Provas de avaliação



Teste de Português

Estamos no final do séc. XII, Portugal é um reino independente há pouco mais de uma década, concretamente desde 1179, com o reconhecimento papal e a emissão da bula Manifestis Probatum. E Lisboa é uma cidade cristã há cerca de quatro décadas.
São acontecimentos muito recentes, quer um quer o outro. O que permite supor duas coisas: que Fernando Martins terá crescido junto a uma comunidade muçulmana que falava árabe e que se mantinha uma força vital na economia da cidade de Lisboa e como tal era bem provável que ele também conhecesse rudimentos da língua islâmica. E a outra coisa que eu suponho é que, quando ele começou a viajar, de cada vez que lhe perguntavam de onde vinha, Fernando-António teria alguma atrapalhação na resposta e uma iminente crise de identidade. Diria o quê? Que era português? Primeiro, o mais provável era que o seu interlocutor ainda não tivesse sido informado de que existia um novo reino chamado Portugal. E mesmo o próprio António teria esse sentimento de pertença a uma pátria portuguesa? Ou tal conceito ainda precisaria de algumas décadas para se formalizar nas mentes dos recém-criados portugueses?
No Oeste da Europa surgia algo de novo, um país que recolhia os pedaços de várias identidades regionais e que, apertado entre a potência militar de Leon e o fervor jihadista do Andalus muçulmano, tinha tantas probabilidades de medrar como um bebé panda fora de cativeiro.

Gonçalo Cadilhe, Nos Passos de Santo António - Uma Viagem Medieval, Clube do Autor, 2016, pág. 26.

1. Baseando-se na leitura do texto, indique o tema e explique a sua opção

2. No segundo parágrafo, o autor faz várias interrogações. Qual é o seu objetivo

3. Classifique o sujeito da primeira oração do texto

4. Na oração " E Lisboa é uma cidade cristã...", classifique sintaticamente a expressão sublinhada.

5. Classifique sintaticamente os constituintes da oração "No Oeste da Europa surgia algo de novo"

6. Faça a síntese do texto, num máximo de 80 palavras.

                                                                                  II

Tornando a falar dos feitos do Mestre, de que cessámos para levar a Rainha a Santarém e trazer Nun'Álvares ao seu serviço, assim foi que nesta sazão em que Nun'Álvares veio para ele, era o Mestre posto em grande cuidado e desvairados pensamentos. Porque alguns do seu conselho lhe diziam que não aguardasse el-rei de Castela com o seu grão poder no reino, mas que se fosse para Inglaterra, espertando muitas razões por que o devia de fazer e assinando certos proveitos e seguranças que disso se seguiam, dizendo, entre as outras coisas, que pelo azo de tal partida ele poderia ali haver tanta ajuda de gentes que, depois, poderia tornar ao reino e o cobrar com muita sua honra, sem perda das gentes e dano da terra. Outros eram de todo contra esta opinião, desfazendo os ditos de tais com outras contrárias razões, assim como Nun'Álvares, Rui Pereira, Álvaro Vasques de Góis, o doutor João das Regras, Álvaro Pais e o doutor Martim Afonso, dizendo que a partida do Mestre não era boa, nem em serviço de Deus nem seu, porque indo-se ele para fora da terra ficava o reino desamparado e sem defensor, e então cobraria el-rei de Castela a cidade e os outros lugares que se lhe rebelavam, e dá-los-ia a tais pessoas e afortalezaria de tal guisa que não se poderiam depois cobrar senão com grande afã e muito espargimento de sangue, e que por isso lhe pediam, por mercê, que assossegasse no reino e não se partisse dele, que Deus, que para isto o chamara e escolhera, encaminharia seus feitos com grande acrescentamento da sua honra e estado.
O Mestre ouvia as razões de uns e dos outros, e se bem que aqueles que o aconselhavam a que se partisse do reino assinassem certas e notáveis razões por que o devia de fazer, o seu grande coração, desejador de cavaleirosos feitos, o fazia inclinar a todavia ficar nele e pôr-se a qualquer ventura pela defensão da terra. Mas desta tenção o turvavam muito os que lhe aconselhavam o contrário, em guisa que o faziam duvidar.
Fernão Lopes, Crónica de D. João I, cap. VI

1. «Era o Mestre posto em grande cuidado e desvairados pensamentos.»

1.1. Indique a causa da perturbação do Mestre. (linha 3)

2. A partir da linha 4, é possível detectar o tema da preocupação do Mestre.

2.1. Enuncie-o.

2.2. Por palavras suas, aponte os argumentos dos seus conselheiros.

3. Considerando o último parágrafo, refira qual foi a decisão do Mestre, e se foi fácil ou difícil tomá-la.

4. Ao longo do texto, é possível ver que “o coração” do Mestre é condicionado por vários sentimentos.

4.1. De forma fundamentada, aponte três.

5. Releia atentamente o último parágrafo, constituído por duas frases complexas.

5.1. Classifica o processo de ligação que as articula.

5.2. Aponta o valor semântico da conjunção que assegura essa ligação.

FIM


E POR VEZES

E por vezes as noites duram meses

E por vezes os meses oceanos

E por vezes os braços que apertamos 

nunca mais são os mesmos    E por vezes


encontramos de nós em poucos meses

o que a noite nos fez em muitos anos

E por vezes fingimos que lembramos

E por vezes lembramos que por vezes


ao tomarmos o gosto aos oceanos

só o sarro das noites    não dos meses

lá no fundo dos copos encontramos


E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes por vezes ah por vezes

num segundo se evolam tantos anos


David Mourão-Ferreira


Explique e aplique:

