17.5.15

Henrique Neto na TSF

Não sei se o homem tem alguma falha de carácter, critério, para mim, fundamental para avaliar as palavras e os atos de quem se propõe gerir a res publica, no entanto, pelas respostas que deu durante a entrevista, parece-me ser um português genuíno, para quem, a questão essencial é a visão estratégica assente na produção de riqueza e consequente criação de emprego.
Por outro lado, das suas palavras depreendi que as direções partidárias (e não só!) afastam todos aqueles que, pela sua idoneidade e experiência empresarial ou outra, lhes podem fazer sombra...
Não é a primeira vez que dou atenção às palavras de Henrique Neto, mas, hoje, confirmei aquilo que anda longe de ser praticado: o debate político deve assentar no compromisso escrito quer de quem questiona quer de quem tem obrigação de responder. E se compreendi bem, os governantes dos últimos 20 anos não sabem escrever, pois não respondem por escrito às interpelações...
Ou, em alternativa menos simpática, temos sido governados por homens sem carácter que, quando recorrem ao texto escrito, mais não debitam do que o que lhes foi escrito pelos assessores... aliás, também, o fazem quando, com recurso ao teleponto, discursam nas capelinhas...  

16.5.15

Freud mudou de prateleira

Apercebo-me agora quanto me irrita que o Freud tenha mudado de prateleira. Durante anos, esteve à mão, apesar de com o tempo ter caído fora do olhar. Passou a ser citado de cor, para mais tarde deixar de estar presente nas palavras que iam suportando o discurso... A leitura de Freud fora longa, durara cerca de dois anos, ora em francês ora em espanhol...
E Freud é apenas um entre as centenas que mudaram de lugar e jazem num recanto da parede do fundo, como se esta sala se tivesse transformado num cemitério de autores...
Nada do que acabo de anotar teria surgido se a minha mente não estivesse submetida ao princípio da CENSURA. Continuo sem saber lidar com a proibição de fazer perguntas, isto é, de dar sequência ao DIÁLOGO, e apesar de tudo, o Platão mora mais perto; bastam alguns passos para que Sócrates possa sair da prateleira e dar a volta à sala, deslumbrando os interlocutores, sempre prontos a colocarem-lhe as perguntas adequadas...
Por outro lado, as reticências também começam a aborrecer-me; parecem pressupor que, do lado de lá, está alguém capaz de reconstituir o fluxo dialogístico, e não assinalar um qualquer modo de pausa de escrevente cansado; já sem falar no ponto e vírgula que se vai instalando só para  impedir que eu desate a transcrever frases outrora sublinhadas:
  • « Selon le proverbe antique, les favoris des Dieux sont ceux auxquels ils font quitter la terre à la fleur de leur âge
  • «Nous dirions que c'est en gage d'un prochain retour que Gradiva a oublié ici son carnet car nous prétendons qu'on nous oublie rien sans un mobile secret ou un motif caché.»  
Ao citar Freud, Délire et Rêves dans la grande "Gradiva" de Jensen, mais não faço do que suspender a preguiça que me impedia de me empoleirar no canto da sala; como faltou o escadote, saltou para aqui a vaidade não consumada de poder ter sido escolhido pelos Deuses ou o desejo secreto de ainda conseguir voltar a ler o que, entretanto, já esqueci...
(...)
Freud e Platão, colocados involuntariamente longe um do outro, só estão aqui porque continuo a braços com a leitura de O MEU IRMÃO e, sobretudo, com uma questão que estou proibido de fazer: Será que Afonso Reis Cabral começou a desconfiar que o papel que atribuíra ao narrador ganhou tal autonomia que, enquanto Autor, se viu desapossado da narrativa, vendo-se assim na necessidade de introduzir um segundo narrador que controlasse o primeiro? Isto é, o Autor é, afinal, um Censor! 

15.5.15

Afonso Reis Cabral na Esc. Sec. de Camões

Foto cedida por Mário Martins
Apesar de ainda não ter terminado a leitura do romance "O meu Irmão", posso, desde já, assegurar que se trata de uma obra original que não defrauda o leitor porque não cede nem à ciência literária nem à vulgaridade tão em moda. 
Esta minha convicção saiu, hoje, reforçada pelo modo autêntico, sincero, como Afonso Reis Cabral se disponibilizou a responder às perguntas que lhe foram colocadas sobre a génese, a maturação e a composição do romance. 
O autor deixou a ideia de que escrever exige sonho, empenho, indagação, tempo e, sobretudo, reformulação e revisão. Escrever não resulta de inspiração divina, nem deve submeter-se a qualquer exigência de natureza editorial,  nem se inscreve num qualquer legado familiar por mais nobre que seja. 

