29.11.09

Um lugar...

Gravada, encontrei esta ideia de Italo Calvino num jardim de Portimão. Ainda me falta, todavia, encontrar a imaginação.

27.11.09

O Blemias do Jorge Castanho

No dia em que o Blemias perdeu a sombra... o caderno que estava sobre o estirador que faz assessoria à criação por computador foi então guardando as manchas que instintivamente lhe eram distribuídas pelo pincel chinês, ajudado pelo colorido de umas velhas aguarelas…

A raça dos Blemias terá vivido no deserto sem nunca ter perdido a cabeça, a não ser quando os cabeças-a-descuberto se aventuraram por entre as dunas  e, cegos pela areia, desataram a fugir perante aqueles  distantes fantasmas que, para se protegerem dos inimigos, usavam uma máscara e um escudo que os protegia do nariz aos joelhos… uma miragem que acabou por gerar um ser mitológico muito bem animado pelo Jorge Castanho…

Algo me diz que não estamos a dar a devida atenção à obra do Jorge… Quanto a mim, espero que, havendo por aí tanta gente assombrada, o artista lhes recrie os diálogos, com ou sem escutas, e nos deixe ver o produto da sua imaginação.

Finalmente, confesso que frequentemente dou comigo perplexo com a minha dupla sombra, talvez porque ainda não me aventurei por nenhum deserto, apesar de se me atravessarem no caminho aqueles versos de Sophia /Para atravessar contigo o deserto do mundo / Para enfrentarmos juntos o terror da Morte/…

26.11.09

On ne badine pas avec l’art…

Kelly Basílio testa a sua interpretação de ETERNO EFÉMERO. Na plateia, sob o olhar trocista de alguns alunos do 10º B, um (in)esperado convidado dorme a sono solto, tornando o momento do aplauso delirante. Em contraste, outro aluno lê O SONHO DO PRISIONEIRO. No geral, o público adolescente respeitou a circunstância e o Homem, embora tenha perdido a oportunidade de questionar a relação entre a vida e a ficção.

Entretanto, Urbano Tavares Rodrigues soltara o olhar sobre o azul masculino e feminino – um azul fascinado e respeitoso, transformado em atrevido e libertino personagem.

Em Urbano, a literatura solta as amarras da contenção e sob as palavras irrompe em sonhos de esteta… Infelizmente, a sua circunstância determinou-lhe o programa, o compromisso, e fê-lo refém de solidariedades respeitáveis, de cumplicidades fraternas, de ternuras irrequietas e inequívocas…

O Homem salva a alma, mas Prometeu continua agrilhoado…

25.11.09

Urbano Tavares Rodrigues, amanhã…

Pelas 17 horas, receberemos, no Auditório da Esc.Sec. de Camões, um Homem que sempre esteve disponível para nos ajudar a interpretar a acção humana.

De si próprio, Urbano disse um dia: «Sou um homem reservado, não falo muito, tenho uma certa dificuldade de comunicação. Os romances são para mim uma forma terapêutica de catarse, até certo ponto.»  Entrevista conduzida por Maria Teresa Horta a pretexto do romance Violeta e a Noite, DN, 19 de Maio de 1991.

Em 1991, Urbano reflectia sobre a aproximação da morte: «Penso que a velhice  é um pouco uma espécie de necrose da memória, dos sentimentos. Há muitas fontes que secam no homem, como por exemplo a imaginação, que vai diminuindo, embora outras coisas, paradoxalmente, aumentem, porque a experiência traz uma série de ensinamentos que faz com que o escritor seja capaz de estruturar e escrever melhor uma obra aos sessenta do que aos vinte ou aos quarenta

Em 1991, Urbano, apesar da agonia dos regimes comunistas, continua a ter esperança no futuro: « Acredito que, se pudesse cá voltar daqui a vinte ou trinta anos, já encontraria em marcha coisas que neste momento não são ainda pensáveis (…) o socialismo é necessário, só que tem de se realizar em liberdade.» 

(Nestes dias, o auditório revela-se quase sempre parco em perguntas. Creio, no entanto, que seria interessante interrogá-lo sobre estes últimos 20 anos. Sobre a natureza da sua dificuldade de comunicação. Sobre as fontes da imaginação e  a importância da experiência. E, também, sobre o tempo que viveu no Liceu Camões. Sobre o tempo de decorreu entre a Queda do Muro de Berlim e o dia de amanhã. Sobre o significado da ‘liberdade’ no mundo actual.)

A porta está aberta, mas poucos a atravessam!

24.11.09

Num hospital…

No Hospital Rainha Santa Isabel faltam os auxiliares de limpeza - são necessários 30 minutos para que apareça um auxiliar de limpeza na recepção do serviço de urgência. Qual inoportuna ‘instalação’, o vomitado expõe-se, ali, mesmo em frente do guichet de recepção!

Faltam os médicos. Os doentes esperam (im)pacientemente que algum se lembre deles. Só com muita insistência, com muito “por favor” se consegue que o doente seja visto, ao fim de oito horas. E se  o doente é idoso, está sozinho e incapacitado de se mover e  de exigir os seus direitos, acaba por ficar num corredor à espera, à espera, sem ser limpo nem alimentado.

Ontem foi assim mesmo. E amanhã, como será?

21.11.09

Sem graça…

Nada me importas, País! seja meu amo

O Carlos ou o Zé da T’resa… Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!

          António Nobre, 1989

Apetece concordar com esta patética exclamação de quem, nas margens do Mondego, se via ostracizado e encurralado por uma mentalidade mesquinha e interesseira que corroía a nação de cima a baixo.

(Só a partida para o estrangeiro, e o consequente desenraizamento, permite descobrir algumas das virtudes do estéril solo pátrio que não da humana gente.)

Hoje, trabalhei todo o dia na esperança que amanhã tudo pudesse ser diferente. No entanto, às 20h00, o bombo soou mais uma vez: a suspeita que deveria calar-se de vez, não!… alastra insidiosamente pelas paredes e deixa-me zonzo, a pensar que mais valia ter nascido em terra onde já não existissem nem amos nem vassalos.

19.11.09

Vermes e aves de rapina…

O laxismo vai fazendo o seu caminho, baixando cada vez mais os níveis de exigência. Moralmente, assiste-se a um esforço de ruptura e de reconfiguração da sociedade, colocando em causa o essencial dos costumes.

(As comportas já começam a ceder.)

Ao perdermos o sentido da responsabilidade colectiva, questionamos permanentemente a autoridade e fugimos da hierarquia como o diabo da cruz. Nivelamo-nos num horizonte igualitário, cujos custos evitamos calcular.

(Os bolsos esvaziam-se calculadamente.)

E esse nivelamento, onde a diferença deixa de ser valorizada, acabará por nos verminar definitivamente, tornando-nos pasto das aves de rapina que pairam sobre nós…

(É difícil viver na terra que ainda nos acolhe…)