O sentido do «sarro das noites»
A função da anáfora
O recurso à 1ª pessoa do plural
A concisão das elipses
A antinomia das acções e dos sentimentos
A força da interjeição
A forma do poema
A repetição de sons vocálicos em sílabas tónicas ou em palavras que terminam com diferentes sons
consonânticos (assonância)
Um fenómeno que consiste na reiteração de fonemas consonantais idênticos ou semelhantes (aliteração)



ODE À MÚSICA (1980)




É como se tivesse mãos ou garras

milhões de dedos  braços infinitos

É como se tivesses também asas

libertas do minério dos sentidos

É como se nos píncaros pairasses

quando nas nossas veias é que vives

É como se te abrisses – ó terraço

rodeado de abutres e raízes –

sobre o perene pânico dos astros

sobre a constante insónia dos abismos

E é como se te abrisses e fechasses 

Sobre a antepalavra do Espírito

É como se morresses quando nasces

É como se nascesses quando expiras


Ó claridade  Ó vaga   Ó luz    Ó vento

que no sangue desvendas labirintos

Ó varanda no mar sempre Setembro

Ó dourada manhã sempre Domingo

Ó sereia nas dunas irrompendo

com as dunas e o mar se confundindo

Ó corpo de desperta adolescente

já no centro de incógnitos caminhos

que por fora te aceitas e por dentro 

pões em dúvida o sol do teu fascínio

Ó dúvida que avanças mas por entre

volutas de pavor que vais cingindo

Ó altas labaredas   Ó incêndio

Ó Musa a renascer das próprias cinzas


Só tu a cada instante nos declaras

que renegas a voz de quem divide

Que a única verdade é haver almas

terrível impostura haver países

Que tanto tens das aves o desgarre

como o expectante frémito do tigre

tanto o céu indiviso que há nas águas

quanto o múltiplo fogo que há no trigo

Que és igual e diversa em toda a parte

Que és do próprio Universo o que o sublima

Que nasces   que te apagas  que renasces

em procura da límpida medida

Que reges o mais puro e o mais alto

do que Deus concedeu às nossa vidas


David Mourão-Ferreira


A ODE era, na antiguidade clássica, um poema lírico, normalmente de alguma extensão, e de assunto elevado e nobre, expressando sentimentos ilustres, em celebração de algum evento especial.

Para além de sentimentos sublimes e majestosos, a ode apresentava também como principais características a elaboração estrófica, bem como formalidade e nobreza no tom e no estilo, o que a tornavam algo cerimoniosa.

Explique:

  •  A função das apóstrofes 

  • As múltiplas metáforas

  • A relação de interlocução

Redija um texto que sintetize o pensamento do poema em relação à MÚSICA.


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GRUPO I 

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada. 

                                                                                 Parte A 

Leia o texto. 


Na minha alma ignóbil e profunda registo, dia a dia, as impressões que formam a substância externa da minha consciência de mim. Ponho-me em palavras vadias, que me desertam desde que as escrevo, e erram, independentes de mim, por encostas e relvados de imagens, por áleas de conceitos, por azinhagas de confusões. Isto de nada me serve, pois nada me serve de nada. Mas desapoquento-me escrevendo, como quem respira melhor sem que a doença haja passado.

Há quem, estando distraído, escreva riscos e nomes absurdos no mata-borrão de cantos entalados. Estas páginas são rabiscos da minha inconsciência inteletual de mim. Traço-as numa modorra de me sentir, como um gato ao sol, e releio-as, por vezes, com um vago pasmo tardio, como de me haver lembrado de uma coisa que nem sempre esquecera.

Quando escrevo, visito-me solenemente. Tenho salas especiais, recordadas por outrem em interstícios da figuração, onde me deleito analisando o que não sinto, e me examino como a um quadro na sombra.

Perdi antes de nascer, o meu castelo antigo. Foram vendidas, antes que eu fosse, as tapeçarias do meu palácio ancestral. O meu solar de antes da vida caiu em ruína, e só em certos momentos, quando o luar nasce em mim de sobre os juncos do rio, me esfria a saudade dos lados de onde o resto desdentado dos muros se recorta negro contra o céu azul escuro esbranquiçado a amarelo de leite.

Distingo-me a esfinges. E do regaço da rainha que me falta, cai, como um episódio do bordado inútil, o novelo esquecido da minha alma. Rola para debaixo do contador com embutidos, e há aquilo em mim que o segue como olhos até que se perde num grande horror de túmulo e fim.

Bernardo Soares, Livro do Desassossego 



1. Explique a relação do escritor com as palavras nos três primeiros fragmentos. 
2. Explicite o sentido da seguinte afirmação “Quando escrevo, visito-me solenemente”. 
3. Identifique as metáforas utilizadas no quarto fragmento, evidenciando a respetiva intencionalidade.
4. Indique, justificando, o sentimento predominante no último fragmento.


Parte B 

Leia o poema.                       

OCIDENTE

Com duas mãos – o Acto e o Destino –
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho trémulo e o divino
E a outra afasta o véu.
Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi a alma que a ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.

Fernando Pessoa, Mensagem, Segunda Parte

5. Explique quem é que pôs termo à «noite e cerração”, justificando a alternância entre a 1ª pessoa do plural e a 3ª pessoa do singular.

6. Transcreva os versos em que o imperfeito do conjuntivo é visível, explicando a sua utilização no poema.

Parte C



Leia o texto.

