23.12.07

O enigma da esfinge

Hoje, percebi que o melhor é estar calado. Qualquer palavra pode despoletar uma guerra. Por mais que procure estratégias de confluência, uma simples palavra pode transportar em si um fúria ancestral de devastação a que não sei mais como responder - apenas a mudez, mas, por dentro, uma dor dilacerante...

Ah, como começo a perceber o enigma da Esfinge! Durante todos estes séculos temos atormentado a Esfinge ao dar-lhe voz.

(Um homem cansado do teatro da vida tornara-se esfinge na esperança que o deixassem só... Mas em vão...)

21.12.07

Apenas os olhos...

No Teatro Camões, em dia de temporal (19.12.2007), assisti à apresentação, pela Companhia Nacional de Bailado, do Lago dos Cisnes, ballet dramático em 4 actos, com música de Tchaikosvsky e coreografia de Mehemet Balkan. Inspirado numa antiga lenda alemã, narra a história de Odete, uma princesa transformada em cisne por um feiticeiro. Esta obra teve a sua estreia fracassada em 20 de fevereiro de 1877. Gostei particularmente dos cenários e dos figurinos assinados por António Lagarto. Foram, sobretudo, os meus olhos que estiveram naquela magnífica sala porque o cérebro, esse, não suporta o calor dos corpos e deixa-se cair facilmente na prostração das melodias repetitivas e arrastadas. A imobilidade arrastou-o para um delírio onde se cruzaram cenas do quotidiano que naquele momento bem gostaria de ter dispensado.

Hoje (21.12.2007) voltei a experimentar a mesma sensação de adormecimento perante o filme Bucareste, do romeno Corneliu Porumboiu (2006). Mas neste caso, os meus olhos apenas puderam comprovar o lado negro de um país que perdeu a memória da sua revolução ou que procura saber onde estava cada um no dia 22 de Dezembro de 1989, oito minutos depois do meio-dia, naquela cidade a Este de Bucareste.

A reconstituição feita pelos protagonistas naquele absurdo canal de televisão não passa do desejo de estar do lado certo da história, quando, de facto, as vidas mostram a pequenez daquele par de cidadãos.

Espero que ninguém se lembre de me perguntar onde estava na madrugada de 25.4.1974. Embora, eu saiba que estava a dormir. E quando acordei, fui ver a revolução  que estranhei pela forma como os militares se dispunham no terreno, esperando que o regime se rendesse. Quanto aos cidadãos, ainda não sabiam que o eram e, incautos, assumiam poses de vencedores, dificultando as manobras e pondo as vidas em risco.

De qualquer modo, o regime agonizava, nada mais tendo a oferecer. Tal como hoje, apenas a glória da corrupção, da manobra, da vaidade saloia...

14.12.07

A biblioteca

Não é certamente um espaço assombrado. No entanto, os livros estão fechados à chave. Pertencem a um tempo envergonhado ou, talvez, sejamos nós que temos vergonha desse tempo. Não se sabe bem que livros por ali estão naqueles "altas estantes" - ninguém parece querer saber. No orçamento, não há verbas para recuperação / encadernação ou para catologação. Ao certo, também não sabemos se há verbas ou não.

Ali, ninguém lê os livros da biblioteca. No melhor dos casos, alguns alunos e professores lêem os seus próprios manuais e todos sabemos, creio, que os manuais são parecidos com livros, mas apenas isso.

Profanada a biblioteca, fazemos dela espaço de reuniões, de palestras, de lazer. Os assuntos abordados podem ser  pertinentes e interessantes, mas raramente arrastam um público significativo, a não ser que o condicionemos ou o "arrebanhemos", sujeitando-nos a uma escuta perturbada por conversas paralelas, por entradas e saídas "fora de tempo".

Sempre ouvi dizer que o programa deve ser cumprido, mas nunca compreendi se ele é, de facto, lido. Literalmente, nenhum programa apresenta o jornalista e o cartunista como conteúdo, mas nada, nele, os inviabiliza como recurso - vivo, autêntico - capazes de despertar vocações, de expor a trasnsversalidade dos conteúdos, de nos obrigar a questionar o passado e, em caso de desespero, a rir de nós próprios.

