25.10.12

Formas de explicar

Não sei bem como explicar as situações que vou testemunhando. Da senhora idosa que mostra despreocupadamente o passe ao fiscal quando já não o carrega desde Março, ao académico que acredita que na biografia das amigas de leite há uma mariana à espera que uma qualquer teresa definhe definitivamente, sem esquecer os ataques à troupe que eliminou os clássicos dos programas de português, como se, à época, os virtuosos académicos tivessem sido todos silenciados na cadeia da relação do Porto...
Há, na verdade, situações que me exigem contenção verbal e não só, pois há sempre um virtuoso militante à escuta (vigilante). Só recentemente me foi dado entender que as minha preocupação com os efeitos morais da crise, com a necessidade de educar para a superação da miséria em que vamos mergulhando, só fará sentido se a gritar bem alto e, de preferência, de punho fechado...
O que me leva de regresso a Camilo Castelo Branco e ao narrador de Amor de Perdição que, não conseguindo identificar-se com nenhuma das suas personagens, ora se distancia da nobreza provinciana ora se distancia dos interesses da capital, caindo numa aparente neutralidade que a violência do léxico, a ironia e a caricatura desmentem a cada instante.
Um Camilo romântico, maldito epíteto!    

Dia XXIV

«Carlos deu com ela pela manhã, no convés, por baixo da mezena. Leonor andava por ali, de braço dado com a mãe, a passarinhar pela popa.»Tiago Rebelo, Tempo dos Amores Perfeitos.
Poderá o contrato de leitura ser virtuoso? A tendência é para fugir ao "corpus" definido no Programa. Hoje, as virtudes não foram muitas à exceção do domínio do equipamento informático. Em menos de um minuto saiu um power point, embora pobre! A leitura das notas (pobres) sobrepôs-se à exigida exposição oral. A história de amor impossível em contexto colonial mais não foi do que anunciada. E talvez tenha sido melhor assim, porque isto de ver mãe e filha a passarinhar pela popa arrepia. Andariam as pobres damas à caça? A turma revela, apesar de tudo, algum conhecimento dos efeitos da Conferência de Berlim...
Texto diarístico. Da forma privada, secreta do Diário à forma pública e partilhada do Blogue. Dos perigos da exposição na blogoesfera ( a postagem logo que partilhada deixa de ser recuperada...)
Sob a máxima de AMIEL " Chaque jour nous laissons une partie de nous-mêmes en chemin.» (A cada dia que passa, um pouco de nós fica pelo caminho) a explicação de que o Diário nos pode confortar da perda e, talvez por isso, a aula decorreu sob o signo da leitura de excertos do Diário XV de Miguel Torga e um dos textos ficou registado no caderno diário para poder ser analisado com mais detalhe:
S. Martinho de Anta, 17 de Setembro de 1987
 
IDENTIFICAÇÃO
 
Desta terra sou feito.
Fragas são os meus ossos,
Húmus a minha carne.
Tenho rugas na alma
E correm-me nas veias
Rios impetuosos.
Dou poemas agrestes,
E fico também longe
No mapa da nação.
Longe e fora de mão...
 
Quanto ao Sermão da Sexagésima hoje só teve um ouvinte. «Começou ele a semear (diz Cristo), mas com pouca ventura.» 

24.10.12

XXIII

Ler Amor de Perdição e escrever sobre o narrador. Selecionar 1, 2, 3 textos, e analisá-los de acordo com a seguinte estratégia: o narrador identifica-se com alguma personagem ou espaço simbólico (capital / corte vs província )? o narrador distancia-se (através da ironia e do léxico) de uma das partes ou de ambas? o narrador assume uma atitude de neutralidade?
A análise e a resposta detalhada a estas questões permitem compreender o olhar mordaz do autor sobre os excessos da proposta revolucionária importada  ( revolução francesa) e simultaneamente perceber que o conservadorismo do antigo regime se caracterizava por um atávico atraso provinciano e por uma cabeça reinante (e respetiva corte) piegas, perdulária e postiça...
Claro, sobrava a paixão incompreendida!
A primeira tentativa de escrita é, no geral, frustrante... a segunda será certamente melhor!

Fora da sala de aula,  sob a coordenação do prof. Daniel Sampaio e em associação com a Faculdade de Letras e o Plano Nacional de Leitura, decorreu a celebração dos 150 anos de Amor de Perdição. Hoje foi dia de apresentação das cartas de amor (e não só!) escritas pelos alunos do Secundário no CCB, de Vasco Graça Moura. A participação da Escola Secundária de Camões revelou qualidade acima da média. A articulação da Escola com a Faculdade de Letras é da responsabilidade da professora Cristina Duarte. O 11º J (Literatura), embora não tenha estado presente, contribuiu com duas cartas ( de Ana C. Guerra e Diana Francês). Nesta iniciativa colaboraram também as professoras Alice Xavier,  Maria Lurdes Fernandes e Maria Teresa Saborida.   

23.10.12

Dia XXII

I -Teste. Uma memória espacial temperada por uma memória literária, pessoana. POEMA PESSOAL, de Agustina Bessa-Luís. Tema: A CASA. O enunciado da prova foi várias vezes questionado, sobretudo no que respeita ao recurso à citação ou à resposta por palavras próprias. O léxico não levantou grandes dúvidas, à exceção do verbo "dissimular". O tempo revelou-se suficiente.
( A percepção de que o texto podia oferecer alguma dificuldade desencadeou uma aproximação faseada: a) leitura do texto pelo professor; b) nova leitura individualizada, agora de cada aluno; c) entrega do questionário; d) leitura do questionário pelo professor; e) início da resolução...
 