MARIA (…) - Olha: (designando, o retrato d’el-rei D. Sebastião) aquele do meio, bem sabes se o conhecerei: é o do meu querido e amado rei D. Sebastião. Que majestade! Que testa aquela tão austera, mesmo dum rei moço e sincero ainda, leal, verdadeiro que tomou ao sério o cargo de reinar, e jurou que há de engrandecer e cobrir de glória o seu reino! Ele ali está… e pensar que havia de morrer às mãos de mouros, no meio de um deserto, que numa hora se havia de apagar toda a ousadia refletida que está naqueles olhos rasgados, no apertar daquela boca!... Não pode ser, não pode ser. Deus não podia consentir tal.

TELMO – Que Deus te ouvisse, anjo do céu!

MARIA – pois não há profecias que o dizem? Há, e eu creio nelas. E também creio naqueloutro que ali está (indica o retrato de Camões), aquele teu amigo com quem tu andaste lá pela Índia, nessa terra de prodígios e bizarrias, por onde ele ia… como é? Ah, sim… Nua mão sempre a espada e noutra a pena…

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa


7. Explique por que motivos o diálogo entre Maria e Telmo revela uma visão do mundo doentia e perigosa.



GRUPO I 

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada. 

PARTE A 

Leia o poema. 

Às vezes, em sonho triste 

Nos meus desejos existe 

Longinquamente um país 

Onde ser feliz consiste 

Apenas em ser feliz. 

Vive-se como se nasce 

Sem o querer nem saber. 

Nessa ilusão de viver 

O tempo morre e renasce 

Sem que o sintamos correr. 

O sentir e o desejar 

São banidos dessa terra. 

O amor não é amor 

Nesse país por onde erra 

Meu longínquo divagar. 

Nem se sonha nem se vive: 

É uma infância sem fim. 

Parece que se revive 

Tão suave é viver assim 

Nesse impossível jardim. 

 Fernando Pessoa, 21-11-1909 



1. De acordo com o sujeito poético, enuncie três condições para se ser feliz.

2. A felicidade parece, no entanto, não estar ao alcance do sujeito poético. Indique três motivos.

3. Explique o sentido da última estrofe.

PARTE B 

Leia o soneto Antero de Quental. Se necessário consulte as notas.                                                                      


Razão, irmã do Amor e da Justiça,

Mais uma vez escuta a minha prece.

É a voz dum coração que te apetece,

Duma alma livre, só a ti submissa.


Por ti é que a poeira movediça

De astros e sóis e mundos permanece;

E é por ti que a virtude prevalece,

E a flor do heroísmo medra e viça.


Por ti, na arena trágica, as nações

Buscam a liberdade, entre clarões;

E os que olham o futuro e cismam, mudos,


Por ti, podem sofrer e não se abatem, 

Mãe de filhos robustos, que combatem

Tendo o teu nome escrito em seus escudos.

                                

NOTAS
hino: composição musical com letra apropriada para celebrar alguém ou alguma coisa. prece: oração; invocação a Deus ou aos santos.
apetece (r); desejar, cobiçar.
viça (r): viceja; torna viçoso; ganha força, vigor.
arena: lugar coberto de areia, onde combatiam os gladiadores.


4. A apóstrofe e a anáfora são dois processos estilísticos utilizados pelo Poeta para celebrar a Razão. Exemplificando, destaque a expressividade de cada um deles. 
5. Indique três propriedades da Razão que impressionam o sujeito poético. 
6. Explique o sentido dos versos “Por ti, na arena trágica, as nações / Buscam a liberdade, entre clarões”

PARTE C 

7. Fernando Pessoa, ao longo da sua obra, insiste em distinguir o sentir do pensarEscreva uma breve exposição sobre a importância dessa distinção na poesia de Fernando  Pessoa ortónimo.



Prova de Frequência de Didáctica do Português

I

1.      Como é que o professor deve gerir a progressão das aprendizagens, praticando a pedagogia das situações-problema?
 
2.      «Na aula de Português, a diversidade cultural e linguística dos alunos e do meio pode ser abordada de modo a promover a reflexão sobre o funcionamento da (s) língua (s) e contribuir para a formação pessoal e social dos alunos, no quadro de uma efectiva educação linguística
Feytor-Pinto (1997 e 1998)
 
-          Que conhecimentos (e atitudes) é que são exigidos ao professor para que o desiderato enunciado por Feytor-Pinto seja efectivamente satisfeito?
 
3.      Explique por que motivos o texto literário não deve ser considerado como “uma área apendicular ou como uma área perifericamente aristocrática da disciplina de Português.” (Vítor Aguiar e Silva, Comunicação, 1998)
 

II

 

A Baixa estava quase deserta, mas no Rossio havia gente. À porta de um café pediu as horas: Onze! Se fosse viva, a estas horas estava ela a dormir.... Angustiado, atravessou a praça e, sem medo nenhum, abordou um polícia: Se não tinha visto uma velhota assim-assim... O homem riu-se: Tu andas na gandaia, e se calhar ela lá em casa ralada, à tua espera! Mas ora deixa cá ver: pelos sinais.... Anda daí. Levou-o ao posto do Nacional. Nunca tinha visto tantas caras de polícias juntas, a olhar para ele. A velha das cautelas? Um cabo pôs-lhe a mão na cabeça e falou para os outros: Se é a que foi atropelada ali à Betesga.... Acompanha-o tu ao Governo Civil, disse ele a um dos guardas...

            Atropelada? a sua velha?! Podia lá ser! Viu-a rotinha, enlameada, empastada de sangue, as cautelas a tremer na mão. Não, não, pelo amor de Deus! Subiram juntos o Carmo e o Chiado, calados, ele com a imagem dela diante dos olhos. A chuva tinha aliviado, o pavimento viscoso reluzia, a noite parecia molhada de lágrimas. Tremiam-lhe os beiços, nem pôde responder a uma ou duas perguntas que o guarda acabou por lhe fazer. Alguém parou a indagar: uma criança daquela idade, em noite de Natal... Talvez perdida? Nem ouviu o que ele disse.

