15.8.16

Estórias inverosímeis

Um pouco à deriva, sem compreender por que motivo um país de costas voltadas para a espiritualidade, usufrui de mais um dia santo cuja imagética é, em si, suficientemente fantasista, ataco as páginas de jornais que persistem em assombrar-me, e lá vou encontrando “estórias inverosímeis”, mas perturbadoramente atuais…
Os meninos da rua
«Os meninos de rua, fenómeno recente em Angola, contam-se já aos milhares. Na sua maior parte, ocupam o dia vendendo todo o tipo de utensílios, que por sua vez adquirem a preços ligeiramente inferiores no grande paralelo de Luanda, o Roque Santeiro: vendem cigarros, canivetes, relógios, pentes, máquinas de calcular, espelhos, rádios, secadores de cabelo, e até aparelhos de ar condicionado. Outros lavam carros, transportam volumes, pedem esmola. À noite estendem-se nos passeios ou constroem pequenas barracas nas areias da Ilha, onde outrora os luandenses iam namorar.»
Palavra de honra
«Dirigiram os dois a casa do presumível ladrão. O homem convidou-os a entrar, ofereceu-lhes de beber e finalmente quis saber o motivo da visita. Quando Carlos disse ao que vinham, o ladrão sobressaltou-se: “Palavra de honra que não fui eu”, garantiu, “aliás, se tivesse sido, vendia-lhe já o carro!»
Homem nu
«Pouca gente repara neste homem, que há vários meses se passeia nu em ferente ao parlamento. O fotógrafo do Público repara. Levanta a máquina, e depois volta a baixá-la horrorizado: “Não posso fotografar isto!” O homem tem uma ferida aberta no ventre e os intestinos expostos à luz.»
Dias Kanombo, investigador kimbanguista*
“O Grilo”, sempre vestido de verde, muda de nome consoante o interlocutor, saltando do português para o francês, o inglês ou até o sueco, com a mesma facilidade com que falava umbundu, kikongo ou otchivambo, o luminoso idioma do seu próprio povo – os quanhamas…
(Nascido no Cuvelai, no Cunene, Kanombo é neto por linha materna do régulo local. O pai, alfaiate e pastor, era também catequista numa missão luterana finlandesa. Kanombo chegou a frequentar o seminário, mas rapidamente concluiu que não tinha vocação para padre, vindo a completar o ensino secundário no Liceu do Lubango. Mais tarde, frequentou a Universidade Kopta, no Egito, licenciando-se em Egiptologia…)
Nos anos 80 foi um dos mais ativos elementos da juventude da UNITA em Portugal. Em 1992, reapareceu em Luanda, durante a campanha eleitoral, despertando dúvidas antigas: “Afinal, para quem trabalha este homem?” Kanombo responde com uma gargalhada: “Trabalho para o Ciciba, Centro de Investigação da Civilização Bantu, e estou agora baseado em Durban, na África do Sul, onde estudo a relação entre o antigo idioma egípcio e algumas línguas bantu, em particular o zulu
*Tudo terá começado na pequena aldeia de Nkamba, então Congo Belga, a 8 de março  de 1921. Nessa noite, Simão Kimbangu, catequista, antigo aluno de uma missão batista inglesa sonhou que um anjo o visitava. Soube no mesmo instante que era reencarnação do Espírito Santo e que tinha vindo ao mundo cumprir uma missão: “Os povos negros foram os primeiros a cortar relações com Deus”, explica Dias Konambo “em consequência disso são os principais responsáveis pela decadência do mundo”. A missão do Espírito Santo, encarnado no pobre catequista de Nkamba, seria a de recuperar para Deus os negros de África, salvando assim toda a humanidade (…). Hoje (Público, 8 de janeiro de1995) o kimbanguismo é a religião mais popular do Zaire. Na África do Sul, milhões de negros, os sionistas, seguem os seus ensinamentos, enquanto no Egipto encontrou o apoio irrestrito da Igreja Kopta.

