9.5.08

Em tempo de imagens...

2 máquinas, uma de roupa e outra de louça, esperam pacientemente que eu as desperte; uma cafeteira vazia anseia que eu lhe devolva a glória, pois, entre os aromas do fundo da tarde, pressente o café que dilata as artérias e reabre as avenidas da vida, mesmo se caótica. Tiro os óculos e deixo de ver a nitidez do ecrã, volto a colocá-los e passam imagens de actores foxlife de que desconheço as personagens; ao lado, a gata olha voluptuosamente o aquário, a espaços concentra-se no écrã, como se as personagens lhe fossem familiares; por detrás das teclas, sopra, apressada, a 3ª página de uma acta que prometi, revista, para hoje ou, talvez, para amanhã...

E sei, também, que amanhã irei regressar ao J.H.Saraiva, no Forte de S. Julião da Barra, a exaltar o patriotismo do general Gomes Freire de Andrade, cuja personagem não consigo descortinar no palco do L.Sttau Monteiro... e do olhar de J.H.Saraiva retiro a lacuna, que o impede de evidenciar a fortuna literária do grão-mestre que deu corpo ao "fantasma" de Felizmente Há Luar! Como se a referência cegasse e pudesse esconder um documentário sobre outro general-sem-medo!

Este último pensamento não o devo dar a conhecer aos meus jovens alunos, pois, também, eu estou no palco para lhes servir doces iguarias e, não, banquetes indigestos.

E hoje foi um dia de doces iguarias: "Uma imagem que vale mais que uma imagem". Um Auditório, cheio de telemóveis que, por entre vozes e imagens, trocavam sms..., desperta intermitentemente para a força e para o excesso da mensagem icónica, surpreso e logo cansado... Na retina, talvez tenha ficado um pé do mosto duriense ou o oportunismo da benettom que, conhecedora dos baixos instintos, vai vendendo a sua mercância sob o favor da nova ética que revela e esconde o que bem lhe convem. Entretanto, quem nada quer esconder e tudo anseia revelar (A. R.L / B.T. /M.F.) apresentou,  na Biblioteca, IN-PANDORA, e, de forma sóbria, deu uma lição da arte de bem aprender e melhor ensinar a descoberta da sexualidade, da concepção, da evolução do embrião...

E um dia assim não podia terminar sem que mais uma vez o Dr. Valente Rosa falasse do modo como Vergílio Ferreira defende, na sua obra literária e ensaística, o primado da existência. Da palestra ficou-me, no entanto, alguma preocupação: o medo da tecnologia capaz de nos desviar do fundamental; a preocupação obsessiva com o olhar alheio e a necessidade de o corrigir ou, mesmo, de o destruir; a arte como atributo do superhomem - omissão (in)justificada -; deus como interlocutor desprezível; a sobranceria da 3ª via (ali mesmo, entre o Estado Novo e o PC); a colagem do neo-realismo ao PC. Apesar deste meu sobressalto, não posso deixar de me congratular com o trabalho das Professoras Madalena Contente, Isabel Martinez e Teresa Almeida que, se bem compreendi, estão dispostas em IR ATÉ AO FIM.

5.5.08

Falta pouco...

 A ideia é criar um site onde os alunos possam classificar trimestralmente os respectivos professores.

Apesar de tudo, sempre é melhor que deixar a avaliação aos pais e encarregados de educação. A relação diária com os alunos deixa obrigatoriamente uma impressão. Positiva? Negativa?

Seja qual for o juízo, o aluno fundamentá-lo-á melhor que qualquer outro interveniente no processo. A argumentação, por muito elementar que seja, revelará se o juízo é sincero ou forjado.

O convívio diário professor-aluno desencadeia um tipo de interacção que deveria ser testemunhada não apenas por um observador externo, teoricamente mais experimentado, mas também pelos jovens que, de forma, por vezes, cruel, outras, benevolente, lidam anualmente com um conjunto de professores bem diferenciado.

Não há ninguém mais apetrechado para avaliar o professor que os seus alunos. E não apenas os de agora, os de ontem e os de outrora... Por isso a ideia de criar um site onde os alunos possam classificar os seus professores não me parece descabelada... quem tem medo dessa voz que nos habita os dias e as noites?