            À porta do Governo Civil havia grupos de polícias. Entraram. Um chefe com muitos galões de prata interrogou-o, primeiro a sorrir, depois com ar de pena. (Afinal, um polícia também pode ter coração!) A tua velha, rapaz... Ela tinha uma medalhinha que parecia de prata, ao pescoço? De prata sim senhor, era isso mesmo! Era ela. A sua velha. O choro rompeu-lhe tão forte que o não deixou dizer mais nada. Talvez levá-lo à Morgue, não? lembrou um dos homens.

            Esta ideia aterrou-o, secou-lhe os olhos. Ver aquela cara tão sua conhecida, contraída de sofrimento, talvez desfigurada... O corpo enrodilhado, nuazinha – sim, dizem que eles despem a gente, cortam-nos com a faca! Teve medo e vergonha. Não, não, à Morgue não! Eu vou a casa, vou ver, temos vizinhos... deu a morada. Convenceu os polícias, deixaram-no ir. Não te percas, miúdo, vai direito a casa!

            Sim, sim, vai para casa, eles falam bem! Mas eles têm a sua casinha quente, com luz, mulher e filhos, alegres em noites de Natal. E eu? Eu.... Via a casa escura e vazia no bairro tortuoso, o lume apagado, sem carinhos, sem festas, sem ceia. Miúdo – sim, via agora bem que era pequeno, e chegara a julgar-se taludo! Sozinho! Nem pai nem irmãos, nem amigos, nem a sua velha. As ruas... De repente pensou no Menino Jesus e apertou os punhos, ergueu os olhos: Quem manda nisto, ah quem manda!... Sim, esse tinha mãe, um berço de palhas, calor, presentes, adoração! Nas igrejas e nas montras. E eu... Eu é que não tenho nada. (Tinha a moedinha de prata, apertou-a com força.) Sentiu dentro de si uma coisa sem nome, que o queimava e lhe secava o pranto, e lhe apagava a fome.

A casa é que eu não torno. Desceu as ruas, acelerado. Um sino bateu horas algures – já meia-noite! À porta duma igreja, caverna de oiro e luz e música, havia um magote de pessoas: nem parou. No Terreiro do Paço, imenso e claro debaixo do céu nublado, nem vivalma. Passou a estátua, como um jazigo de luxo. As luzes dos barcos de guerra ancorados tremulavam no Tejo. A chuva parou quase de repente. Deixara-lhe o cabelo empastado, mas ora, disse ele, quero eu cá saber, já não tenho quem ralhe comigo. Ainda soluçava a espaços, mas levava os olhos enxutos. Um vapor apitou, rouco e lúgubre, e ele gostou de o ouvir: parecia chamá-lo.

José Rodrigues Miguéis, extracto de Festa Sem Fim, Seara Nova, 1922 

1.      Mostre, com base no extracto de Festa Sem Fim, que conteúdos selecionaria para desenvolver a competência narrativa de um aluno do 8º ano de escolaridade, nos seguintes domínios:

      ·         Falar;
·         Ler;
·         Funcionamento da língua;
·         Funcionamento do discurso.

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I

 

            ERA UMA VEZ um gigante, enorme gigante, que vivia num al­tíssimo palácio, a meio da pradaria em que os ventos para­ram. O gigante tinha pomares e tinha hortas e tinha vinhas.
            "É demasiada fartura", pensou, enquanto se aquecia à lareira em que se queimavam robles inteiros. "Falta-me um tanto de sacrifício".
            E desde logo decidiu prescindir do braço direito, assim jurou, e para sempre o deixou bambo e pendido.
            A grande sala do palácio era fria, formavam-se bolores brancos nos ângulos mais altos. De forma que o gigante sentia-se muito só e resolveu cobrir todas as paredes de espelhos. Mas o frio não passava e breve se enfadou daquela grande figu­ra multiplicada que sorria quando ele sorria, falava quando ele falava, mexia quando ele mexia.
            Fez por arranjar companhia e teve-a.
            Primeiro, uma pequena bailarina que rodopiava o dia inteiro sobre a mesa, sobre os móveis. Mas o gigante, por distração, esmagou-a debaixo do cotovelo.
            Depois, um pequeno faquir, que levava o tempo a meditar, sereno. Mas o gigante, por distração, esqueceu-se dele em cima de um aparador e o faquir morreu de fome e ficou-se seco, mumificado.
            Depois, um pequeno homem alado que revoluteava por toda a parte, em voo grácil de asas verdes. Mas o gigante, por distração, deixou aberta a bandeira de uma janela e o homem alado nunca mais regressou.
            "Não haja dúvidas, não sirvo para companhias", refletiu o gigante. E determinou viver só.
            Ora, voltava um dia das suas adegas e trazia debaixo do braço esquerdo uma enorme ânfora com vinho, quando ao passar junto às margens do ribeiro que corre pela planície viu vir um jovem, cambaleando, de túnica rota e armadura fendida. Ao lon­ge, tropel de cavalos levantava poeiras.
O jovem entrou penosamente até meio da ribeira. O gigante distinguia-lhe a face, coberta de lama e sangue.
- Ei! - bradou o moço. - Leva-me contigo e defende-me, que filho de rei sou!
            - Não posso - disse o gigante. - Decidi viver só.
            - Então dá-me a tua mão e ajuda-me a passar...
            - Não posso, que derramava o vinho.
            - A outra mão!
            - Não posso, que decidi não a usar.
            Exausto, o jovem arrastou-se para a outra margem, onde já um esquadrão de cavaleiros negros o esperava, de lança enris­tada.
            Seguindo o seu caminho, pensava o gigante:
            "Preocupa-me tanto, aquele mancebo..."
Mário de Carvalho, Fabulário, & etc., 1984

1.      Tendo como objetivo desenvolver a competência narrativa de uma turma do 8º ano de escolaridade, faça uma proposta de actividades com incidência nos seguintes domínios:
 
·         Falar;
·         Ler;
·         Funcionamento da língua;
·         Funcionamento do discurso.
 
