18.4.08

O mato é um mau exemplo!?

Os exemplos de desonestidade grassam que nem mato. Não há uma notícia que dê conta de um gesto desprendido.

Os argumentos são pouco convincentes, desarticulados, e, no entanto, fazem o seu caminho. Nem na vida nem na morte, escapamos à trapaça.

Já um dia disse que não vale a pena dar exemplos. E sempre que os dou, fico com a sensação de que não sou entendido, porque, de facto, para que eles sejam persuasivos é necessário que mergulhemos no mesmo rio. Um rio que deixámos de ver, cujo cais deixou de ser lugar de encontro.

Sinto, também, que esta preocupação com o entendimento alheio é um luxo narcísico inconsequente.

Que fazer?

Cerremos as persianas e fiquemos a ouvir a chuva que voltou a Abril!

(E do fundo destas antigas muralhas revejo um Tejo que se espreguiça e me leva para paisagens insuspeitas... libertas de exemplos.)

Quem quer explicar por que motivo o "mato" é um mau exemplo?

E que pensar da "notícia", do "gesto", da "morte", do "rio", do "Tejo", das "muralhas" , das "persianas", da "chuva", de "Abril", num texto de quem quer fugir dos (maus e dos bons) exemplos?

 

13.4.08

Os batoteiros

Ano de 1540.

Habitantes de Taiquilleu: « ... queira Deus por sua bondade que não seja esta nação barbada daqueles que por seu proveito e interesse espião a terra como mercadores, e depois a salteão como ladrões, acolhamonos ao mato, antes que as faíscas destes tições branqueados no rosto com a alvura da cinza que trazem por cima, queimem as casas em que vivemos, e abrasem os campos das nossas lavouras, como tem por costume nas terras alheas...» Fernão Mendes Pinto, PEREGRINAÇÃO, cap. 41. 

Ano 2008.

Sorriso de orelha a orelha, olham-nos nos olhos como se acabassem de prestar um grande serviço ao Estado e aos professores... Num apertado jogo de cintura, acabaram por deixar de pé um modelo de avaliação iníquo, adiando a sua aplicação para o próximo ano lectivo. Uns, felizes, porque salvaram o modelo; outros, eufóricos, porque salvaram o 3º Período.

Nos bastidores vão, agora, distribuir as prebendas, indiferentes à necessidade de definir um projecto educativo para o país, e que seja aplicado, indepentemente do vencedor das próximas eleições. A educação não é feudo que possa ser gerido por um partido ou por uma coligação de interesses.

Tudo não passa de uma dança de cadeiras, em que grandes e pequenos aproveitam a confusão para promover os seus interesses, para torpedear regras que pensávamos sagradas: negociamos o que não é nosso; favorecemos os amigos e os correligionários; viciamos processos; omitimos; escondemos o jogo.

6.4.08

A fórmula política...

No dia 4  deste mês de Abril, deixei os meus alunos sem aula para ir ouvir dois Secretários de Estado. Em vez de ensinar a ler Saramago, sentei-me no Auditório do Instituto de Ciências Sociais e Políticas e, pacientemente, esperei que, finalmente, me fossem apresentadas soluções para o problema da avaliação do desempenho docente. Ao meu lado, inúmeros presidentes de conselhos executivos, desprezivelmente sentados nas escadas de acesso, acotelavam-se na mesma expectativa. ( Alguns saíram frustrados por não ter visto nem ouvido a Senhora Ministra)

À medida que o Professor Doutor Jorge Pedreira discorria sobre as orientações e os procedimentos máximos e mínimos, eu pensava no estado deste triste Estado: Como era possível que tal matéria ali estivesse a ser defendida politicamente (e tacitamente rejeitada pela maioria dos ouvintes)? Na minha triste ignorância, as decisões políticas, depois de aprovadas pelo Governo ou pelo Parlamento e pelo Presidente da República, deveriam ser trabalhadas e incrementadas pelos técnicos superiores do Ministério. Mas não, naquela mesa nem sequer estava presente um representante do Conselho Científico criado para a coordenação do processo!

Quando me foi dada a oportunidade de fazer uma pergunta, desisti. As que ouvira eram suficientemente mesquinhas, marginais e autistas para perceber que nem os governantes nem os governados estavam ali para servir o Estado. O interesse do Estado deve sobrepor-se aos interesses dos partidos e não pode obedecer a qualquer calendário eleitoral. Mas ali, nada disso tinha qualquer valor.

Apesar de tudo, compreendi que aqueles governantes (apóstolos, talvez!) se sentem prisioneiros de uma estratégia tão apertada que são obrigados a dar cara, do norte ao sul do país. Perante o desperdício dos fundos europeus, a U.E. impôs-lhes a avaliação quantitativa de todos os serviços do Estado e, consequentemente, de todos os funcionários públicos. A sua avaliação depende do êxito desta estratégia. Desesperados, mostraram-se disponíveis a flexibilizar o modelo a um mínimo residual caricato, desde que os Conselhos executivos respeitem e preencham correctamente os formulários ( os normativos).

Não podendo eliminar, de imediato, a Função Pública, depois de a terem colonizado, os Partidos decidiram eugenizá-la.

No terreno, a luta política cerra fileiras..., fazendo tábua rasa de qualquer hipótese de projecto educativo nacional. E nesse aspecto, há consenso entre governantes e (des)governados: em vez de um projecto 10.000 projectos! Brevemente, teremos um projecto por autarquia.

E, ainda, agora, continuo sem saber porque me convocaram para aquela sessão de trabalho com 500 pessoas, quando bem poderia ter ficado na escola a ler Saramago com os meus alunos, se bem que estes também têm dificuldade em perceber como é que os professores de Português o deixaram passar de ano com tantas dificuldades na aplicação da pontuação, embora admitam que o léxico cerrado e diversificado que utilizava o poderá ter beneficiado, pois, na dúvida, os professores terão decidido que mais valia passá-lo de ano e, sobretudo, não o ler... 

