24.9.12

Dia V

A - Ponto de partida: apontar o que há de comum entre as palavras "autobiografia" e "biografia". As respostas são de natureza especulativa. Ninguém repara em "biografia" ou "bio" +´"grafia". Isto é, a tendência é ignorar a "materialidade" das palavras, aquilo de que são feitas, as palavras, os termos, os vocábulos... Ficou, assim, aberto o caminho para a significância, parte quase invisível / inaudível do signo linguístico. Claro que a maioria, apesar de tudo, conhece o significado dos constituintes: auto+bio+grafia. 
Por arrasto, surgiram as noções de "significado", "referente", "imagem acústica", "funções da língua", em particular, a "função metalinguística"... (Surpresa: ninguém ouvira falar das referidas funções! Parece que o Roman Jakobsom  foi definitivamente enterrado...) O extraordinário é que acabámos por chegar ao "património material" e ao "património imaterial"! E na matéria foi possível revelar a madeira, sem esquecer, afinal, que também podemos preservar a alma.
B - Quanto ao José Luís Peixoto, o texto autobiográfico deixa-nos marcas de materialidade: o atraso sistemático e a forma de tratamento "minha senhora", ao referir-se à professora. Mas o que se evidência é saudade da irmã que o levava à escola, da irmã entre as mães que atentamente escutavam a professora...

C- Ponto de partida: o teatro pós-vicentino - o teatro estrangeirado (castelhano, italiano, francês) - até que Almeida Garrett decidiu educar a nova classe - a burguesia.  Educar = Civilizar. Despertar para valores nacionais. Nos séculos XVII e XVIII, na perspectiva de Garrett, só Correia Garção e António José da Silva tinham condições para salvar o teatro nacional, mas o despotismo do marquês e o povo ignaro liquidaram-nos.

(A vontade de aprender pode brotar de um desejo ou de uma necessidade, o pior é quando não há nem desejo nem necessidade.

23.9.12

Interlúdio II

No âmbito do PIL, a leitura de Cortes de Júpiter, de Gil Vicente, justifica-se como estratégia para compreender o que significa «teatro dentro do teatro» e também para observar o processo criativo de Almeida Garrett, o romântico que não prescinde das fontes literárias: Bernardim, Vicente ou Camões.
Além disso, aquela comédia «que Vicente faz representar em Agosto de 1521, pertence a uma série de objetos de modelo circunstancial e alegórico em que o teatro celebra, articula, (de)termina uma festa da corte. Desta vez, de despedidas que podem ser para nunca mais. O teatro não se faz a contar uma narrativa, mas a descrever uma sequência de homenagens.» Osório Mateus, Cortes 

Ministro fora de estação


O ministro da Administração Interna (MAI), Miguel Macedo, disse hoje em Campia, Vouzela, que Portugal "não pode continuar um país de muitas cigarras e poucas formigas", ao mesmo tempo que enaltecia o "esforço do povo" para ultrapassar a crise. (Sapo)
O senhor ministro parece ignorar que no outono as cigarras têm poucas hipóteses de vingar e que, por seu turno, o povo que ele quis elogiar é constituído pelas ditas «formigas». Mas se as formigas são tão escassas onde é que está esse povo a que ele se refere?
No que me diz respeito, em matéria de insetos, hoje não escutei nenhuma cigarra e mesmo, em termos figurados, as que vi eram estrangeiras - do norte da Europa. O que não deve ser negativo para o turismo! Quanto às formigas, já não posso queixar-me, pois vi literalmente centenas delas. Todas ocupadíssimas, no seu canto, ou melhor, na sua linha, cumprindo o desejo
do senhor  Luís Portela: “não sei porque é que as pessoas saem para a rua a fazer barulho. Acho que a solução que nós temos de procurar é uma solução construtiva, de cada um, no seu cantinho, dar o seu melhor e procurar soluções.

22.9.12

Mudança


Muda a estação. Há quem o celebre e faça disso tema só porque o outono acrescenta uma sílaba ao verão.
No meu caso, o outono não acrescenta nada e o primeiro sinal de perda é me dado pela ausência das rolas. Bem sei que elas (ou as juvenis) voltarão, mas isso não interrompe o fluir do (meu) tempo.Será egoísmo da minha parte? Certamente.
De qualquer modo, esta ideia de perda pouco tem a ver com a mudança da estação, porque neste inefável país, todos estamos colocados à beira do precipício... e pouco fazemos para estancar o desperdício quotidiano.  

