11.11.13

Até quando?

Mais de dez mil pessoas pessoas podem ter morrido nas Filipinas, mais de quatro milhões de crianças podem correr risco de vida, de violação, de colheita de órgãos que, aqui, na Terra, o importante é o resultado de um jogo de futebol, o novo gadget, a cor dos olhos, a conversa safada...
Aqui, na Terra, pouco interessa a fome, a violência doméstica, o despotismo dos credores e seus apaniguados, a quotidiana lavagem ao cérebro, desde que possamos regressar a casa em segurança, dormir na caminha sem pesadelos, e acordar, de preferência, na 1ª página de um diário nacional ou na página central de um semanário, sem falar na abertura do telejornal e no alinhamento contínuo do face... 
Aqui, na Terra, é dia de festa! Não há tufão, nem terramoto, muito menos maremoto! Há quem diga que o degelo ameaça a Cidade, mas que interessa! Enquanto ele não chega, as Filipinas ficam longe, o Congo ninguém quer saber o que lá se passa, a Síria já não existe, no Iraque a morte já não é surpresa... e no bairro vizinho alguém deixou de lá morar... Mas que importa!
... E claro que há sempre alguém que pergunta se eu ando a ler um livro de ficção! Porque, na verdade, tudo passou a ser ficção! Tudo se passa antes ou depois e bem longe daqui. Aqui, na Terra, é dia de festa...
Até quando?

PS. Acabaram de me oferecer 3€ por cada resposta de 250 a 350 palavras, com a garantia de classificar 100 respostas. Não dizem qual é a parte do fisco! Sei, também, que o autor da resposta irá pagar 20€ pela prova a que é obrigado... Tudo devidamente supervisionado, não se sabe a que preço!  
Aqui, na Terra, é dia de festa! Lá longe morreram mais de 10.000 pessoas...
    

10.11.13

Folha em branco...

Este texto é dedicado a um ministro que foi a Paris declarar que em Portugal ainda há muito por fazer na área do ensino. Espero que ele não estivesse a pensar na Educação!

Folha em branco... porque um deus desconhecido (ignoto deo) se instalou no ecrã, impedindo-me de qualquer gesto que não fosse autorizar a instalação do internet explorer 11.
Consciente do erro, o deus desconhecido passou mais de 20 horas em processo de reversão, proibindo-me de encerrar a atividade que, afinal, não podia iniciar.
O update automático é tão voluntarioso que, apesar de o forçar, ele não desiste da instalação e mesmo agora espreita no rodapé. Já tentei controlar-lhe o automatismo, mas ele acusa-me de pôr em perigo a segurança da máquina...
A sorte deste windows update é que eu passei o dia em manobras que me levaram a Porto Alto. Lugar que conheci há oito anos como início de um ciclo a que um deus desconhecido (ignoto deo) insiste em pôr termo.
Bem! Neste último caso, não se trata de um deus totalmemente desconhecido, trata-se de um avatar diabólico com pouca cabeça, mil patas e uma cauda serpenteada...
Pelo meio, ainda tive tempo para registar uma oportuna reflexão de Harold Pinter sobre a recepção da poesia: « O problema  com este tipo de pessoas é que quando lêem um poema nunca abrem a porta e entram. Contentam-se em inclinar-se e espreitar pela fechadura. Não fazem mais nada.» Os Anões, 1952-1956.

Esta ideia de só espreitar pela fechadura traz-me, também, à lembrança os resultados dos exames nacionais de uma certa escola secundária: Português - 10.43; Matemática A: 10.46; Biologia e Geologia: 8.41; Física e Química A: 8.45; Todas as 8 disciplinas: 10.13. Público, sábado 9 novembro 2013.Uma comunidade

8.11.13

Um funcionário público qualquer

Este texto é dedicado ao ministro que, na Assembleia da República, me tratou como «um funcionário público qualquer». A partir desta data, sempre que vir um agente da autoridade irei lembrar-me que o meu corpo não tem nada de especial e que a minha profissão, na atual república, é desprezível. 
(...)
Deveria poder aceder por uma de três portas. Mas não, só por uma, e de lado. O automobilista é assim mesmo, não respeita a lei da boa vizinhança. Não o faz por má vontade, porque esta não chega a ter tempo de se pronunciar: o automobilista espreita o lugar, arruma o carro e vira as costas sem olhar à esquerda ou à direita.
 
A porteira chega a horas: abre a porta que dá para o pátio das traseiras, enche de água um balde, mergulha o esfregão, e desaparece, deixando a vassoura apoiada na ombreira... Talvez me tivesse emprestado o comando que abre o portão que dá acesso à garagem! Só às 16h30 lhe vejo os olhos de quem por nunca os despegar do trabalho parece numa infindável viagem.  
 
Neste dia em que decidi libertar a autocaravana do recheio, percebi que a crise pode ser libertadora: liberta-nos de tudo o que fomos acumulando, deixando-nos as pernas mais pesadas e as expectativas goradas... 
 
