23.8.12

Vilar da Veiga…





Um lugarejo que não chega a sê-lo ou melhor que não está à altura da paisagem natural. Em Agosto, uma paisagem humana, constituída por emigrantes de segunda e terceira geração, assalta as margens rodoviárias e fluviais, deixando um rasto de combustíveis fósseis e de degeneração linguística. As famílias, em automóveis de elevada cilindrada, exibem-se, convencidas que Vilar da Veiga em nada fica atrás das estâncias turísticas alpinas…

E talvez tenham alguma razão! No entanto, o estado e os empreendedores nacionais continuam a procurar o «eldorado» bem longe, desprezando o que a natureza nos vai oferecendo.

Na minha memória, entretanto, vai permanecer uma paragem de autocarro colocada diante de uma passadeira que deve ter equivocado o motorista, pois apesar de por ali passar três minutos antes da hora prevista, deixou três passageiros «pendurados» à espera do autocarro seguinte… Claro que uma hora mais tarde percebi que o senhor motorista estava em fim de turno e quanto mais cedo estacionasse o veículo à porta de casa, melhor!

Diga-se, de passagem,  que nunca percebi por que motivo, seja no Gerês seja em qualquer outra localidade, os motoristas de transportes públicos podem estacionar os autocarros à porta de casa…

22.8.12

De Aguada de Baixo a Viana do Castelo

Tudo indicava que o sol entrara em greve! De Aguada de Baixo a Viana do Castelo, só os portais eletrónicos  brilhavam: o automobilista nem tinha tempo para somar as vezes que lhe cobravam a passagem. Uma mina! E ainda se queixam que têm prejuízo!

Viana labiríntica mostrou-me a pedra escura da praia da Areosa, a pretexto de uma bica breve na esplanada que, afinal, serviria para conhecer meia dúzia de entusiastas da arte cinematográfica, em rodagem sobre o desaproveitamento de uma geração. Sem meios, confessam-se independentes! Fiquei a pensar no dia em que Antero exigira a António Feliciano Castilho que o deixasse ser independente, ser livre. Mas não deve ser a mesma coisa…

O Márcio Laranjeira era um desses entusiastas! Pareceu-me um desses seres cosmopolitas que se enganara no lugar e que insiste em andar por cá, qual outro Laranjeira ironicamente desesperado! E a Mariana, que em nada se assemelha à Mariana de Camilo, mais fina e, sobretudo, pareceu-me mais silenciosa, embora comedida…

O quadro deu-me que pensar, como se vê, sobre a facilidade com que se fala em terras de Viana: do iodo, do Bom Jesus, das touradas só para encornar os vianenses, da pronúncia do norte… e eu  a pensar que por uma razão que me escapa nunca consigo que o meu velho GPS consiga registar a vila do Gerês. A pensar nas consequências, com o gasóleo sempre a aumentar e o ordenado a diminuir. Sem subsídio de férias nem subsídio de refeição, lá acabei por zarpar para Terras do Bouro. Claro que o GPS só atrapalhou, o rio Caldo continua lotado como se todos tivessem subsídio de férias e subsídio de refeição, e o Vidoeiro também a abarrotar por motivos bem diferentes…

E a noite chegou, já com mossa, para aprender a ficar em casa!    

20.8.12

Aguada de Baixo–Águeda

Para chegar é preciso ter alguma paciência, mas vale a pena! Recomenda-se a quem procure repouso longe do bulício da cidade e da praia. Quanto a alimentação, se não gostar de procurar ou chegar ao domingo ou em dia feriado, avie-se pelo caminho.
Entretanto, os caminhos trilhados vão-nos explicando para onde foram os euros que, agora, tanta falta nos fazem: para além das estradas e das rotundas, os portugueses pelam-se por quartéis de bombeiros, centros de saúde, bibliotecas, pavilhões desportivos.
Os equipamentos multiplicam-se apesar da carência de utilizadores.
A «desmedida» é seguramente a palavra que melhor nos define. Que Nossa Senhora da Memória nos ajude!
MCG