O caminho: saber ouvir, aceitar o comentário frequentemente estereotipado, questionar a boçalidade,  registar o alheamento, atravessar-se no jardim narcísico, provocando a quebra do espelho...

( Há dias assim: tantas são as perguntas que ficam por responder que prefiro a provocação, o alheamento, o sorriso escarninho de um aluno ao secretismo daqueles olhos inquisitoriais que vasculham as salas de aula à procura das vísceras de um tempo irreversível.)

1.5.08

Um dia reversível...

Por ironia, ou talvez não, entrei hoje (dia do trabalhador)  na Igreja da Santíssima Trindade, em Fátima. Nada do que vi me emocionou: a extensão da arena, a largura e a altura das portas, o crucifixo misógeno, os peregrinos-turistas, o alheamento da minha acompanhante, tudo me trouxe à memória a vastidão ensoleirada do recinto de outros fervores mais convincentes e menos decadentes... Nunca ali estive a cumprir uma promessa, nem nunca compreendi quem as cumpria, mas tempos houve que me sentia solidário daquelas vozes e gestos de submissão. Hoje, ali, esmagado pelo aproveitamente indecoroso das esmolas dos mais nobres, compreendi que a dúvida que me persegue desde que me conheço não faz qualquer sentido. E, também, entendi que o fervor que noutrem conheci em tempos idos se pode tornar em pedra fria. 

26.4.08

Não percebo o alarido...

Toda a gente parece preocupada com a nossa falta de memória. Os jovens e os menos jovens ignoram o que foi o 25 de Abril. Assim mesmo, sem a preocupação de completar a frase: 25 de Abril... de 1974. Quando não completamos as frases, pressupomos que todos sabem do que estamos a falar e, preguiçosamente, deixamos ao interlocutor o papel de confirmar o nosso raciocínio. Nem sequer aceitamos que o outro nos interrogue. Por exemplo, o que é que terá acontecido a 25 de Abril de 1140? No entanto, todos sabemos que ninguém vem ao mundo, sabedor do que aconteceu anteriormente ou no próprio dia do nascimento.

Por outro lado, lidamos com outra dificuldade: não podemos armazenar mais do que uma certa quantidade de informação. Mesmo que nos esforçássemos por reter toda a informação, as lacunas rapidamente se tornariam visíveis ou, em alternativa, a memória curtcircuitaria, passe a ousadia.

Deste modo, aqueles que agora parecem preocupar-se com tamanha ignorância dos portugueses deveriam, antes, explicar por que motivo varreram a História (tout court), a História da Cultura, das Religiões, da Literatura, da Arte, das Instituições para um canto dos curricula.

Na minha perspectiva, isso só aconteceu ( e já não é pouco!) porque tememos o despertar dos demónios (furtos, torturas, autos-de-fé e massacres que protagonizámos ao longo dos séculos), e, também, porque detestamos a comparação, privilegiamos a vaidade e a inveja.

Jamais esquecerei, no pós-25 de Abril de 1974, a corrida aos cursos de História e os milhares de licenciados que deseperamente descobriram o desemprego. Todos queriam conhecer a verdade que o passado lhes escondera. Mas a porta da História fechou-se-lhes, como se a caixa de pandora pudesse aniquilar os Heróis de Abril (os que vinham de longe e os novíssimos que, logo, souberam apanhar o comboio e se encarregaram de reescrever a sua própria história).

Hoje, 34 anos depois da Revolução ( também no Estado Novo se falava de revolução: 5, 10 anos depois...) querem mais, uma vez culpar a escola e, mesmo, a comunicação social, deste nosso desconhecimento, quando, de facto, foram os políticos que, desejando legitimar o poder conquistado na rua ou nas urnas, decidiram pôr uma pedra sobre o assunto. Nada do que acontece na sociedade portuguesa ou outra é fortuito: tudo traz o ferrete da decisão, da manipulação ou da omissão de quem nos tem (des)governado.

E nesta data, proponho-vos uma leitura: A ARTE DE FURTAR.

19.4.08

Um dia feliz...