(No início da frase, cheguei a escrever "minha autocaravana", mas desisti. Neste país, nada é nosso, sobretudo se a posse resultar de demorado e honesto trabalho.)
 
Quantos países ficam por visitar e, sobretudo, os lagos cimeiros, os campos de alfazema, as estepes russas e as chanas africanas...
Esta ideia do caminho que fica por percorrer deixa-me, hoje, uma dor difusa, mas aguda. E, principalmente, fica a certeza de que o esforço despendido é inútil. Ou talvez mais não seja do que a expressão do meu tempo, pois, neste caso, o único tempo que vivo é o meu...
 
Entretanto, sei que, hoje, houve greve! Mas não sei o que se passa para lá da rua que percorro da autocaravana à garagem, com uma breve deslocação à agência  da Caixa Geral de Depósitos, nos Olivais. Lá, as máquinas automáticas tinham secado! Penso, todavia, que o facto nada teria a ver com a greve: Simplesmente, os reformados e pensionistas acorreram ao banco, antes que o Governo lhes roubasse, em nome da crise, as parcas mensalidades...
Agora já só ligo a televisão na hora de adormecer. Até lá, estou a tentar perceber Os Anões de Harold Pinter. 
 

7.11.13

Que a onda já me leva

A onda não tem cor, mas basta vestir uma camisola para ganhar coloração. E quando um grupo veste a camisola,  refulge a cor mesmo sem convicção.
O grupo serpenteia em melopeia e a onda retrai-se em fímbrias de espanto...
Eu, cego e surdo, fico indistinto no aroma do fado...
 
Nada mais posso dizer que a onda já me leva
Que a onda já me leva
Indistinto no aroma do fado...

6.11.13

Um cemitério de palavras

Estou a preparar-me para passar o resto dos meus dias a dialogar com o passado.
Um passado quase milenar que me permitirá revisitar as campas de trovadores de partidas sem regresso e de jogos de sombras palacianas.
Um passado quase milenar de clérigos goliardos, de déspotas régios e de ordens devassas.
Um passado ao serviço de uma fé fundamentalista e argentária, de uma fé censória e inquisitorial.
Um passado de capitães aventureiros, mercenários, traficantes e... de abril...
... mas, agora, reparo que me enganei nas campas.
 
Coitado de mim que, impedido de dialogar com o presente, me enganei no cemitério. 

5.11.13

Metas curriculares de Português e educação literária

I - Aos quinze anos, em termos de educação literária, o jovem deve:

a) Ler textos literários portugueses dos séculos XII a XVI, de diferentes géneros.
b) Reconhecer os valores culturais, éticos e estéticos manifestados nos textos.
c) Contextualizar as obras e os textos literários: por exemplo, época, autor, movimento estético-literário (quando indicado no Programa). 
 
Não sei se aplauda o regresso ao passado! Já em 1970, era assim!
 
II - Ao ler o Programa e Metas Curriculares de Português, em discussão pública, fico com a sensação de que o interregno (1974-2013) se tornou insuportável!
 
... e nem vale a pena referir os autores rasurados, designadamente do séc. XX! Todos os que se tenham evidenciado pelo espírito crítico: Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Miguéis, Carlos de Oliveira, Miguel Torga, José Gomes Ferreira, O'Neill, Sophia, Al Berto... e todos os vivos, a começar pelo Lobo Antunes, Mário de Carvalho...
 
Em termos de educação literária, estamos entendidos!

4.11.13

Kant explica

Não entendendo o alarme noticioso que, na última semana, se instalou na comunicação social em torno de um casal mediático, decidi dar-lhe alguma atenção.
Inicialmente, o caso pareceu-me irrisório. No fundo, a desavença lembrava-me um reposição de uma novela de Camilo, entre uma burguesa balzaquiana e um velho da horta severo...
No entanto, a falta de decoro e o excesso de linguagem revelados em monólogos claramente encenados, acabaram por me conduzir a Kant... agora muito em moda na província política e filosófica portuguesa:
 
«De tudo  o que é possível conceber no mundo e, mesmo em geral, fora do mundo, há somente uma coisa que se pode considerar boa sem nenhuma reserva: uma boa vontade. A inteligência, a argúcia, o juízo e os talentos do espírito (...) são sem dúvida, coisas boas e desejáveis sob muitos aspetos; mas estes dons da natureza podem tornar-se extremamente maus e perniciosos, quando a vontade que se tem de usá-los, e cuja disposição própria se chama, por isso mesmo, carácter, não é boa.» Kant, Fundamentos da Metafísica dos Costumes.
 
Parece, assim, que a única coisa verdadeiramente boa sem nenhuma reserva - a boa vontade - anda muito arredia do carácter de certos portugueses, por muito inteligentes, argutos e talentosos que pareçam ser...
Nem sempre, a Filosofia é boa conselheira, mesmo se cultivada em Paris!