De forma mais ordenada, saímos das igrejas e dos adros para a corte, e progressivamente, os milagres e mistérios tornaram-se moralidades e farsas. O povo cedeu o lugar ao cortesão, e o dramaturgo passou a servir o suserano, fosse ele D. Manuel I ou D. João III. Liberto do Livro Sagrado, o dramaturgo preocupa-se em divertir o público à custa da arraia-miúda..., embora haja quem insista que o objetivo era criticar, como se Marx espreitasse nos bastidores.
Para os românticos, Gil Vicente funda o teatro nacional e, ao mesmo tempo, vence o teatro estrangeiro, de cepa grega, condenando Sá de Miranda e António Ferreira ao insucesso, apesar do último ter apostado num tema bem nacional: os amores de Pedro e de Inês.
O tema bebido em Fernão Lopes, Garcia de Resende e outros acaba por alimentar um mito que Camões não ignora n´Os Lusíadas e que a posteridade valorizou de modo continuado. Mas o molde era estrangeiro: grego... e a corte, em parte, ignorante, preferia o riso.
E por isso, chegada a Inquisição, foi declarada morte ao RISO... uma morte que se estende, pelo menos, por três séculos. E como Garrett bem refere, António José da Silva foi queimado, porque convidava o povo a rir da corte...
Entretanto, para além do Tribunal do Santo Ofício, D. Sebastião atirou-nos para os braços do tio de Espanha... Aos poucos, o teatro foi castelhano, italiano, francês. Representavam-se traduções, importavam-se companhias e atores... até que Napoleão nos despertou a vontade de ressuscitar a nação, abrindo o palco a Almeida Garrett, o mais nacionalista de todos os portugueses que algum dia apostaram na refundação da nação. E ele tudo fez para nos civilizar, apesar de estar consciente de que: «o teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há.»
(Entretanto, o Charlie Hebdo com as suas caricaturas atravessa-se na mente e dá-me vontade de discutir o MEDO que o Riso continua suscitar em certas civilizações... e volto às igrejas, às sinagogas e às mesquitas. E a campainha muda volta a interromper-me e fico a pensar que a campainha é a expressão de uma liturgia que está muito para além de mim. )