19.9.12

Dia III

Por um teatro nacional
De forma mais ordenada, saímos das igrejas e dos adros para a corte, e progressivamente, os milagres e mistérios tornaram-se moralidades e farsas. O povo cedeu o lugar ao cortesão, e o dramaturgo passou a servir o suserano, fosse ele D. Manuel I ou D. João III. Liberto do Livro Sagrado, o dramaturgo preocupa-se em divertir o público à custa da arraia-miúda..., embora haja quem insista que o objetivo era criticar, como se Marx espreitasse nos bastidores.
Para os românticos, Gil Vicente funda o teatro nacional e, ao mesmo tempo, vence o teatro estrangeiro, de cepa grega, condenando Sá de Miranda e António Ferreira ao insucesso, apesar do último ter apostado num tema bem nacional: os amores de Pedro e de Inês.
O tema bebido em Fernão Lopes, Garcia de Resende e outros acaba por alimentar um mito que Camões não ignora n´Os Lusíadas e que a posteridade valorizou de modo continuado. Mas o molde era estrangeiro: grego... e a corte, em parte, ignorante, preferia o riso. 
E por isso, chegada a Inquisição, foi declarada morte ao RISO... uma morte que se estende, pelo menos, por três séculos. E como Garrett bem refere, António José da Silva foi queimado, porque convidava o povo a rir da corte...
Entretanto, para além do Tribunal do Santo Ofício, D. Sebastião atirou-nos para os braços do tio de Espanha... Aos poucos, o teatro foi castelhano, italiano, francês. Representavam-se traduções, importavam-se companhias e atores... até que Napoleão nos despertou a vontade de ressuscitar a nação, abrindo o palco a Almeida Garrett, o mais nacionalista de todos os portugueses que algum dia apostaram na refundação da nação. E ele tudo fez para nos civilizar, apesar de estar consciente de que: «o teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há.» 

(Entretanto, o Charlie Hebdo com as suas caricaturas atravessa-se na mente e dá-me vontade de discutir o MEDO que o Riso continua suscitar em certas civilizações... e volto às igrejas, às sinagogas e às mesquitas. E a campainha muda volta a interromper-me e fico a pensar que a campainha é a expressão de uma liturgia que está muito para além de mim. )   

18.9.12

Dia II

«Em 1520, D. Manuel I criou a feitoria de Arzila.»

Mas, afinal, o que seria uma feitoria? Qual a sua importância à época? E hoje, em tempo de crise, será que ainda apostamos nas feitorias? - Silêncio total!
A necessidade de criação de feitorias, associadas a praças fortes, resultava da consciência de que o território continental era incapaz de alimentar a população. Da conquista de Ceuta (1415) ao retorno de África (1974/75) completou-se um ciclo. 
Um ciclo que pouco interessaria a D. Afonso V, pois o mediterrâneo mais não era que um arroio fácil de atravessar. No entanto, as sereias oceânicas para o abysmus convidavam... E Arzila estava tão perto! Era só colocar lá uma feitoria, pensou D. Manuel I! E assim fez, provando a sua sagacidade.
No dia dois, o discurso torna-se devaneio!

Voltando às palavras, aos dias, aos artistas e às obras, vou pensando se valerá a pena explicar que Almeida Garrett, ao querer civilizar o país, entendeu que o melhor caminho seria trazer para o palco Gil Vicente, o fundador do teatro português. E assim o fez, ao escrever e fazer representar UM AUTO DE GIL VICENTE!
E agora como é que re(construo) a ponte? Mas quem é que está interessado em pontes, com cronologia, estruturas, modelos e temas à mistura?
Se começo pela revisão, o Gil Vicente ter-se-á perdido definitivamente. Ninguém sabe que obra leu no ano anterior! O Monólogo do Vaqueiro? O Auto da Barca do Inferno? A Farsa Inês Pereira? 
Seria a história daquela jovem que só queria ser feliz, que só queria o prazer? E que, todavia, descobriu; à sua custa, que nem sempre a felicidade se consegue, fechando os ouvidos, e seguindo pelo caminho mais imediato! Uma jovem, a quem nem mistérios nem milagres bíblicos despertavam qualquer emoção, ao contrário do ermitão ou do goliardo!
Um autor medieval, cultivador da medida velha, mas capaz de pôr a vida em palco, esse Gil Vicente que tanto entusiasmou Garrett!
(E a campainha que nem toca e o professor que parece rezar uma ladainha... Finalmente, podemos sair!)  