Nota: O Kimbanguismo é um Cristianismo resultante dos ensinamentos e obras de Papá Simon Kimbangu baseados no Amor, Obediência as leis de Deus e o empenho no trabalho. É uma nova civilização que pretende implementar as bases do humanismo pelo temor de Deus e o respeito do ser humano sem discriminação de raça, tribo e línguas. O kimbanguismo é a filosofia do renascimento do povo de Deus sustentando a visão do respeito dos valores Divinos e humanos. Em suma, o kimbanguismo é uma visão teo-antropocêntrica.
(Mais uma organização tentacular!)

14.8.16

Diz o roto sobre o nu

"Diz o roto ao nu", neste caso "sobre o nu", pois a vontade de encontrar cumplicidade é mais forte...
Lá na terra, nem pastor era, ajudava na condução e recolha do rebanho comunitário, quando um forasteiro lhe contou que em Lisboa é que a vida era boa... Sem perder tempo, abalou para a capital.
Ainda se pensou que estivesse destinado a ajudante de pedreiro, mas não, em Lisboa, os ajudantes de pedreiro são todos engenheiros... Sem saber como, um conterrâneo arranjou-lhe trabalho numa pastelaria. 
E o roto, em vez de aviar o freguês, lá vai dizendo que o colega nem o almoço merece...   

13.8.16

Organizações tentaculares

Há coisas que eu não compreendo:
  1. " A rede internacional Feithullah Gülen conta com uma cadeia de rádios, televisões, jornais, centros educativos, empresas, associações e fundações em mais de 140 países."
  2. "Vivem na Alemanha perto de 100 mil «güllenistas», além de 150 associações, 25 escolas, 15 «centros de diálogo» e um jornal, o diário «Zaman», com um cordão umbilical ao grupo religioso(...) sem se saber o que realmente são: «uma comunidade de crentes islâmicos conservadores, uma rede profissional de caracter missionário ou um movimento político islamita radical»". Expresso, 13 de agosto de 2016
     A verdade é que eu não compreendo que se deixem constituir organizações tentaculares no interior de estados de direito que deviam zelar pelo interesse coletivo.

12.8.16

António Gonçalves Ribeiro tem biografia a menos

Ainda a propósito daqueles que têm biografia a mais, hoje, ao reler documentação vária sobre o regresso dos portugueses de África em 1974 e, sobretudo, em 1975, verifico que há quem tenha biografia a menos.  Pelo menos, é o que constato ao pesquisar o nome de António Gonçalves Ribeiro, responsável pelo retorno de uma boa parte dos 700 mil que vieram acrescentar 6% à população metropolitana.
O milagre do regresso e da integração dos portugueses de África muito deve ao voluntarismo e à abnegação desse português que tomou para si a responsabilidade  que era do MFA, do Presidente da República, do Governo e das Forças Armadas... que bem se esforçaram por sacudir a água do capote. Lá no fundo, os Governantes da época não eram muito diferentes dos do Estado Novo... Só a ideologia mudara, o que não era pouco, pois isso significou que as colónias ( províncias ultramarinas) tivessem ficado nas mãos das potências estrangeiras... e que os laços afetivos fossem definitivamente destruídos... 
O que explica muita coisa! Não fosse essa irresponsabilidade (da cegueira doutrinária de Salazar ao excessos dos primeiros anos da Revolução), não estaríamos hoje tão mal governados e sob a batuta do eurocentrismo.

11.8.16

Sempre o passado

Uma travessa? Uma chávena?
Sempre o passado. A herança.
As pessoas só interessam depois de mortas. E nem todas!
Vivem nas porcelanas, nas fotografias, em certas palavras...
(...)
Quanto aos vivos, se longe, assombram a cada esquina de distância...
Se perto, falta a paciência, já é tempo de zarpar...

E depois pego no Livro da Vida, falta lá imensa gente. Olho à volta, e é tudo tão inflacionado...