(A iniciativa de trazer o escritor à Escola foi da responsabilidade dos professores Maria Teresa Saborida e Mário Martins. Este último leu um excerto do romance gerando condições para que os alunos colocassem algumas perguntas pertinentes.  A sessão decorreu na sala 32 e contou com cerca de 50 participantes, entre alunos, professores e dois representantes da editora Leya.)  

14.5.15

Um futuro sem perguntas

Desde ontem que assumi que não devo fazer perguntas. Isto não significa que não possa ser questionado. Se o for, responderei de forma concisa de modo a não cair em tentação... A ação (ou a inação) decorre num contexto específico.

Dou agora conta que há uma hora fiz uma pergunta, não interessa qual. E apesar de não obter satisfação, obtive, no entanto, uma resposta. 
Enquanto leio "O Meu Irmão", de Afonso Reis Cabral, romance que aborda precisamente as dificuldades de comunicação resultantes de um dos interlocutores sofrer do síndroma de down, vou-me interrogando sobre a natureza da comunicação a partir do momento em que abdicamos de fazer perguntas...
Não desejando, por enquanto, remeter-me ao silêncio absoluto, porque dá cabo de qualquer contexto, vou experimentando os efeitos do diálogo em que B responde a A sem poder contra-interrogar... As respostas passam a ser secas, concisas, mergulhando no silêncio até que surja nova pergunta. Pressinto que esses hiatos poderiam ser desafiantes, não fosse A alhear-se por vontade própria ou por incapacidade momentânea...

(E, de súbito, revejo os avós paternos, sentados diante um do outro, e eu à espera que eles se questionem sobre um qualquer assunto por mais mesquinho que seja, mas nada acontece entre eles. Nem A nem B colocam qualquer pergunta, e estou sem saber se tinham feito um pacto contra a indagação ou se, apenas, se lhes tinham esgotado as perguntas.)

Ao fim de tantos anos a fazer perguntas noutro contexto específico, parece que se anuncia o tempo de deixar de fazê-las. E esta possibilidade começa a despertar-me a vontade de começar a ir à pesca...

13.5.15

Afonso Reis Cabral, na próxima 6ª feira, na Esc. Sec. de Camões

A nota biográfica que se segue corresponde à transcrição de um artigo publicado pelo Semanário Expresso.

Em 1990, Lisboa viu-o nascer. Depois disso, o Porto viu-o crescer. Até ao 9º ano, Afonso Reis Cabral frequentou o Colégio dos Cedros. Do 10º ao 12º, foi aluno na Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Nestes três anos letivos, a professora Alexandra Azevedo introduziu-o aos Estudos Clássicos. Foram dois anos a aprender Latim e um a aprender Grego. Mas, pelos vistos, em 2008, Afonso não se viu assim tão grego no European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature. Em 3552 concorrentes, era o único português e ficou na oitava posição. 
Mas recuemos um pouco - até aos 15 anos de Afonso. Bom, com 15 anos era altura mais do que certa para andar em namoricos ou a colecionar cromos em cadernetas. Quem diz isso, diz publicar um livro de poesia. Afonso carregou as nuvens de poemas e depois choveu o resultado: "Condensação". Apesar de chovido, este livro, publicado pela Corpos Editora, não foi caído do céu. Afonso entregou-se à escrita durante cinco anos (dos 10 aos 15).
Invicto e convicto, Afonso Reis Cabral deixou o Porto para regressar ao berço. Licenciou-se e amestrou-se na Universidade Nova de Lisboa, primeiro em Estudos Portugueses e Lusófonos e depois em Estudos Portugueses. 
"Fernando Pessoa e Nietzsche: O Pensamento da Pluralidade", "O teatro da Vacuidade ou a Impossibilidade de Ser Eu: Estudos e Ensaios Pessoanos", "Teoria Geral e Previsional dos Ciclos Económicos e Galileu na Prisão: e Outros Mitos Sobre a Ciência". O que é que estas obras têm comum? Foram todas revistas por Afonso. Mas não são as únicas. Aliás, o jovem português já se deu ao luxo de 'corrigir' a nonagenária Agustina Bessa-Luís. Foi em 2012, quando fez a revisão de "Cividade". Afonso já foi revisor em várias editoras e trabalha atualmente na Alêtheia.
(...)
Os rascunhos de "O Meu Irmão", obra que mereceu o galardão Leya, já remontam pelo menos a 2006. Na altura, Afonso Reis Cabral publicava um texto onde manifestava a sua indignação para com a prática do aborto. O seu irmão Martim nasceu um ano depois de Afonso. Antes ainda de conhecer a luz, Martim foi diagnosticado com Síndrome de Down. Neste texto, Afonso perguntava: "Com que direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes, ainda não nascidos, até aos seis meses de gestação? E se tivessem tocado a campainha ao meu irmão Martim?".
No relato pormenorizado sobre os comportamentos - afetados pela condição - do seu irmão, Afonso escreveu as seguintes palavras: "Umas vezes, quando volta do colégio, vem todo irritado, outras falador, outras macambúzio, outras indiferente, outras gracejando, outras saltitando. Vem sempre feliz. Tem uma rotina muito certa, o meu irmão Martim. Colégio, pão, televisão, banho, jantar, cama. No meio disto tudo, decide chatear-me um pouco, mas enfim... E depois, quando se deita, antes mesmo de fechar os olhos e de cair nos braços de Morfeu, diz, abafado pelos lençóis: 'Bo noite, mano'". 
Oito anos depois, a afeição de Afonso Reis Cabral ao irmão é premiada com 100 mil euros. Talento, trabalho e muito humanismo. http://expresso.sapo.pt/sociedade/afonso-reis-cabral-eca-arvore-genealogica-nao-explica-tudo=f894305

