20.5.12

Interior

Em ruínas. As colunas e os arcos impedem o desmoronamento por mais algum tempo. A luz, no entanto, insiste em quebrar a penumbra, mas, ao fazê-lo, põe a nu o bolor e a imundice.

O futuro aparece-me sob a forma de viagem. Todavia ao percorrer os mapas regresso sempre a lugares onde nunca estive. Por exemplo, Lagny-sur-Marne, a 28 quilómetros de Paris, onde nunca vivi com os meus pais. Partir é uma forma de regresso. E não sou apenas eu que penso deste modo: José Luís Peixoto escreve como se a única hipótese fosse aprisionar o tempo perdido – na aldeia, na emigração, na infância e na velhice - porque o resto do tempo é de desperdício.

O Tabu de Miguel Gomes conta uma história num desses lugares onde nunca fomos, mas vemos como se lá tivéssemos estado. As personagens, a espaços, parecem sair da boca da «Senhora do Tempo Antigo» de Bernardim Ribeiro, ou, em alternativo de um filme anglo-saxónico ou australiano. Tudo jorra de uma colónia penal e acaba numa mistificação sobre a origem da guerra colonial. Tudo muito decadente! Gostei da Laura Soveral e da Teresa Madruga, talvez porque representassem personagens do José Luís Peixoto.

E a propósito de desperdício, estou sem palavras, gastei-as a negociar critérios de avaliação com quem olha mas não vê, com quem ouve mas não escuta; apenas bajula ou enche a burra…

18.5.12

Se eu fosse romancista

Li algures que «o romancista vai sempre além da realidade!»

Este é o tipo de afirmação que não consigo entender! O que é que pode haver para lá da realidade? Ou aquém da realidade?

Pensava eu que a grande frustração do romancista seria a consciência da impossibilidade de captar a realidade. E como exemplo, lembro o Poeta que procurou «ser tudo de todas as maneiras» e, ao fazê-lo, estilhaçou as leis do género, porque a verdade lhe escapou irremediavelmente. Pensava ele que teria escrito um «drama» em gente ou sem gente. Na verdade, o Poeta deixou-nos um romance, um lugar (uma arca) onde cabem todas as coisas  desde que Platão inventou os diálogos socráticos.

Se eu fosse romancista viveria desesperado pois a realidade é tão múltipla que não saberia como a capturar. Mesmo Penélope desfazia, todas as manhãs,  o seu bordado não porque fugisse do casamento com um dos zelosos e sanguíneos pretendentes ( ou porque muito amasse  o estouvado Ulisses), mas porque não sabia como entrelaçar as malhas que a prendiam à ambição e cobiça desmesurada  dos que a cercavam.

Hoje é um desses dias em que não preciso de pensar no que está para além da realidade: Eu simplesmente sinto-me incapaz de a nomear.

17.5.12

A não ser a dita crise

A - "Durante os anos, os salários foram sendo melhorados e agora, sem razão alguma a não ser a dita crise, estão a tirar tudo aos trabalhadores: os subsídios de férias e de Natal e parte do ordenado", disse à Lusa Anabela Carvalheira, da Federação de Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS).
B –“Nenhuma intervenção externa age se não for percebida, interpretada e assimilada pelo próprio.(Leonor Santos, Auto-avaliação regulada:porquê, o quê e como?)
6000 professores, num momento decisivo para a conclusão da atividade escolar, seguem um rigoroso calendário de formação sem que se torne visível a relação próxima com o ato de classificar que gratuitamente terão de desempenhar nos meses de Junho e Julho, até porque outros milhares estarão, também, envolvidos na classificação de exames sem  prévia formação. Sem esquecer que os professores, enquanto funcionários públicos, perdem os subsídios de férias e de Natal e parte do vencimento!
Na situação de crise prolongada, não posso deixar de pensar que o Governo anda distraído ao gastar recursos que não tem com ações de formação desajustadas no tempo e, sobretudo, que se enganou no destinatário. Esta ação deveria ser ministrada aos sindicalistas do metro (e não só), pois não conseguem interiorizar a crise e os seus efeitos sobre o povo português.
E já agora parece que ainda há muita gente com responsabilidade neste país que não entende que existe em Portugal uma intervenção externa (estrangeira), e que nestes momentos o oportunismo não deixa de fazer o seu caminho.
PS. Eu sou um dos 6000 privilegiados, mas que, hoje até às 10h30, não poderá apanhar o metro por causa dessa coisa estranha que é a crise!