Nota: O texto de Mário de Carvalho deve ser o suporte fundamental para a construção das actividades. Sempre que possível deve fundamentar as suas opções.

 

II 

1.      Porque é que é fundamental que o professor tenha uma visão longitudinal dos objetivos de ensino?

2.       Comente a seguinte afirmação de Cardinet, 1990:

Gerir o ensino (...) é propor uma política que assegure a coerência dos actos educativos e que o faça os convergir para finalidades comuns.

3.      Explique por que motivos “os textos literários lidos e estudados na disciplina de Português do ensino básico e do ensino secundário (...) devem ser sempre textos de grande qualidade literária, isto é, no sentido mais lídimo da expressão, textos canónicos. (Vítor Aguiar e Silva, Comunicação, 1998)

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    Agora, sim, podem partir. O padre Bartolomeu Lourenço olha o espaço celeste descoberto, sem nuvens, o sol que parece uma custódia de ouro, depois Baltasar que segura a corda com que se fecharão as velas, depois Blimunda, prouvera que adivinhassem os seus olhos o futuro. Encomendemo-nos ao Deus que houver, disse-o num murmúrio, e outra vez num sussurro estrangulado, Puxa, Baltasar, não o fez logo Baltasar, tremeu-lhe a mão, que isto será como dizer Fiat, diz-se e aparece feito, o quê, puxa-se e mudamos de lugar, para onde. Blimunda aproximou-se, pôs as duas mãos sobre a mão de Baltasar, e, num só movimento, como se só desta maneira devesse ser, ambos puxaram a corda. A vela correu toda para um lado, o sol bateu em cheio nas bolas de âmbar, e agora, que vai ser de nós. A máquina estremeceu, oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente perdido, ouviu-se um rangido geral, eram as lamelas de ferro, os vimes entrançados, e de repente, como se a aspirasse um vórtice luminoso, girou duas vezes sobre si própria enquanto subia, mal ultrapassara ainda a altura das paredes, até que, firme, novamente equilibrada, erguendo a sua cabeça de gaivota, lançou-se em flecha, céu acima. Sacudidos pelos bruscos volteios, Baltasar e Blimunda tinham caído no chão de tábuas da máquina, mas o padre Bartolomeu Lourenço agarrara-se a um dos prumos que sustentavam as velas, e assim pôde ver afastar-se a terra a uma velocidade incrível, já mal se distinguia a quinta, logo perdida entre as colinas, e aquilo além, que é, Lisboa, claro está, e o rio, oh, o mar, aquele mar por onde eu, Bartolomeu Lourenço Gusmão, vim por duas vezes do Brasil, o mar por onde viajei à Holanda, a que mais continentes da terra e do ar me levarás tu, máquina, o vento ruge-me aos ouvidos, nunca ave alguma subiu tão alto, se me visse el-rei, se me visse aquele Tomás Pinto Brandão que se riu de mim em verso, se o Santo Ofício me visse, saberiam todos que sou filho predilecto de Deus, eu sim, eu que estou subindo ao céu por obra do meu génio, por obra também dos olhos de Blimunda, se haverá no céu olhos como eles, por obra da mão direita de Baltasar, aqui te levo, Deus, um que também não tem a mão esquerda, Blimunda, Baltasar, venham ver, levantem-se daí, não tenham medo.

    Não tinham medo, estavam apenas assustados com a sua própria coragem. O padre ria, dava gritos, deixara já a segurança do prumo e percorria o convés da máquina de um lado para o outro para poder olhar a terra em todos os seus pontos cardeais, tão grande agora que estavam longe dela, enfim levantaram-se Baltasar e Blimunda, agarrando-se nervosamente aos prumos, depois à amurada, deslumbrados de luz e de vento, logo sem nenhum susto, Ah, e Baltasar gritou, Conseguimos, abraçou-se a Blimunda e desatou a chorar, parecia uma criança perdida, um soldado que andou na guerra, que nos Pegões matou um homem com o seu espigão, e agora soluça de felicidade abraçado a Blimunda, que lhe beija a cara suja, então, então. O padre veio para eles e abraçou-se também, subitamente perturbado por uma analogia, assim dissera o italiano, Deus ele próprio, Baltasar seu filho, Blimunda o Espírito Santo, e estavam os três no céu, Só há um Deus, gritou, mas o vento levou-lhe as palavras da boca. Então Blimunda disse, Se não abrirmos a vela, continuaremos a subir, aonde iremos parar, talvez ao sol.

José Saramago, Memorial do Convento, (1982) pág.195 a 197, Caminho, 16ª edição.