10.8.16

Ponte aérea durante o Verão Quente de 1975

«Havia quem defendesse (no Conselho dos 20, um dos órgãos do MFA) que os não devíamos ajudar, porque eram fascistas. Lembro-me do tempo que se perdeu com esta discussão e que a reunião foi inconclusiva a este respeito.» Vieira de Almeida, ministro da Economia nomeado por Portugal para o Governo de transição saído do Acordo de Alvor, assinado a 15 de Janeiro de 1975.

O tenente-coronel Gonçalves Ribeiro acabou por ser o responsável pela ponte aérea. É provável que os mais de 200.000 portugueses saído no âmbito da ponte aérea devam a Gonçalves Ribeiro o facto de lhes terem sido postos à disposição os meios de fuga.
Gonçalves Ribeiro chegara a Angola em 1972 para uma comissão de serviço de dois anos. A mulher e os filhos regressaram a Portugal em agosto de 1974, mas ele optou por prolongar a sua permanência na ainda colónia portuguesa. Integrou o Governo provisório que administrou o território até ao Acordo de Alvor. Em 1975, transitou para o gabinete do Alto-Comissário Silva Cardoso, que substituíra o almirante Rosa Coutinho no cargo…
Em junho de 1975, «Portugal relegou a descolonização para plano subalterno. E, no entanto, faltavam ainda cinco meses para a data da independência de Angola estabelecida em Alvor.»
A 11 de Junho de 1975, o tenente-coronel Gonçalves Ribeiro desloca-se de Luanda a Lisboa, reunindo com a Comissão Nacional de Descolonização, onde defendeu que a TAP «estava muito longe de poder fornecer os meios necessários à saída da população branca. Um problema que não tem merecido o mínimo de atenção por parte do Governo», queixava-se. Naquela reunião, informou que, em Luanda, já havia 50.000 desalojados, vindos de outras áreas de Angola. E os pedidos de reserva de transporte para a metrópole ascendiam a 140.000.
Em maio de 1975, havia três exércitos em Luanda e cada um se considerava dono e senhor da cidade. A segunda batalha de Luanda seria desencadeada no início de julho. O MPLA acaba por dominar a maior parte da capital. Para a comunidade portuguesa, acentuava-se a urgência da partida.
Em Lisboa, acreditava-se que uma nova cimeira poria termo à guerra entre os três movimentos de libertação. MPLA, FNLA e UNITA reuniram-se entre 16 e 21 de junho, em Nakuru, no Quénia, sem que Portugal estivesse representado – o que violava uma das cláusulas do Acordo de Alvor. No texto de Nakuru, não foi feita qualquer referência a Portugal.
Entretanto, o MPLA estava a receber armamento pesado vindo da União Soviética e de outros países do Leste europeu. E a FNLA alimentava os cofres com dólares vindos dos Estados Unidos.  Era a lógica do conflito Leste-Oeste.
Para Gonçalves Ribeiro, havia que “aguentar” com um mínimo de dignidade: « E se queriam partir (os militares) tínhamos de os  trazer (os portugueses). Os militares não podiam partir, deixando lá abandonados aqueles que queriam vir embora
(a continuar)

Donald Trump a brincar com o fogo...

O candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, está novamente no olho do furacão, depois de ter proferido declarações polémicas. O magnata "sugere" aos seus eleitores o assassinato da sua rival, a democrata Hillary Clinton, que defende mudanças na legislação de compra de armas de fogo.
“Hillary quer, essencialmente, abolir a segunda emenda. Se ela conseguir escolher os juízes, não há nada que possam fazer. Talvez os defensores da segunda emenda possam, não sei”, disse o candidato republicano num comício na Carolina do Norte.  Económico

«Talvez os defensores da segunda emenda possam, não sei.» Isto é, Donald Trump convida os defensores da utilização pessoal de armas de fogo, a impedi-la de alterar a segunda emenda. E como?
O tom dubitativo não só não apaga a exortação, como reforça a pressuposição: «Não o posso fazer, mas delego em ti.»
Uma vergonha! Uma avaliação psiquiátrica vinha a calhar...