31.5.12

O outro lado…

A 31 de Maio, a natureza segue o seu caminho, avessa à seca. Eu deixo-me ficar em frente e procuro as abelhas e as borboletas. Elas mostram-se e ignoram-me.

À margem, resigno-me a ouvir chilreados indistintos porque nunca parei o tempo suficiente para os nomear…, embora ainda veja as oliveiras de outrora, em horas de fome…

30.5.12

Esse tempo anterior a nós

«Todos os seus objetos, até o porta-moedas, têm uma história, chegam de um tempo que existiu antes de mim José Luís Peixoto, A Minha Avó, Cal, Quetzal, 2007

Partilho com o autor deste fascínio pela história dos seres e dos objetos, apesar de, infelizmente, não ser capaz de o acompanhar na recriação desse tempo anterior a nós. E ao mesmo tempo, vou testemunhando que essa atitude é cada vez menos valorizada.

O fio do tempo é indissociável da construção e da aprendizagem dos saberes que alicerçam a identidade de cada um de nós, de cada nação ou de cada projeto supranacional. Apesar desta evidência, vivemos num tempo em que «o anterior a nós» é desprezado, não só porque pode ser aviltante, mas, também, porque preferimos secar as raízes.

Somos porque estamos na rede, virtualmente! E esta evidência põe termo ao tempo pessoano da expansão por fazer, e torna-se em cerração…

27.5.12

Inaceitável!


«Um indivíduo português, de origem africana, de 36 anos, foi esfaqueado mortalmente.. »

«Segundo a mesma fonte, a vítima foi esfaqueada no pescoço, por um outro indivíduo, também português de origem africana…»

Onde é que está a notícia? O que é que a suposta «origem africana» acrescenta em termos de informação?

Um português, nascido em 1976, foi assassinado. Porquê? Por causa da origem? Esta forma de fazer jornalismo é inaceitável!

A não ser que amanhã possa ser notícia: «Um indivíduo português, de origem caucasiana foi esfaqueado mortalmente por outro indivíduo, também português de origem caucasiana

26.5.12

Os temas

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser:  dois argumentos perdidos num só com múltiplos exemplos de interação; uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, em quatro ou cinco parágrafos devidamente conectados; ignorados acentos e vírgulas e pontos deslocados; uma escola que cuida do bem-estar de alunos e professores e, onde inesperadamente, os alunos cuidam dos professores (quem diria!); uma escola no lugar da casa, onde pouco se estuda, mas inevitavelmente se cresce…

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser: nas primeiras páginas, há números de apoteóticos desvarios e notícias que não o chegam a ser…

Há ainda promessas por cumprir, desculpas de última hora, empates auspiciosos, vidas emparedadas e outras adiadas… ou simplesmente arrimadas! Tudo e nada, apesar da procissão das velas que tremeluzem ao luar…

Os temas surgem sem se fixarem e por isso deixam de o ser…

23.5.12

Proust e a redenção

«On cherche à se dépayser en lisant. (…) La grandeur de l’art véritable (…) c’était de retrouver, de ressaisir, de nous faire connaître cette réalité loin de laquelle nous vivons, de laquelle nous nous écartons de plus en plus au fur et à mesure que prend plus d’épaisseur et dímperméabilité la connaissance conventionelle que nous lui substituons, cette réalité que nous risquerions fort de mourir sans avoir connue, et qui est tout simplement notre vie.» Marcel Proust, Le Temps Retrouvé

Na Biblioteca Central da ESCamões, gostei de ouvir Pedro Tamen dissertar sobre a obra de Proust. Fê-lo com simplicidade e delicadeza, inventariando temas e falando das dificuldades que a obra coloca ao leitor (e ao tradutor).

Houve, no entanto, um detalhe que me fez regressar a um exercício anterior e interior: a arte redentora, a arte que nos redime do tempo. Confesso que, para mim, a arte ( a literatura – a leitura e a escrita) é um pouco mais proustiana: ela permite-me suspender o tempo, metamorfosear-me; dissociar-me das convenções. Como a cobra, deitar fora a pele!

E é nessa metamorfose que ao matar (devorar) cronos, reencontro a realidade de que sou feito – a vida – e morro satisfeito.

PS: Claro que ninguém tem culpa de que, ao fim de tantos anos, eu continue a rejeitar a redenção. E já agora acrescento que, para mim, desde os anos 70, o Marcel, mesmo se amortalhado no seu leito de escrita, é um mestre da vida. O Pedro Tamen que me perdoe!

22.5.12

Ambiente de Aprendizagem Dinâmico Orientado a Objeto (AADOO)

Se fixámos facilmente o acrónimo MOODLE, correspondente a Modular Object 0riented Dynamic Learning Environment, porque é que não nos habituamos ao AADOO? Será assim tão difícil de pronunciar?

Nos últimos dias, tenho frequentado esse novo «ambiente de aprendizagem», mas vão-me crescendo algumas dúvidas sobre o tipo de dinâmica e, sobretudo, sobre a natureza da estratégia de intervenção dos participantes.

Por vezes, parece criar-se uma certa empatia com o formador e até com os temas em debate, sem, no entanto, deixar de pôr em causa os objetivos, as peias e a oportunidade da formação.

Este ambiente, apesar de poder parecer caloroso, pode tornar-se claustrofóbico. E quando isso acontece, desenvolvem-se  movimentos de avanço e recuo sucessivos até que alguém pega o touro. E aí assiste-se a um relaxamento colectivo propício a novas cumplicidades e até a novas iras.

Seja como for, se fossemos consequentes poderíamos organizar de forma mais produtiva e, também, mais económica, os processos de aprendizagem, regulando-os de forma muito mais interativa.

20.5.12

Interior

Em ruínas. As colunas e os arcos impedem o desmoronamento por mais algum tempo. A luz, no entanto, insiste em quebrar a penumbra, mas, ao fazê-lo, põe a nu o bolor e a imundice.

O futuro aparece-me sob a forma de viagem. Todavia ao percorrer os mapas regresso sempre a lugares onde nunca estive. Por exemplo, Lagny-sur-Marne, a 28 quilómetros de Paris, onde nunca vivi com os meus pais. Partir é uma forma de regresso. E não sou apenas eu que penso deste modo: José Luís Peixoto escreve como se a única hipótese fosse aprisionar o tempo perdido – na aldeia, na emigração, na infância e na velhice - porque o resto do tempo é de desperdício.

O Tabu de Miguel Gomes conta uma história num desses lugares onde nunca fomos, mas vemos como se lá tivéssemos estado. As personagens, a espaços, parecem sair da boca da «Senhora do Tempo Antigo» de Bernardim Ribeiro, ou, em alternativo de um filme anglo-saxónico ou australiano. Tudo jorra de uma colónia penal e acaba numa mistificação sobre a origem da guerra colonial. Tudo muito decadente! Gostei da Laura Soveral e da Teresa Madruga, talvez porque representassem personagens do José Luís Peixoto.

E a propósito de desperdício, estou sem palavras, gastei-as a negociar critérios de avaliação com quem olha mas não vê, com quem ouve mas não escuta; apenas bajula ou enche a burra…