3.4.08

«Torna-se líquido o meu corpo ...»

(Numa sala de aula. Diálogo sem rede. Atitude geral: indiferença, primeiro; surpresa, depois. Média de idade: 16 anos)

- Gostas de poesia?

- Uhum!...não sei. Não. Gosto mais de prosa.

- Porquê?

- A prosa é mais literal.

- Mas voltemos à poesia... Para que é que é ela foi criada?

- Pra nos obrigar a lê-la...

- Pensas que era esse o objectivo de Safo no séc. VII antes de Cristo?

- Bem. Talvez não...

- Qual seria a função da poesia nessa época?

- Agora, já não percebo nada... afinal, a poesia era hino, era lamento, era celebração, era alimento... e quando chego aqui fico sem saber se também ela era literal... E se não for literal, então, é o quê?

- A essa pergunta não te posso responder. Vais ter que descobrir a resposta na poesia e, também, na prosa. E, entretanto, vai pensando no comentário jocoso daquele teu colega para quem a poesia é filha do álcool. Para ele, o Poeta só escreveu a Obra porque, quando o Sol abria as janelas do dia, já  tinha bebido dois enérgicos copos de aguardente...

28.3.08

Pepetela procura um novo público...

Para quem já escreveu uma dissertação sobre a obra de Pepetela e, em particular, sobre o romance YAKA (1985), a leitura de "O Terrorista de Berkeley, Califórnia" (2007) deixa uma sensação de vazio, diria mesmo de nulidade.

A começar pelo título, o "terrorista...", termo maldito para o gerrilheiro revolucionário que combatia o fascismo colonialista e o capitalismo expansionista. Agora, o "terrorista" não passa de um "cérebro de formação matemática e informática" que resolveu brincar com o decrépito sistema de informações americano, simulando, através da troca de e-mails, a preparação de atentados capazes de rachar a Califórnia ao meio.

A equipa de Steve Watson, o chefe do grupo especial de combate ao terrorismo para a região de S. Francisco, enceta uma minuciosa caça à perigosa rede terrorista, revelando ao longo da novela muitos dos estereótipos que, actualmente, aterrorizam o americano médio, protestante... e branco.

Larry, o terrorista de Berkeley, "jaz sobre o computador, como a tentar protegê-lo, doze balas nas costas" ...

Por esta novela, ligeira  na abordagem do tema, perpassa alguma da ironia que caracteriza a obra de Pepetela e, sobretudo, um fino anti-americanismo. De Angola, apenas raros vestígios lexicais: muata; mujimbo; e algumas construções sintácticas com cheiro a Brasil...

De qualquer modo, o Autor parece procurar um novo público mais afastado do debate político e mais próximo das novas tecnologias. Um público, para quem a leitura é, sobretudo, um acto lúdico...

18.3.08

Ovelha dócil sem pastor...

Ovelha dócil, sento-me, aqui, em frente desta porta, à espera do veredicto. Ainda ninguém me chamou, mas o hábito condiciona-me. Do outro lado do corredor, também há luz, o que indicia presença humana. No entanto, espero não ser chamado a atravessar o corredor. A memória fustiga-me por causa de um diagnóstico adiado.

As portas são rigorosamente iguais e simétricas, mas as possibilidades são distintas.

(pausa) Afinal, a porta deste lado do corredor traiu-me. Acaba de sair uma fisionomia que não corresponde à imagem que retive da anterior visita. Mas espero estar enganado: talvez aquele rosto corresponda ao de um paciente tranquilo, ciente de que a Quaresma está chegar ao fim.

E de facto, o meu nome obriga-me a atravessar o limiar desta porta para ouvir dizer que a Quaresma é o único tempo de que disponho: água com umas gotas de limão elimina os cálculos e quanto ao resto, tenho que carregar a cruz dos dias sombrios...

Ficou, todavia, uma esperança: daqui a um ano estou obrigado a sentar-me novamente diante daquela porta, deste lado do corredor, e aposto que ninguém se surpreenderá se às 18:45 eu lá estiver sentado, ovelha dócil sem pastor...

16.3.08

Resposta subjectiva a uma defensora da objectividade

O Governo quer a avaliação para reduzir os custos e aumentar o sucesso.

Muitos professores detestam a mudança; outros vêem na escola um espaço de luta permanente, que os compense dos seus próprios fracassos; há ainda os que, atemorizados pelos comportamentos actuais, acreditam que é possível impor um novo (ou será velho?) sistema de valores.

Pessoalmente, a avaliação não me incomoda, se ela não significar, de imediato, uma penalização. Sempre me esforcei por acreditar que o homem pode aprender e ser útil, apesar dos múltiplos sinais em contrário…

Quanto aos itens de observação /avaliação, defendo que o seu número deve ser limitado. 10, no máximo, como os mandamentos. E, também, defendo que aqueles que procuram itens objectivos e mensuráveis, sãos os mesmos que põem em causa o avaliador. Ora avaliador e avaliado, antes de serem “objectos”, são “sujeitos”. E a experiência diz-me que, em matéria de avaliação do sucesso educativo, a subjectividade se deve sobrepor à analise comparativa e estatística… o que me reconduz à crítica do paradigma sociológico que tantos estragos tem feito nos últimos 10 anos, em Portugal.

Bem sei que estas minhas palavras falham na clareza e na concisão, mas são as que te posso dizer aqui e agora. Sem ser Séneca, também posso dizer que sei para onde vou, mesmo que os ventos sejam desfavoráveis e que isso nada importe a quem nos governa, precisamente porque lhes falta a subjectividade…