15.8.12

A Palmeira


Chegou a hora de reinventar o passado. Não o que foi, mas o que resta…
Para chegar à casa, M. tinha que passar pela palmeira. Daquela palmeira avistava-se sobre o lado direito uma casa térrea. Donde é que aquela palmeira teria saído, se não se vislumbrava nenhum palmar entre vinhas, olivais e figueirais? Saía de casa e logo os olhos se fixavam naquela inesperada presença. Aquela fixação, ao contrário do que seria de esperar, não fazia sonhar. Era uma presença muda que ajudava a delimitar o caminho de pedra maltratada e que, quando as chuvas desabavam, assistia à transformação da rua em rio de lama. Para além da pedra e da lama, erguia-se, majestosa, a palmeira. Ainda, hoje, por lá continua…
Aquele pedaço de caminho que separava a casa da palmeira foi durante dez anos a aldeia de M.
Para lá da palmeira, a rua estava assombrada: havia cabras noturnas que devoravam os parcos canteiros de flores, havia cães que ganiam sem parar e, sobretudo, havia a violência das palavras grosseiras que fendiam os tímpanos de M. Essas palavras ainda hoje ecoam na mente de M. Talvez se possa admitir que ainda o assombram.
De facto não são só as palavras que ecoam… há também gritos. E em particular, tosses ininterruptas que atravessam o tempo e se repetem…

14.8.12

Prefácios

I - Em discurso relatado, Chez Barbey d’Aurevilly, 1882: Paul Bourget: Enfim, Bloy, o Senhor detesta-me, não é verdade? Léon Bloy: Não, meu amigo, eu desprezo-o.

Léon Bloy, que não morria de amores por Paul Bourget, não hesita em tratá-lo por «O Eunuco», talvez porque este ousara publicar, num jornal, «la mucilagineuse préface de son prochain livre». E ao escolher o adjetivo “mucilaginoso” para definir o prefácio, Léon Bloy retrata Bourget como um homem viscoso que facilmente passa do estado sólido ao líquido – a mucilagem é rígida quando seca e pegajosa quando húmida!

II – Maria Lúcia Lepecki, por seu lado, ao reler, em 17 de maio de 1987, «Casa Grande de Romarigães» de Aquilino Ribeiro, e procurando os princípios éticos e estéticos em que assentava a escrita de Aquilino, convida-nos a pensar que o prefácio deste romance, cujos capítulos se distinguem uns dos outros por números, corresponderá ao ZERO – o ponto de partida, o PROGRAMA…

É essa ideia que Lepecki explora na sua leitura do prefácio, deixando-se envolver na teia doutrinária do Autor. E por isso, Ela termina o seu texto de crítica literária ZERO À DIREITA do seguinte modo:

« Uma alegoria também ela dúplice, ao mesmo tempo iconoclasta e iconográfica. Nela se estaria dizendo o País, «personificado» no espaço de uma casa e nos tempos de uma família.»

III Coincidência ou talvez não! O romance Casa Grande de Romarigães foi publicado em 1957 e quem nos governava era o mucilaginoso Salazar… E o PROGRAMA não deixaria de querer acertar contas com o ditador. Um romance a reler num tempo em que a viscosidade se nos agarra à pele.

IV – E a propósito de prefácios, gostaria de destacar três nomes que, por motivos diversos, sempre lhes deram (dão) grande atenção: Almeida Garrett, Osório Mateus, Carlos Reis.

12.8.12

Não sei quem teve a ideia

Não sei quem teve a ideia, mas a instalação parece nascer do chão e enquadra-se bem no Jardim de Santo Amaro (Oeiras). E até o eléctrico, ao fundo, parece esperar por nós para uma derradeira viagem.

O espaço, à medida que avançamos, contrai-se, apesar das janelas que se multiplicam, como se uma miríade de olhos decepcionados se fixasse em nós.

Em alternativa, talvez possamos balouçar-nos uma última vez!

E também não sei porque é que quando escrevo, recorro à primeira pessoa do plural - “à medida que avançamos” - porque nada acontece no plural. É pura ilusão mercantilista! É pura ilusão comunicacional de quem procura a complacência da miríade de olhos sem rosto que me acompanha desde que a luz me despertou…

/MCG

11.8.12

Nem na Caverna de Platão…

Nem na Caverna de Platão se poderia viver descansado. Mesmo que os prisioneiros se mantivessem voluntariamente agrilhoados à sua miserável realidade, eles não escapariam ao olhar escarninho…

Aí estão os muros para nos lembrarem quão risíveis somos!