que se souberem destas palavras se irritarão contigo, se esforçarão por te dizer como és magnífico! Mas não acredites! Daqui, donde estou, entre o tecto e a TV, vejo aquele olhar perturbado de quem teme que lhe revelem a inveja, a ambição, a histeria febril, a volúpia e a preguiça assassina...

- Gostei que nos encontrassemos aqui, mas vou parar de dizer o que penso de ti, o quanto me traíste, ao dar-te aquele enxoval e, por favor, desperta, essa carrinha aí, ao lado, parece-me ser do Pepetela, outro dos teus projectos adiados...

12.2.08

O que é que eu faço aqui?

Entre distanciar-me e envolver-me, hesito.

Se me distancio, o corpo respira melhor, a memória recupera, a palavra flui. Basta recostar-me na cadeira, para que o horizonte se alargue, o rosto se abra à ironia. E nesse momento, os pássaros escondem a voz...

Se me envolvo, o corpo enrodilha-se, a memória soluça, a palavra torna-se ameaçadora. A cadeira diminui, as margens tornam-se tensas, o rosto fecha-se sobre o écrã... os parágrafos, desnorteados, gritam de desdém...

Por detrás da letra, antevejo um sonhador que ainda acredita que é possível mudar o homem: o paradigma escancara-se de gozo para nada. A letra quer eliminar a punição, mas a tradição acredita na força da exclusão...

Os argumentos deixaram de ser convincentes, extasiados na suspensão... ficaram, por hoje, nas prateleiras grávidas de solidão.

(Por um instante, pensei ficar, ali, sobre o armário do fundo, à espera que a letra desabrochasse..., mas uma súbita rosa negra rasgou-me o olhar e perguntou-me: - O que fazes aqui?)

10.2.08

Não falemos mais deles...

Fama di loro il mondo esser non lassa;

misericordia e giustizia li sdegna:

non ragioniam di lor, ma guarda e passa.

Dante Alighieri, Divina Comédia, Livro III

Tanto lamento, tanta dor!

São filhos de Abril.

Acreditam na imortalidade e invejam a própria sombra.

Deles nada sobrará e tanto a misericórdia como a justiça os desprezam.

Aprendamos a ignorá-los!

Olhemo-los de soslaio, e passemos adiante!

31.1.08

Entranha-se...

Entranha-se a indisciplina, apesar de bem-educada... - Oh, desculpe, não sei o que se passa comigo; não consigo estar atento, dormi pouco. De facto, perco-me em viagens sem destino: parto, mas inesperadamente capitulo. Estou e não estou. A História não me interessa - é passado e eu sou o presente sem futuro... tempo de brejeirice, embora eu não saiba bem do que se trata, talvez piadas sem espinhas ou nus lânguidos, em posições convidativas... isso, o telemóvel do meu amigo é fantástico! Que pena não ter um igual! Ah, como eu seria feliz! Por enquanto, contenta-me um olhar furtivo...

Entranha-se a irresponsabilidade, apesar de democrática... - Vamos dar-lhes a palavra derradeira, uma palavra nocturna, embora só eu saiba do que eles precisam. Por isso, dou-lhes a palavra, mas guardo as passwords só para mim... Sempre que quiserem entrar no templo, hão-de passar por mim, mas, primeiro, ficam à espera - a ansiedade torna-os mansos! - até perderem a vontade de perguntar. Malditas perguntas, lembram crianças esquecidas de crescer...

- Há 100 anos, o rei preparava-se para morrer. Ele nunca o disse, mas lá no fundo ele queria ser republicano. Estava cansado das telas do mar, do suicídio dos amigos e das noites góticas... Via-se cair às mãos dos anarquistas, amortalhado por coristas e fadistas sob o olhar guloso da rainha...

27.1.08

Hoje...

  1. Hoje, tive o prazer de participar na festa de aniversário dos 90 anos do Sr. Rogério Correia. E este, não querendo gastar o último sopro, recusou-se a apagar as velas. E fez bem: quem tem uma família tão multicultural, bem merece ficar por cá mais uns anos a tutelar a miscigenação que se apoderou da sua família. Viva a harmonia e a tolerância! E viva o Sr. Rogério!
  2. O serviço público exige rectidão de carácter, mas não obriga a subserviência. Esta é a conclusão a que, hoje, também, cheguei depois de longamente reflectir sobre o modo como uns tantos tentam destruir aqueles que dedicam toda a sua vida a um magistério.
  3. Hoje, ainda, vi-me a subir, qual eléctrico da Bica, íngremes escadarias, numa pobre e triste cidade. Não faz sentido que as ruas se escondam entre blocos obsoletos e devolutos ou ocupados pela vergonha dos desempregados ou dos miseravelmente mal pagos...
  4. Finalmente, recuperado da íngreme subida, caminho mais 50 minutos, por traçados pedestres desertos, e vou pensando em tudo o que não pude fazer e que amanhã me fará falta. Mesmo destas palavras ecoa a acusação de desperdício. Que sentido têm? Não seria preferível pensar um pouco mais naquelas grelhas publicitadas, na 6ª feira, no site do M.E. e que nos próximos tempos irão condicionar o trabalho de milhares de professores, em nome do serviço público?
  5. Fico, no entanto, com a sensação que se não tivesse respondido ao convite do Sr. Rogério Correia ou se não tivesse tomado nota dos abusos do poder de que somos vítimas, estaria a ser subserviente.

22.1.08

Amanhã, comece a dizer não...

Se eu quiser iniciar a actividade de paraquedista, sei que preciso de frequentar, durante algum tempo, uma escola de paraquedismo. Não me passa pela cabeça, comprar uma mochila, atirá-la para as costas, entrar num avião e, na primeira oportunidade, lançar-me no espaço.

No entanto, temo que, amanhã, não consiga escapar à ideia de que, um pouco por todo lado, se perfilam candidatos a gerir a "res publica" sem qualquer preparação para tal...

É por isso que há muito se fala dos paraquedistas que, em vez de se precipitarem no abismo, nos levam ao desencanto e à desistência. 

Apesar do desespero, amanhã, lá estarei, atento, à espera que a mochila se abra e dela se liberte um rotundo NÃO.