15.5.12

O rei de Argos

O Dia é da Latinidade, o Dia Internacional dos Museus!
Na praça central do Museu de S. Miguel de Odrinhas, o espaço Ágora – local de eleição do Mundo Antigo – o Grupo de Teatro Thíasos do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra representou, hoje, “As Suplicantes”, de Ésquilo. O público, maioritariamente escolar, enfrentou um inimigo para o qual não estava preparado – o Sol intenso. Tal como As Suplicantes, uma boa parte dos jovens encetou uma fuga que acabou por os distrair da representação e, também, de certo modo, desconcentrar os atores. Claro que os jovens não fugiram para Argos nem compreenderam por que motivo As suplicantes recusavam casar com os primos, filhos de Egito, irmão de Danao.
De qualquer modo, esta viagem à obra de Ésquilo permitiu-me confirmar as sábias palavras de Jorge Silva Melo (Ésquilo, Teatro Completo, editorial estampa, 1975): «Este livro não é bem um livro: é apenas uma ruína.» Palavras que poderemos aplicar à Grécia atual: « Esta Grécia não é bem a Grécia: é apenas uma ruína.» Permitiu-me também confirmar pela tradução ensaiada que «ruíram as palavras de uma língua que ninguém fala.»
No entanto, o rei de Argos surgiu-me, pelo menos na tradução de Virgílio Martinho (1975), como uma consciência apolínea: “Já disse antes que nada posso fazer sem ouvir o povo, mesmo que tenha poder para tomar uma resolução. Não quero que um dia o povo me diga, se por acaso uma tal desgraça acontecesse: «Para honrares a uns estrangeiros, levaste à cidade à perdição.»
O povo de Argos acabou por votar  o acolhimento d’As Suplicantes por unanimidade, apesar da ameaça de uma guerra que não era deles. Hoje, a Grécia decidiu voltar a ouvir o povo. E faz bem!

13.5.12

«O Crime de Aldeia Velha» pelo GTESC

Bernardo Santareno deixou-nos uma «aldeia» tão concentracionária que nela se move um Portugal inquisidor, sexista e endemoninhado. E nem uma igreja mais arejada pôde combater a histeria que, minuto a minuto, se apoderava das vozes das harpias!

A representação a que ontem assisti no Auditório Camões trouxe-me de volta as harpias da minha aldeia. E assim sendo só posso dar os parabéns ao coletivo do GTESC.

A aldeia, hoje global, mantém infelizmente as taras do passado. E neste tempo de crise profunda é cada vez mais fácil atear novas / velhas fogueiras!

Da luz às trevas, vai um passo bem pequeno!

11.5.12

O erro irreparável…

Paulo Freire (1995) propõe que mudemos a nossa atitude frente ao erro, considerando-o uma “forma provisória de saber”.
De tempos a tempos, surge um guru a proclamar a excelência do prazer, do sentimento e, mesmo, do erro. Em geral, proclama que nascemos desprovidos de disciplina e, sobretudo, de livre-arbítrio. No melhor dos casos, nascemos em graça. Nos restantes, filhos das trevas, caímos no erro do qual penosamente sairemos se acreditarmos num qualquer tipo de redenção.
Entrados na floresta, sem bússola ou GPS, rapidamente caímos em desespero, a não ser que, racionalmente, optemos por marcar o caminho percorrido ou por seguir o rasto de eventual pegada humana. Não consta que ninguém, em seu perfeito juízo, tenha decidido perder-se para que subitamente um mestre irrompesse  detrás de uma qualquer moita para conduzir o discípulo pelos caminhos da indagação reflexiva sobre as causas do engano…
Em vez de ensinar o caminho direito, o guru prefere experimentar o discípulo, fazendo-o correr riscos para que ele se torne refém duma situação que acentua a fragilidade da condição humana, apontando o acesso à consciência como o resultado de quem conseguiu desenvencilhar-se da floresta de enganos pela mediação do guru, do sacerdote, do professor, do psicanalista…
Se o erro é inevitável, nada devemos, no entanto, fazer para que ele se instale, porque, na maioria dos casos, ele é irreparável.

9.5.12

A riqueza dos países

 

Com ou sem memória, à natureza basta que chova para que a seiva jorre, o que me faz pensar que se os neurónios andassem mais à chuva teríamos mais soluções para os problemas que nos afectam.

Na verdade, a riqueza dos países mede-se mais pela quantidade de precipitação do que pela inteligência dos homens. Afinal, sabemos bem que os nórdicos não prescindem do guarda-chuva ou da gabardine… e nós, os do sul, o que fazemos?