E a culpa não é certamente da biblioteca!? Provavelmente, é apenas, uma questão de canal,o tal, como sentenciou o cartunista Bandeira.

O novo canal ou a antiga correia de transmissão

13.12.07

O reencontro...

Fundo sem registo, apenas memória indecifrável . No centro, o prof. Monge da Silva, entusiasmado, traça a história do andebol no Liceu Camões. Dirige-se aos pioneiros, protagonistas de um desafio impossível, apesar de, numerosas vezes, a modéstia e o triunfo os ter guindado à vitória. Pelo meio, a eterna falta de recursos e a astúcia do regime.

A saga de ontem parece a saga de hoje. Como é difícil imprimir, a cores ou a preto e branco, uma simples página de jornal? Parece que temos tudo, mas não. Se olharmos bem: estão lá os campos e também lá está o Auditório, sem esquecer os computadores, as redes, as impressores,  mas falta-lhes sempre alguma coisa...

A propaganda assegura-nos que nada disto é verdade: temos mais equipamentos, os recursos humanos são mais eficazes, a organização em curso porá fim ao tradicional miserabilismo... Entretanto, vou escutando as várias intervenções solidárias e, por vezes, um pouco àsperas: há a saudade dos que partiram e a fraternidade dos presentes; há a presença inesperada daquele antigo professor, austero e dicisplinador que interpelo, na fútil esperança de que uma centelha nos ilumine. Mas como?

É mais fácil lembrar os espaços, falar de outras presenças. Podemos atravessar o ginásio encerado, rever os aparelhos, sentir o peso insuportável dos corpos, esbarrar nos obstáculos, elogiar a disciplina e a integridade de outros tempos, tolerar a arbitrariedade e a frieza das vozes, pois, a esta distância, tudo ganha sentido - afinal, por detrás daquelas muralhas fernandinas habitavam a austeridade, a frieza e a visão jesuítica. Só que naquele tempo não o sabíamos... E, hoje, ouvi erguer-se o remorso, o medo do castigo eterno... no fundo do ginásio ecoam sons de uma ordem defunta...

Felizmente, esta experiência é só minha..., hoje, tudo  se passou na Biblioteca  e não no Ginásio! E eu próprio me senti um pioneiro porque, afinal, também eu fui iniciado no andebol, desporto que eu imaginava muito mais antigo que, de facto, era. No entanto, a mim faltam-me os companheiros...

9.12.07

Aromas

A flor do eucalipto abre-se sobre a cabeça de S.Torpes, libertando um aroma salutar. No solo, os cogumelos disfarçam a sua presença, eclodindo em pétalas de malmequer prontas a envenenar enormes baratas incautas que lentamente procuram fontes e cloacas.
 As abelhas e as moscas, sobreviventes de Dezembro, não desdenham a esponja do peixe-espada.
Indiferente à mentira, à vaidade e à ostentação instaladas no chiquíssimo Parque das Nações, eu fixo o olhar no que me cerca e tudo são sequelas líticas do passado e também do futuro: da areia, despontam rochas oceânicas que me desassossegam, incapaz de com elas dialogar, de lhes narrar o tempo da sobreposição violenta - vulcânica.
Apesar disso, compreendo que houve um tempo em que os maciços de Sintra, de Sines e de Monchique se perfilavam, alinhados e altaneiros, sobre o Oceano, mas continuo sem saber se, nesses tempos, a flor do eucalipto e a pétala do cogumelo já cumpriam o seu desígnio... e subitamente, sinto que, talvez, o tempo não existisse, porque ele não será mais do que a medida da mentira, da vaidade e da ostentação humanas.
Antes que o corpo se separe da cabeça, vou fugir de S. Torpes e evitar Saint Tropez. No entanto, antes que parta devo aqui registar o gato preto que, furtivo, se atravessou três vezes no meu caminho, neste fim de semana.
E ainda me falta responder a uma intrigante pergunta sobre o que tenho lido nos últimos tempos. É que há quem se queixe que, apesar de me conhecer há algum tempo, sabe muito pouco sobre caruma, como se esta tivesse tempo para ler.




