  

Questionário

1.       Qual foi o gesto que pôs a “máquina” em movimento?

2.       Que simbolismo atribuis a esse mesmo gesto?

3.       Como é que a tripulação reagiu ao arranque súbito da “máquina”?

4.       O que é que o padre Bartolomeu pôde ver, pela primeira vez, do “alto”?

5.       Que pensamentos é que o padre associou a essa “visão”?

6.       A que tipo de instituição é que o padre se refere ao falar do Santo Ofício?

7.       Explica o sentido da seguinte frase: “Não tinham medo, estavam apenas assustados com a sua própria coragem.”

8.       Como é que a tripulação celebrou o êxito da missão?

9.       Com base nos elementos fornecidos pelo texto, caracteriza cada uma das três personagens – retrato físico, psicológico e cultural.

10.    De modo a apresentares oralmente este texto à tua turma, indica os tópicos que abordarias.

11.    A “máquina” voadora lembra, no modo como é descrita, uma “ nau”. Indica todas as palavras de que o Autor se serviu para criar essa analogia.

12.    Neste texto são feitas várias referências a “Deus” e ao “céu”. Como é que o narrador no-los apresenta?

 

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Época Trovadoresca
Teste 
Texto A
Como vivo coitada, madre, por meu amigo,
ca m’enviou mandado que se vai no ferido:
e por el vivo coitada!

Como vivo coitada, madre, por meu amado,
ca m’enviou mandado que se vai no fossado:
e por el vivo coitada!

Ca m’enviou mandado que se vai no ferido,
eu a Santa Cecília de coraçon o digo:
e por el vivo coitada!

Ca m’enviou mandado que se vai no fossado,
eu a Santa Cecília de coraçon o falo:
e por el vivo coitada!
Martim de Ginzo

Texto B
Pois naci nunca vi Amor,
e ouço d’el sempre falar.
Pero sei que me quer matar,
mais rogarei a mia senhor
que me mostr’ aquel matador,
ou que m’empare d’el melhor.
Pero nunca lh’eu fige ren
por que m’el  aja de matar,
mais quer’ eu mia senhor rogar, 
polo gran med’en qu’ me ten,
que me mostr’aquel matador,
ou que m’ampare d’el melhor.
Nunca me lh’eu ampararei,
se m’ela d’el non amparar;
mais quer’eu mia senhor rogar,
polo gran medo que d’el ei,
que mi - amostr’ aquel matador,
ou que mi - ampare d’el melhor.
E pois Amor á sobre mi
de  me matar tan gran poder,
e eu non o posso veer,
rogarei mia senhor assi,
que mi - amostr’ aquel matador,
ou que m’ampare del melhor.
Nuno Fernandes Torneol

Questionário
1. Lê atentamente estas duas cantigas e integra-as no respectivo sub-género, tendo em conta:
- o locutor
- o tema
- a disposição estrófica
- a métrica e a acentuação
- a origem
2. Observa novamente as duas cantigas, enquanto documentos importantes para a história da Língua Portuguesa.
2. 1. Em que língua foram escritas?
2.1.1. Qual a relação desta língua com a língua portuguesa?
2.2. Identifica quatro arcaísmos, e explica o respectivo significado.
2.3. Explica a evolução semântica das palavras madre e matador.
2. 4. Explicita os valores social e literário da palavra senhor.    


Teste 
            Texto A
Amad’ e meu amigo, 
valha Deus!
vede la frol do pinho
e guisade d’andar.
Amigu’ e meu amado,
valha Deus!
vede la frol do ramo
e guisade d’andar.
Vede la frol do pinho,
valha Deus!
selad’o baiozinho
e guisade d’andar.
Vede la frol do ramo,
valha Deus!
selad’ o bel cavalo
e guisade d’andar.
Selad’ o baiozinho,
valha Deus!
Treide-vos, ai amigo,
e guisade d’andar.
( selad’ o bel cavalo,
valha Deus!
treide-vos, ai amado,
e guisade d’andar. )

Texto B 

Amado e meu amigo,
           valha-vos Deus!
Vede esta flor de pinho
e tratai de andar.
Amigo e amado,
          valha-vos Deus!
vede esta flor do ramo
e tratai de andar
Vede esta flor de pinho
           valha-vos Deus!
Selai o baiozinho
e tratai de andar.
Vede esta flor de ramo,
              valha-vos Deus!
Selai vosso cavalo
e tratai de andar.
Selai o baiozinho,
           valha-vos Deus!
Apressai-vos, amigo
e tratai de andar.
Selai vosso cavalo
          valha-vos Deus!
Apressai-vos, amado
e tratai de andar.
 
Questionário

-  Lê atentamente os dois textos e responde de forma concisa às seguintes questões:
1. O texto A é uma cantiga de amigo ou uma cantiga de amor?
1.1. Indica duas marcas justificativas da tua opção.
2. Tendo em conta as funções da linguagem, aponta as funções predominantes, justificando.
3. Explicita o tema desta composição.
4. Compara as duas primeiras estrofes dos textos A e B e indica os vocábulos que foram alterados ou substituídos.
4.1. Como é que costumas designar os segundos?
5. Define o que entendes por estudo diacrónico da língua.  

 

GRUPO I

 

Texto

A

 

- Ai madr', o que me namorou

foi-se noutro dia daqui

e, por Deus, que faremos i?

Ca namorada me leixou.

       - Filha, fazed'end'o melhor:

       pois vos seu amor enganou,

       que o engane voss'amor.

 

- Ca me nom sei [i] conselhar,

mia madre, se Deus mi perdom.

- Dized', ai filha, por que nom?

Quero-me vo-lo eu mostrar:

       filha, fazed'end'o melhor:

       pois vos seu amor enganou,

       que o engane voss'amor.

 

Que o recebades mui bem,

filha, quand'ante vós veer,

e todo quanto vos disser

outorgade-lho e, por en,

       filha, fazed'end'o melhor:

       pois vos seu amor enganou,

       que o engane voss'amor.