A Área Projecto é uma área que procura envolver os alunos na concepção, realização e avaliação de projectos, permitindo-lhes articular saberes de diversas áreas curriculares/disciplinares ou disciplinas em torno de problemas ou temas de pesquisa ou de intervenção.

Ontem, 18 de Abril, assisti, no Auditório Camões, a uma cabal demonstração do que significa construir um projecto, envolvendo plenamente os alunos na concepção e realização .

O resultado, em termos de espectáculo intercultural, chegou a ser brilhante. E apesar de, em palco, podermos observar desempenhos qualitativamente diferenciados, ficou a sensação de que este grupo de artistas colocou acima da performance individual o espírito de grupo.

Conhecendo muitos daqueles  jovens, foi com surpresa que assisti a actuações desinibidas e seguras e, por vezes, inesperadas daqueles que, frequentemente, consideramos tímidos e /ou pouco criativos, para além de pouco cumpridores dos deveres escolares. O trabalho apresentado prova precisamente o contrário, e dessa transformação há que dar os parabéns à professora Teresa Palma.

No que me diz respeito, fico a pensar  se, num futuro próximo, não será possível articular a área projecto "dança" com alguns episódios de certas obras que estes mesmos jovens relutantemente lêem nas aulas de Português.

Esperemos, entretanto, que não surjam entraves mesquinhos e autistas à continuação desta área projecto, porque dela muito beneficiam os alunos, a Escola Secundária de Camões e a respectiva comunidade educativa. 

 

18.4.08

O mato é um mau exemplo!?

Os exemplos de desonestidade grassam que nem mato. Não há uma notícia que dê conta de um gesto desprendido.

Os argumentos são pouco convincentes, desarticulados, e, no entanto, fazem o seu caminho. Nem na vida nem na morte, escapamos à trapaça.

Já um dia disse que não vale a pena dar exemplos. E sempre que os dou, fico com a sensação de que não sou entendido, porque, de facto, para que eles sejam persuasivos é necessário que mergulhemos no mesmo rio. Um rio que deixámos de ver, cujo cais deixou de ser lugar de encontro.

Sinto, também, que esta preocupação com o entendimento alheio é um luxo narcísico inconsequente.

Que fazer?

Cerremos as persianas e fiquemos a ouvir a chuva que voltou a Abril!

(E do fundo destas antigas muralhas revejo um Tejo que se espreguiça e me leva para paisagens insuspeitas... libertas de exemplos.)

Quem quer explicar por que motivo o "mato" é um mau exemplo?

E que pensar da "notícia", do "gesto", da "morte", do "rio", do "Tejo", das "muralhas" , das "persianas", da "chuva", de "Abril", num texto de quem quer fugir dos (maus e dos bons) exemplos?

 

13.4.08

Os batoteiros

Ano de 1540.

Habitantes de Taiquilleu: « ... queira Deus por sua bondade que não seja esta nação barbada daqueles que por seu proveito e interesse espião a terra como mercadores, e depois a salteão como ladrões, acolhamonos ao mato, antes que as faíscas destes tições branqueados no rosto com a alvura da cinza que trazem por cima, queimem as casas em que vivemos, e abrasem os campos das nossas lavouras, como tem por costume nas terras alheas...» Fernão Mendes Pinto, PEREGRINAÇÃO, cap. 41. 

Ano 2008.

Sorriso de orelha a orelha, olham-nos nos olhos como se acabassem de prestar um grande serviço ao Estado e aos professores... Num apertado jogo de cintura, acabaram por deixar de pé um modelo de avaliação iníquo, adiando a sua aplicação para o próximo ano lectivo. Uns, felizes, porque salvaram o modelo; outros, eufóricos, porque salvaram o 3º Período.

Nos bastidores vão, agora, distribuir as prebendas, indiferentes à necessidade de definir um projecto educativo para o país, e que seja aplicado, indepentemente do vencedor das próximas eleições. A educação não é feudo que possa ser gerido por um partido ou por uma coligação de interesses.

Tudo não passa de uma dança de cadeiras, em que grandes e pequenos aproveitam a confusão para promover os seus interesses, para torpedear regras que pensávamos sagradas: negociamos o que não é nosso; favorecemos os amigos e os correligionários; viciamos processos; omitimos; escondemos o jogo.