Estragon - On trouve toujours quelque chose , hein, Didi, pour nous donner l'impression d'exister?
Esperei todo o dia por uma porta que não chegou. Está dois meses atrasada. Habitualmente, nestas situações, relembro o título de Samuel Beckett, En attendant Godot. De acordo com o carpinteiro, é incompreensível que a porta ainda não tenha regressado, porque, na arrumação em que se encontra, ela já incomoda, e, em casa, parece fazer falta. - Não, passa de amanhã - garantiu o carpinteiro. No entanto, não estou convencido, eu que pensava tê-la visto passar em direcção ao aeroporto da Portela, facto / ilusão que não me surpreendeu, pois, às 8 da manhã, recebera a informação inopinada e espontânea de que, depois de passar pelo aeroporto, a porta seria devolvida às dobradiças que, chorosas, a aguardam pacientemente...
Entretanto, enquanto (des)esperava pela porta, assisti e, de certo modo, participei, pondo em risco o esqueleto na substituição de uma cozinha... Mas, também, aqui, tudo está atrasado e, principalmente, desajustado. As medidas nunca correspondem. E, portanto, vai ser necessário improvisar... Apesar de tudo, neste caso, o carpinteiro, ainda novo, parece ser competente... Vamos lá ver se tem os conhecimentos necessários à resolução dos problemas criados por uma incompetente agrimensora...
Começo a resvalar num terreno escorregadio, aquele em que uns tantos - muitos - substituiram com naturalidade os conhecimentos pelas competências, mudando do paradigma da incerteza para o da estupidez...
Voltando à atipia, este meu dia foi ainda atravessado por «mastros» alarmistas que me deixam à espera de Godot para que ele me explique por que motivo é tudo tão lento, tão desafinado e negligente. Apenas o maldito romeiro vai cumprindo a promessa de voltar vivo ou morto, ainda que a horas tardias, para além de que hoje o Camões não me telefonou: « Um momento, é do Camões, vou passar a chamada...»