29.11.07

Amanhã...

 

Há greve da função pública...

Mais uma vez, estarei do lado dos conformistas ou, se epicurista, do lado dos indiferentes... Se não é verdade, parece.

No entanto, esta semana, organizei uma visita de estudo ao Palácio Nacional de Mafra, em que a maioria dos alunos participou de forma empenhada, apesar de alguns terem primado pelo desrespeito quer dos colegas quer dos guias da visita - ostentam um ar trocista de aborrecimento e, ao mesmo tempo, de superioridade; não sentem qualquer pejo em cortar a palavra ou em chegar atrasados...

Amanhã, esses alunos esperam que os professores façam greve...

Um autocarro ficou sem embraiagem. Sem ruído, encostou à berma da autoestrada e a autoridade verificou zelozamente os documentos da viatura, que 30 minutos mais tarde é substituída e tudo volta ao normal. Entretanto, compreendi que o veículo já partira da sede da empresa "com problemas"...

Amanhã, os mesmos veículos continuarão a circular...

Afónico, desde 2ª feira, insisti em cumprir todas as minhas actividades lectivas e não lectivas... o que não impediu que certos alunos se estivessem nas tintas para a dificuldade em que o professor se encontrava.

E amanhã, esses mesmos alunos perguntarão se o professor faz greve...

Um pouco por toda a parte, encontramos quem não queira colaborar, quem não queira partilhar informação, quem esconda o jogo. E é pena, porque ao lado, há quem esteja disponível para colaborar na construção de uma sociedade mais esclarecida...

Amanhã, essa disponibilidade mantém-se, apesar dos olhares reprovadores, das palavras travessas...

Amanhã, serei menos (ou serei mais?) funcionário público...

21.11.07

A manha alastra...

Se ainda ouvissemos os poderosos, compreenderíamos que eles nos enganam de forma despudorada: Asnar, Blair, Bush, Barroso foram enganados por serviços de informação que eles próprios tutelavam. A seu tempo, cada um procura branquear o passado, fazendo-nos acreditar que o destino os escolhera para uma missão civilizadora, à data, incompreensível para o comum dos mortais. Vêem-se, a si próprios, como eleitos, como redentores da humanidade.

Se descessemos um ou dois degraus do Olimpo, veríamos como os Putins, os Fidéis e os Chavez troçam de ricos e pobres, em nome de plebes amorfas, prontas a adular "cabos de guerra" que prometem esplendorosos paraísos artificiais. Apostam no veneno, no chiste e na chantagem para se eternizarem no poder. E nós achamo-los encantadores, paramos para os ouvir como se as suas palavras nos redimissem das nossas humilhações quotidianas.

Ao abandonarmos o Olimpo, mergulhamos na terra dos Sarkosy e dos Sócrates que, dia-a-dia, nos prometem um futuro radioso, se os deixarmos emagrecer o Estado, se os deixarmos programar-nos numa língua de interesses privados transnacionais, que, em nome do pragmatismo, amontoam cadáveres um pouco por toda a parte. E nós aplaudimos-lhes a altivez, a convicção e o espírito de missão encenado nos bastidores dos média...

Se descessemos ao relvado, veríamos um povo prisioneiro dos gestos manipuladores de um seleccionador, das fintas gratuitas de malabaristas da bola, dos sorrisos dúbios e manhosos dos fiteiros do costume, prontos a enganar o árbitro, com o aplauso histérico de turbas para quem a verdade desportiva, ou outra, nada interessa. Quando o jogo se aproxima do fim, a farsa alastra às bancadas, senta-se nas poltronas... e deixa-nos com a sensação de dever cumprido e, nesse momento, a manha dos Bush, dos Chavez, dos Sócrates e dos Scolaris sai vitoriosa...

Todos eles fizeram o melhor que sabem, em nome de um interesse superior, aliás, como nós que os acompanhamos...

Lembrei-me,agora, dos "compagnons de route", sem ofensa para a inocência...