II - Apesar do fervor ministerial (e não só!) pelo Amor de Perdição, a sala de aula revela dificuldades que exigem uma leitura atenta ao conteúdo linguístico (léxico), ao conteúdo literário (metáforas de cunho telúrico) e ao conteúdo cultural (História da 2ª metade do séc. XVIII e primeira década do séc. XX). 
A narração da chegada de Dona Rita a Vila Real revela bem a qualidade do escritor. No entanto, o aluno urbano não consegue apreciar esse estilo, pois o léxico torna-se obstáculo:  légua, conterrâneo, liteira, librés, surradas, préstito, chiste, apear, rabicho, avoengo, asseverar, machos... exemplos de meia página...
O problema é que o jovem estudante não vê qualquer vantagem em aprender o significado destas palavras!
Na composição de Simão, cap. II, Camilo refina o retrato do académico em Coimbra. E regressam as dificuldades: "demagogo", "analogia de bossas"... ou, por exemplo, « O discurso ia no mais acrisolado da ideia regicida quando uma escolta de verdeais lhe aguou a escandecência.» É todo um tratado de imaginação verbal! Passar do registo literário ao registo corrente torna-se uma aventura! A defesa  acalorada do assasinato do rei é interrompida violentamente pela chegada da guarda da academia. Uma academia que tinha polícia própria e cárcere... A ideia regicida de Simão que já levara Fernão Botelho  à cadeia... (estava-lhe no sangue / hereditariedade)... Tudo consubstanciado no jacobino - outra dificuldade que revela a falta de formação histórica e política! De qualquer modo, a escola portuguesa vai toda ler Camilo (Prós e Contras). Será?

22.10.12

Dia XXI

I - Teste. Um autorretrato de Manoel Bandeira. Na 3ª pessoa. Uma forma de distanciamento interessante: afinal, o poeta parece ter deixado de ser ruim - "poeta ruim que na arte da prosa / envelheceu na infância da arte"... Apesar de tudo, no II grupo, surgiu uma dificuldade quando Agustina refere: «Fazer um retrato é viajar no reino da solicitude.» O termo "solicitude", apesar de confirmado em «com solícita e maternal maneira» pareceu estranho à maioria, senão à totalidade dos alunos.
 
II - Na leitura de Amor de Perdição, o problema do conhecimento do léxico torna-se uma questão central. A forma preguiçosa de evitar a dificuldade passa pela assimilação de resumos da "história", deixando o texto imaculado. Neste caso, não posso deixar de diferenciar a intriga (o argumento) da História. Basta tentar ler o primeiro capítulo, para perceber que o enredo tem os pés bem assentes na História - reinados de D. José  e D. Maria I: desde a participação de Fernão Botelho na tentativa regicida de 1758 até ao desempenho artístico do "Brocas" (Domingos Botelho) na corte de D. Maria I.
A leitura deste capítulo exige curiosidade por um importante período da História de Portugal! Mas nem a História nem a Língua despertam atenção. Basta analisar atentamente o retrato de Domingos Botelho para dar conta do modo como Camilo manipula os registos de língua... enfim, lá tive de explicar a composiçaõ da broa (Brocas) e o seu significado socio-económico, pois parece que todo o pão está reduzido a um elemento indiferenciado chamado "cereal". Aveia, centeio, trigo, milho... 

21.10.12

Interlúdio VII

Sintomas

Ao disponibilizar uma ficha de verificação de leitura (32 perguntas) de uma obra como Um Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett, o professor quer garantir a leitura da obra. Mas, a que preço?
O tempo de leitura (e de revisão é lento) e, frequentemente, frustrante. Apesar do aluno poder gerir o tempo de leitura, de pesquisa e de resposta, em demasiados casos:
a)  não aproveita a oportunidade para identificar problemas e procurar soluções nas múltiplas fontes que o cercam - falta um mínimo de curiosidade;
b) dá respostas completamente descabidas - falta de rigor;
c) recorre facilmente ao colega que supostamente já leu a obra - falta de brio;
d) entrega a folha de resposta sem ter tido a preocupação de responder a todas as perguntas - laxismo;
e) não cumpre o prazo e não entrega - desinteresse;
f) espera que o trabalho entregue fora de prazo não seja penalizado - oportunismo.
 
Poder-se-á pensar que o tempo tudo curará, mas o que já está a caminho é um futuro sombrio.

20.10.12

Interlúdio VI

O tempo é de elaboração de testes.
Para que serve o teste quando aplicado a uma disciplina como a de Português, língua materna? E a ideia de disciplina persegue-me, sobretudo, quando recebo e-mails a perguntar o que venho tentando explicar. Afinal, qual é a matéria? A matéria da língua em que nos realizamos! Haverá fronteiras, tabiques? Parece-me que se tem reduzido a língua a quase nada... isto é a discursos jornalísticos que se sobrepuseram à multiplicidade de géneros, considerados na genologia. A língua está cada vez mais pobre com a morte da História, da Religião, da Geografia, da Filosofia e até com a sobrevalorização da estatística nas outras fileiras...
De qualquer modo, nos e-mais, tudo parece querer dizer que uma disciplina é constituída por um conjunto de matéria? Ou será de madeira? Com a madeira constroem-se casas, barcos... e com a matéria não sei muito bem! No primeiro caso, surge um produto; no segundo, apenas destroços... quase sempre náufragos!
Claro que bem poderia disciplinadamente regressar ao étimo, ao acusativo, à apócope do m final, à   via erudita e à via popular, ao classicismo e ao romantismo .. mas pra quê? E já poderia deliciar-me a distinguir o código oral do escrito, tudo isto, indisciplinadamente...