Pero da Ponte

 

1.    Determina a relação de interlocução nesta cantiga.

2.    Do que é que o sujeito lírico se queixa?

3.    Qual é o conselho dado pelo interlocutor?

4.    Explica a razão da indecisão da “amiga”.

5.    Transcreve cinco palavras que sejam próprias do português antigo.

6.   Faz a análise da estrutura formal desta cantiga de amigo (estrofes, métrica, rima, refrão).

B

Entregamo-nos com razão a salvar toda a espécie de aves, de insetos, de árvores, de plantas, de criaturas grandes e pequenas, ameaçadas de desaparição, ainda que bem vivas.

Raras são as pessoas emocionadas pela desaparição das palavras. No entanto, elas estão mais próximas de nós do que qualquer coleóptero. Estão na nossa cabeça, diante dos nossos olhos, na ponte da língua, nos nossos livros, na nossa memória.

Bernard Pivot

 

1.    Do teu ponto de vista, e considerando que a língua é essencial à construção da identidade de cada um de nós, explica se concordas ou discordas de Bernard Pivot. (No máximo, 10 linhas.)

GRUPO II

A - CANAL (Verbete do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora):1 passagem natural ou artificial de águas 2 comunicação estreita entre dois mares (estreito) 3 braço de rio por onde se desviam águas 4 cano; tubo 5 mecanismo que permite, em processo de comunicação, a transmissão da mensagem do emissor para o recetor 6 faixa de frequência de determinada estação de rádio, de televisão 7 estação de rádio ou televisão 8 cavidade mais ou menos estreita e alongada, por onde passam ou onde se alojam certas substâncias, nervos, vasos, etc., num organismo, como canal lacrimal, canal excretor, canal raquidiano, etc.9 meio, via 10 intermediário.

 

1.    Quantas aceções da palavra «canal» encontras nesta entrada de dicionário?

2.    Qual é o sentido comum entre as diferentes aceções?

3.    Indica se, para cada par de frases (A a C), a afirmação é verdadeira (V) ou (F).

     AFIRMAÇÃO: «As palavras sublinhadas têm o mesmo sentido nas duas          frases.»

A

Morreu, esta quinta-feira, o jornalista da RTP Rui Tovar, um dos mais conhecidos rostos do desporto do canal público de televisão.

Jornal de Notícias, 03.07.2014

As obras de ampliação do Canal do Panamá, o "atalho" que desde 1913 liga o oceano Atlântico ao Pacífico, chegaram finalmente ao fim e a versão agora remodelada foi inaugurada este domingo.

(26.06.2016)

B

O nervo é comprimido dentro do túnel cárpico, um canal ósseo no lado da palma do pulso que fornece a passagem para o nervo mediano à mão.

O canal lacrimal comunica a superfície ocular com o nariz e é por este canal que a maior parte da lágrima é drenada.

C

Coreia do Norte anuncia que fecha seu único canal diplomático com EUA. (11.07,2016)

Esteiro é um canal pouco profundo de fundo lodoso que enche e alaga com a maré.

 

4.    Nos enunciados anteriores, a palavra sublinhada é monossémica ou polissémica?

a.    E integra o mesmo campo …………………………….

   B- A palavra exata.

Lista de palavras: insólito, limitado, estrangeirado, deturpado, pouco cuidado, usual, pouco vulgar, pomposo, ambíguo, requintado, correcto, com pessoalismos, vazio, monologal, figurado, aberto, fechado, obsceno.

Escolhe, pelo menos, três termos (ou locuções) que sejam adequados à definição de cada nível de língua:

 

Níveis de língua

Léxico

Língua popular

 

Língua familiar

 

Língua comum

 

Língua culta

 

Língua oratória

 

Língua técnico-científica

 

 

 ++++++++ 
GRUPO I

Leia o excerto.
Ele cedeu à suplicação humilde e enternecedora dos seus olhos arrasados de água: e sentou-se ao outro canto do sofá, afastado dela, numa desconsolação infinita. Então, muito baixa, enrouquecida pelo choro, sem o olhar, e como num confessionário – Maria começou a falar do seu passado, desmanchadamente, hesitando, balbuciando, entre grandes soluços que a afogavam, e pudores amargos que lhe faziam enterrar nas mãos a face aflita.
A culpa não fora dela! Não fora dela! Ele devia ter perguntado àquele homem que sabia toda a sua vida… Fora sua mãe… Era horroroso dizê-lo, mas fora por causa dela que conhecera e que fugira com o primeiro homem, o outro, o irlandês… E tinha vivido com ele quatro anos, como sua esposa, tão fiel, tão retirada de tudo e só ocupada da sua casa, que ele ia casar com ela! Mas morrera na guerra com os Alemães, na batalha de Saint-Privat. E ela ficara com Rosa, com a mãe já doente, sem recursos, depois de vender tudo… Ao princípio trabalhara… Em Londres tinha procurado dar lições de piano… Tudo falhara, dois dias vivera sem lume, de peixe salgado, vendo Rosa com fome! A pobre criança com fome! Com fome! Ah, ele não podia perceber o que isto era!... Quase fora por caridade que as tinham repatriado para Paris… E aí conhecera Castro Gomes. Era horrível, mas que havia de ela fazer! Estava perdida…
Lentamente escorregara do sofá, caíra aos pés de Carlos. E ele permanecia imóvel, mudo, com o coração rasgado por angústias diferentes: era uma compaixão trémula por todas aquelas misérias sofridas, dor de mãe, trabalho procurado, fome, que lha tornavam confusamente mais querida; e era horror desse outro homem, o irlandês, que surgia agora, e que lha tornava de repente mais maculada…
Ela continuava falando de Castro Gomes. Vivera três anos com ele, honestamente, sem um desvio, sem um pensamento mau. O seu desejo era estar quieta em sua casa. Ele é que a forçava a nadar em ceias, em noitadas…
E Carlos não podia ouvir mais, torturado. Repeliu-lhe as mãos, que procuravam as suas. Queria fugir, queria findar!...
Eça de Queiroz, Os Maias: episódios da vida romântica, Lisboa, Livros do Brasil.

