25.4.09

35 anos depois...

Dois filhos de Abril: um de 30 anos, solteiro, advogado, mal remunerado, a residir em casa dos pais...; à filha de 25 anos, solteira, falta-lhe uma cadeira para terminar o 1º ciclo de Antropologia (Bolonha) e está a concluir um curso de Realização de Cinema... sem futuro - artista, depende na totalidade dos pais... Há 35 anos, sem ter onde cair mortos, os pais casaram, 20 anos de idade, alunos do 2º ano da Faculdade de Letras; procuraram e conseguiram emprego no ensino, licenciaram-se, profissionalizaram-se e um deles concluiu mesmo um mestrado em relações interculturais que objectivamente não lhe serve de nada - estudaram e trabalharam ao mesmo tempo... Nestes 35 anos, os pais trabalharam todos os dias e continuam obrigados a trabalhar mais e mais; os filhos, 35 anos depois, não têm nenhuma garantia de poder constituir e manter uma família... e vivem na dependência dos pais.
A guerra do ultramar terminou sem glória; os colonos regressaram sob a forma de retornados; os emigrantes voltaram à terra e tornaram-se patrões de novos imigrantes; a paisagem ganhou novas cores; o litoral abarrota de gentes; o interior vê crescer o mato; as novas auto-estradas abrem brechas e inclinam-se perigosamente; rios de dinheiro voam em malas de cartão para paraísos fiscais; quem não se filia num partido político deixa de ter futuro; o presidente da república chama-nos à ordem, esquecido de que os seus amigos enriqueceram à sua sombra...
35 anos depois, a pobreza, a ignorância e a insegurança crescem; a liberdade deprecia-se...

22.4.09

Anoitece novamente...

O dia vai longo!
Começou com a "Menina e Moça" a recontar, sob a forma de resumo com ligeiras, mas importantes variantes, a sua história à "Senhora do Tempo Antigo"... Uma história de fuga à agitação da corte /cidade, governada pela arbitrariedade... E sob o olhar de Bernardim Ribeiro dei comigo a explicar como a leitura em voz alta determinava o projecto de escrita no século XVI... A leitura, actividade lúdica por excelência!
Paradoxalmente, se, em tempos idos, a tristeza lida preparava o leitor para superar experiências traumáticas, o dia de hoje encarregou-se de demonstrar o contrário: a doença anunciada de um amigo devasta qualquer cenário de fuga... as nossas fragilidades encontram nova explicação e as vozes acusatórias deixam de fazer qualquer sentido...
No entanto, sobrepondo-se à tristeza, sem a conseguir anular, vozes juvenis declamam excertos dos Bernardins do futuro, por enquanto alheios ao rouxinol que, sem explicação, tomba, e arrastado pelas folhas corre para o mar sem fim...
Finalmente, de forma lateral, assisti a um jogo de cadeiras, em que as regras são o que menos importa... as cadeiras são apenas duas, mas dificilmente o jogo chegará ao fim!

21.4.09

O embaixador...

Nas reuniões do Conselho Pedagógico do princípio deste século, várias foram as vezes em que fiquei com a sensação que as intervenções do prof. David Monge da Silva tinham um fundamento muito para além da espuma deste tipo de sessões, e os interlocutores nem sem sempre entendiam o seu fino sentido de humor.
Ontem, no Auditório Camões, David Monge da Silva deu a quem lá esteve uma verdadeira lição sobre a história da ginástica, da educação física e do desporto em Portugal e no Liceu Camões. Uma lição interpretativa da iniciativa e do voluntarismo de uns tantos e dos preconceitos de muitos.
No ano do centenário do edifício da Escola Secundária de Camões, o professor David Monge da Silva bem podia ser nomeado seu embaixador.

19.4.09

Nós, Europeus

Em 17.4.1983, José Cardoso Pires, à pergunta de um jornalista "Que é que o preocupa mais neste momento?", respondeu:
« Como pessoa o que me preocupa mais é a incerteza em que se vive, eu, como muita gente: o medo de uma aventura medíocre. Penso até que este país está a correr esse risco, o País todo, não sou só eu.
Outra coisa ligada a isto que me preocupa é uma resignação contente que é muito portuguesa e a que as pessoas são sempre tentadas, todas, inclusivamente eu, uma resignação contente. O pequeno êxito, a pequena coisa, o Vossa Excelência não sabe com quem está a falar, que só o Português é que diz - o cavalheiro não sabe com quem está falar. (...) Isto tem uma carga espantosa de contentinho...»
Cardoso Pires temia que nos perdêssemos numa aventura medíocre. 26 anos depois, essa aventura conduziu-nos a uma mar de sargaços de que dificilmente nos desprenderemos... Quanto ao País, esse não tem regresso. Província da Ibéria, anexada pela União Europeia! A bóia de salvação está inscrita no slogan "Nós, Europeus!"
O problema é que a maioria das embarcações não está equipada com bóias para todos os passageiros...

Pouco a pouco...

Acabo de descobrir que necessito de recuar 10 anos no tempo. Só, deste modo, conseguirei retomar o que ficou congelado. Não sei se terei tempo, mas, entretanto, percebi que só atingirei esse objectivo se arrumar todos os meus papéis. E por isso já meti mãos ao baú... 

16.4.09

Mas parece que...

"Mas parece que das desaventuras há mudança para outras desaventuras, que do bem não a havia para outro bem." Bernardim Ribeiro
Parece que em cada dia que passa nem a mediocridade escapa à mudança para pior! Quanto mais descemos mais enfunamos.
Do nosso quarto, espreitamos o mundo pela janela, sem a abrir. Preferimos as pantalhas à luz crua da vida...
O rio, supõe-se, continua a correr lá longe, mas há muito que abandonámos as suas margens!

14.4.09

Pensar que não sou sozinho...

Torre de Menagem (séc. XII)
Igrejas da Misericórdia e de S. Tiago (séc. XVI)
Ribeiro Sanches, ilustre estrangeirado (séc. XVIII)

As fotos desaparecidas (de Penamacor) que aqui coloquei são o meu modo de dizer que não é possível construir uma identidade colectiva, prescindindo de um olhar atento sobre o património natural e edificado ao longo de séculos. A memória horizontal é efémera e caprichosa, incapaz de estabelecer nós com o passado. É construída sobre areia movediça.
O sentimento identitário exige a combinação da memória horizontal com a memória vertical. Sem essa articulação deixa de haver solidaridariedade, noção de pertença e a liberdade vira acto gratuito.
O que há de comum nestas fotos é a acção de conquista: do território, da espiritualidade, da solidariedade, do conhecimento ao serviço da humanidade, mesmo que isso signifique sacrifício, perseguição, desterro...
A estrada que vou percorrendo é sinuosa para que, pelo menos, nas curvas possa olhar para o lado e para trás e pensar que não sou sozinho...