17.9.12

Dia I

A leitura do dia: Um Velho em Arzila, de Manuel Alegre, edições expresso, 2003

  • Ponto de partida para o universo da intertextualidade. De Camões a Manuel Alegre.
  • A História de Arzila
  • Tapeçarias de Pastrana

A estrutura do conto

Leituras imediatas:
Um Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett
Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco

Outras leituras:
Causas da Decadência dos Pvos Peninsulares, de Antero de Quental
Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins
Só, de António Nobre
Finis Patriae, de Guerra Junqueiro

ESCREVER
... um conto
... uma carta de Mariana a Simão



16.9.12

A onda inorgânica


Nas redes sociais, os amigos são às centenas e, por vezes, aos milhares. A vida privada torna-se pública! Um simples slogan pode trazer à rua centenas de milhares de pessoas, gritando as mesmas palavras de ordem, expondo as mesmas emoções e, sobretudo, pode descentralizar os protestos e ao mesmo tempo sobrepô-los numa imagem de dimensões oceânicas.
Ondas de rejeição, por enquanto, inorgânicas e tranquilas, jorram a cada segundo desses amigos, infelizmente, virtuais. 
Bom seria que as redes sociais pudessem ajudar a encontrar emprego, a aumentar as competências de cada "amigo", porque a alternativa está à vista: a onda inorgânica acabará por ser aproveitada para gerar um  movimento de morte, cujos sobreviventes mais não farão que distribuir entre si o saque.
E esses voltarão a ser felizes por algum tempo... 

15.9.12

O alvo errado

Enquanto o povo, indignado, se manifesta nas principais cidades do país, mais de 35 grão-mestres das maçonarias regulares de vários países estão em Portugal.
O primeiro revela o seu objetivo, os segundos escondem-no. O primeiro luta contra a precariedade, os segundos vivem da precariedade do primeiro.
À TROIKA, o povo pouco importa! A TROIKA defende os interesses dos credores. E a TROIKA não se encontra no 57, Avenida da República, Lisboa

A esta hora, a nossa atenção centra-se no movimento dos indignados, mas quem nos governa são, entre outras sociedades mais ou menos secretas, os 35 grão-mestres das maçonarias regulares..., por muito que a maçonaria insista que se rege pelo valor da fraternidade.

Há séculos que escolhemos o alvo errado. Porquê?
E o caminho começa por aprender a viver sem necessitar de credores. E continua por julgar quem não nos revela a verdadeira origem e extensão da dívida. E termina pela assunção dos erros.

E por muito que nos custe os responsáveis são muito mais do que aqueles que vamos apontando a dedo.



11.9.12

Matizes e o azul


Entre o palácio e os pastéis de Belém mora o azul. Olho à direita, ao centro e à esquerda, e noto uma pequena nuance (matiz). Ao analisar a diferença, percebo que o azul mais apelativo ocupa o lugar principal. O azul da direita e da esquerda reconhece a centralidade, parecendo prestar vassalagem à presença estrangeira.
Se quiser ser rigoroso, ainda devo registar que o azul também se mostra na varanda superior, mas sem a mesma força que o do rés-de-chão.
E tudo sobre um fundo cor de rosa, em que talvez seja possível circular internamente entre a CGD  o Deustche Bank e a CGD.
No fundo, esta digressão não interessa a ninguém, apesar de todo este azul poder significar  que a vassalagem se expressa por insignificantes matizes. 
Quanto ao inquilino do palácio, não sei se ele aprecia o azul, e até posso supor que o azul mais carregado ali foi colocado para lhe lembrar a nulidade do seu poder.
Confesso, no entanto, que, hoje, escrevo sobre o azul para evitar falar dos dois temas que se me foram impondo ao longo do dia: a) os inadaptados, os degenerados, os hipersensíveis ( Nobre, Pessanha, Espanca, Mário Sá-Carneiro, Pessoa); as medidas da TROIKA liturgicamente apresentadas pelo sátrapa Gaspar.
/MCG

8.9.12

A agência da morte


No olho, surge o fruto. A flor já desapareceu e, em termos de futuro, nada parece acontecer. Fica apenas o efeito raramente apreciado por quem por perto passa.
Ontem, sob a anestesia do futebol, o primeiro ministro anunciou ao país que continua a dizer a verdade e que preza a transparência mesmo que o fruto das suas palavras traga o desespero e a morte. Há pelo menos uma agência que ele poderia criar: a agência da morte.
Essa agência deveria publicar semanalmente um boletim que nos dissesse quantos portugueses morreram na semana anterior e quais as causas desse esperado (inesperado) desaparecimento. Esta agência teria a virtude de gerar algum emprego e, de imediato, abrir concurso para substituir os falecidos. Asseguro que ela criaria mais emprego que a redução da taxa social única às empresas.
Entretanto, gostei de ouvir o senhor primeiro ministro afirmar que as medidas tomadas resultaram de um acordo, embora não tenha dito com quem. Um jovem turco da coligação terá dado a entender que o acordo fora alcançado entre os parceiros do governo, mas eu suspeito que não houve acordo nenhum. As medidas terão sido impostas pela TROIKA! Sem elas, a palmeira secava!
Para quem já viu um coelho ser enfeitiçado por uma cobra num terreno relvado ou árido, as palavras do senhor primeiro ministro não me surpreendem. O que me surpreende é que tanta gente inteligente lhe dê ouvidos e o absolva, sobretudo quando insistem em que todo mal foi feito até abril de 2011.