«Na carruagem que vinha do Porto, havia muitas caras lusitanas. Tiram-se à vista, não porque tenham carácter como os ingleses ou alemães, mas precisamente porque não têm carácter nenhum. São todas diferentes. Após tantos anos de tombos, de guerras, de sangrias, a raça ainda não escumou numa fisionomia própria.» Aquilino Ribeiro, Um Escritor Confessa-se, Lances da Minha Vida, pág.363.
A falta de carácter explica muita da subserviência que grassa entre governantes e comentadores da res publica. Por seu lado, o povo parece um rebanho alheado do caminho e do pastor! A Alemanha põe e dispõe da terra lusitana, e Portugal aplaude, convencido de que merece expiar por não ter resistido à globalização. Só falta a flagelação na praça pública!
Mas nada disto é possível sem o colaboracionismo, para quem a terra nada vale. Aos colaboracionistas só interessa o capital, e este não tem nacionalidade nem religião. As grandes empresas portuguesas que, em grande parte, tosquiam o contribuinte e o consumidor, têm as suas sedes em países com menor carga fiscal ou em paraísos fiscais. Porquê?
A Alemanha e a França não estão sozinhas! BCP, BPI, BES, BANIF, BIC, Banco Internacional do Funchal, PT, GALP, SONAE…, EDP, CIMPOR, Jerónimo Martins, BRISA, Mota-ENGIL, PORTUCEL, SEMAPA, ZON (e quantas mais?) põem o rebanho a render e ameaçam abatê-lo!
Considerando a lição de Aquilino Ribeiro e daqueles que consumaram o derrube da monarquia, e cujo carácter se media pela capacidade de enfrentar a rugosidade do terreno, o principal inimigo deve ser procurado dentro e não fora de Portugal. E o primeiro passo é não colaborar com empresas que não assumem os seus deveres fiscais, em nome de uma falsa internacionalização – os únicos beneficiados são sempre os accionistas…
Em Um escritor Confessa-se, para além da terra, há o terreno… e a luta constante contra a subserviência, fundada na tradição, na religião ou no despotismo político castrador…seja monárquico ou republicano.
Há autores que merecem ser lidos não só pela qualidade linguística e literária das suas obras, mas, sobretudo, pela sua exemplaridade, o que talvez explique a nossa falta de carácter e a facilidade com que somos desrespeitados.