21.9.12

Interlúdio I

Se a solidez da sociedade resulta da capacidade de criar relações, a afirmação do indivíduo revela-se se ele for capaz de criar cultura. A ideia é de Fernando Pessoa e acabo de a encontrar no capítulo "Os Inadaptados", redigido pelo Dr. Rui Ramos (História de Portugal, VI volume, direção de José Mattoso).
Criar cultura corresponde ao que eu sempre pensei que deveria ser a função da escola. Memorizar e replicar só poderão ser andaimes nesse processo... 
Criar cultura é acrescentar! Não é imitar!
(...) Quando uma aluna me perguntou há três dias se, no âmbito do projeto individual de leitura (PIL), podia seleccionar uma obra de Almada Negreiros, ela estava, sem o saber, a escolher, um autor para quem criar cultura ( experimentar tudo de todas as maneiras) era o que distinguia os criadores dos dantas do seu tempo.
E por isso aconselho a leitura de Almada Negreiros:
  •  Os saltimbancos. 
  • Nome de Guerra
  • K4 O Quadrado Azul
  • (...)

20.9.12

O caminho

O caminho situa-se entre dois pontos mais ou menos distantes. Por vezes, a linha que percorremos tem na mira o outro, e sobre ele proferimos facilmente juízos agridoces. Habituados à ideia de que a causa do insucesso é exterior ou até anterior nós, enveredamos por becos sem saída.
O outro é a nossa muleta, sem ele ficamos sem desculpa.
Talvez, em consequência, decidi iniciar um novo caminho... agora SEM REDE. Um caminho que vou percorrer de dentro para fora...

Dia IV

De regresso ao Canto I de OS LUSÍADAS...
  1. O lema «...é fraqueza / Desistir-se da cousa começada» liberta-se do Canto I e torna-se mote para a composição de um conto cuja situação inicial e acontecimento modificador ficam ao critério do escrevente (tarefa).
  2.  Desde a função e significado do título, à noção de retrato, secundado pelos conceitos de descrição e caracterização, passando pelo contexto e pelas circunstâncias (espaço e tempo). Há um discurso possível que tudo integre, limpando a língua de modismos artificiosos.
  3. Se eliminamos o contexto, podemos libertar alguma energia criadora, mas, simultaneamente, cortamos a raiz a outras narrativas igualmente legítimas. Repare-se como na estância 40,  a Mercúrio compete ajudar os portugueses a atingir um objetivo ambíguo: 
    «Mercúrio, pois excede em ligeireza / Ao vento leve e à seta bem talhada,/ Lhe vá mostrar a terra, onde se informe / Da Índia e onde a gente se reforme.» Ora esta ideia deve ter sido levada muito a sério pelos portugueses de antanho e também mais recentes. Basta pensar nos efeitos da peçonha na sociedade lisboeta (Sá de Miranda), sem descurar a interpretação de Pessoa (Opiário), em que descoberta a Índia, os portugueses ficaram irremediavelmente desempregados e por isso se refugiavam no ópio.
  4. Semanticamente, a leitura poderá não ser autorizada, mas poeticamente Pessoa não hesitou!
  5. Tal como o narrador de Manuel Alegre que, apesar de tardiamente, acaba por regressar a Arzila para libertar o Velho do cárcere em que ficara - um cárcere de armas e de heróis retidos no primeiro verso de Os Lusíadas...
  6. Ao quarto dia, percebo que estou naturalmente a combinar a língua com a literatura gerando uma mistura explosiva. E por isso só percorremos o retrato do Velho, a isotopia da passagem do tempo, interrompida por «jeans» desbotados... E, sobretudo, percebemos que Alegre tem esperança que possamos sair da situação inicial, pois o «narrador-personagem» ainda tem algumas qualidades: observação, curiosidade, escuta, interação... E é tudo isso que constitui o acontecimento - a resposta, a contra-senha...
  7. E a contra-senha só pode ser dada por nós, os leitores... o que explica a tarefa