12.5.15

Enquadramento - caminhos

De nada serve queixar-me! Por isso, embora tardiamente, aqui fica o enquadramento...


Guernica (pormenor)


Todos fomos espanhóis de 1936 a 1939 (...) O génio de Picasso fixou essa agonia. É uma obra de arte que é um manifesto político. É a sua forma de dizer isto que disse também em palavras: “No, la pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra el enemigo.Goya tinha dito o mesmo, noutros termos, quando pintou o “3 de Maio de 1808” (...) e quando nos pomos no lugar dos homens que estão prestes a ser executados. Disse o mesmo nas suas famosas pinturas negras, de caras esfomeadas. (...)

A consciência política anda pelas ruas da amargura e eu, que detesto a propaganda, reconheço que há certos temas que, como a arte engajada ou comprometida, necessitam de educação artística... Caso contrário, a arte só serviria para assegurar a imortalidade de uns tantos e a vaidade de muitos outros. Mas em nome de quê?  

11.5.15

Indícios de tragédia n' OS MAIAS ou um não-assunto...


Como diriam alguns políticos, vou tratar de um não-assunto. A quem é que poderá interessar indicar três ou quatro indícios (presságios) de tragédia no romance Os Maias?

  • A lenda da fatalidade das paredes do Ramalhete.
  • Os cabelos pretos e os olhos dos Maias (...) de «um negro líquido» (Afonso, Pedro, Carlos, Maria Eduarda)...
  • A visita de Carlos, a pedido de Maria Eduarda, a «uma pessoa da família»...
  • O ar de meditação sinistra dos olhos «redondos e agourentos» do mocho que fixa o leito fatídico, na Toca. 
  • Maria Eduarda tenta contar a Carlos três vezes a história da sua vida... 
  • A tapeçaria «onde Marte e Vénus se amavam entre os bosques» na Toca.
  • O «móvel divino» do Craft com os quatro evangelistas que «um vento de profecia parecia agitar»; dois Faunos tocavam num desafio bucólico, a frauta de quatro tubos».
  • A parecença de Carlos com a mãe, Maria Monforte (ponte de vista de Maria Eduarda)...
  • A sombra negra das personagens femininas que se projetam na Vénus Citereia...
                                                                              (...)
Para quem não tinha paciência para reler Os Maias, tempos houve em que se aconselhava a leitura atenta do ensaio NOVA INTERPRETAÇÃO DE OS MAIAS, de Alberto Machado da Rosa, in Eça, Discípulo de Machado?, editora Fundo de Cultura, 1962.

Hoje, decidi revisitar o Alberto Machado da Rosa, registando alguns dos indícios da tragédia que se vai avolumando, mesmo que o desfecho pareça longe de qualquer catástrofe...
De qualquer modo, o ensaio permite outras chaves de leitura se quisermos cruzar os planos da conceção do romance: o histórico, o simbólico e o trágico...