1. Explicite a expressividade da pontuação e das repetições, no segundo parágrafo do excerto.
2. Demonstre que Carlos vivencia uma dualidade de sentimentos perante as revelações de Maria Eduarda acerca do seu passado.

A “mulher” constitui uma temática recorrente desde os primórdios da literatura portuguesa.

- Redija uma breve exposição sobre o confronto a que se pode assistir relativamente ao papel da mulher na Farsa de Inês Pereira.

A sua exposição deve incluir:

· uma introdução ao tema;
· um desenvolvimento onde demonstre os diferentes modos como a mulher é perspetivada;
· uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

GRUPO II
Leia o texto.

Carta ao aluno que não lê Os Maias

O calhamaço que te obrigam a ler na escola está velho. Foi escrito há 130 anos, é pois, natural que te pareça demasiado pesado, um cadáver de papel do qual queres livrar-te o mais rapidamente possível.
Só o facto de te meterem o livro à frente, de o analisarem contigo, pior, de o limitarem àquele tipo de estudo muito vazio que visa o exame, só isso já te estraga a vontade. A mim também estragou. Mas repara: o Eça não tem culpa de o submeterem à burocracia do ensino, de o terem posto nessa camisa de forças, e de te obrigarem a ti, que tens mais que fazer, a acatar ordens.
Talvez por te sentires encurralado, preferes trocar apontamentos nos corredores, pedir os esquemas ao idiota útil que até conseguiu ler a obra toda, ou, mais simples, talvez te decidas pelos primeiros cinco resultados no Google. Estes falam das características físicas e psicológicas das personagens, dão-te resumos de cada capítulo, expõem a biografia do Eça – esse escanzelado de monóculo –, explicam a analepse inicial, sempre gigantesca, mostram laivos da vida do século XIX, e descrevem o virar do Romantismo para o Realismo. Mas que te interessa a ti como viviam as pessoas daquela época? De facto, concluis tu, só um parvo pode achar que este livro tem qualquer interesse.
Os bons professores libertam-se dos formalismos do ensino burocrático e são generosos a ponto de te mostrarem Os Maias a outra luz, apesar de perceberem que tentas ignorá-los. Querem mostrar-to não como livro-montanha, uma seca difícil de escalar, mas sim como porta para a descoberta.
Se te mantiveres na tua, até podes acabar o ano letivo com uma nota decente no exame e a consciência tranquila. Mas confessa lá, sê honesto. Apesar dos muitos preconceitos, aposto que algures entre os teus afazeres já surgiu uma suspeita inquietante.
Por isso levantas-te, resgatas o livro e passas além de “A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa no outono de 1875, era conhecida na rua de São Francisco de Paula e em todo o bairro das janelas verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete.”
Quando dás por ti, estás em pleno ritual de passagem, cativado por essa coisa maravilhosa e produtiva chamada curiosidade; quando chegas a meio, percebes que o medo do desconhecido, que até então te constrangia, caracteriza quem evita crescer; e ao acabares, até sorris.
Descobriste que a ironia é uma forma de realçar incongruências, que a cultura é insignificante se não entrarmos a fundo na vida (Carlos da Maia, a quem tudo foi dado, nada fez), que o humor ilumina os momentos mais tensos (Vilaça a buscar o chapéu em plena conversa difícil), e que a procura de projeção social sem substância é ridícula (quantos Dâmasos Salcede não existem no Instagram?), entre tantos outros exemplos.
Tal como te avisaram, percebes que ainda hoje muitas das pessoas que ali encontras se repetem, não porque a nossa sociedade seja igual à do século XIX, mas porque o ser humano continua o mesmo, e o Eça conseguiu captá-lo na sua universalidade.
Se ainda não estiveres convencido, asseguro que este livro, embora calhamaço, te vai dar simplesmente o prazer único e memorável de uma boa história.
Enquanto tens esse prazer, usas o melhor dos músculos. O mais potente. Exercitas o cérebro contra a superficialidade, conheces os fios que cosem o dia a dia, enriqueces o raciocínio – vais ganhando experiência. Na verdade, precisas de muitas vidas para viver a tua vida, e podes encontrá-las nos livros.
A tua obrigação não é para com a escola, os professores, a nota. A tua única obrigação é para contigo, para com o teu próprio crescimento, e obras como Os Maias e escritores como o Eça de Queiroz dão-te armas para o futuro.
Se suspeitares disto e mesmo assim decidires não ler, preferindo resumos que esquecerás logo depois do exame, paciência. Tu é que ficas a perder.
Afonso Reis Cabral, Visão, nº 1342, 22/11/2018 (com supressões).

1. A expressão “camisa de forças”, no contexto em que é usada, transmite a ideia de que o estudo da obra Os Maias, nas escolas, é frequentemente

(A) condicionado e desmotivante.

(B) limitado, mas interessante.

(C) desatualizado e redutor.

(D) rigoroso, mas enriquecedor.


2. Na opinião de Afonso Reis Cabral, a leitura de Os Maias permite

(A) desenvolver o raciocínio e melhorar o vocabulário.

(B) exercitar o cérebro e experienciar vivências enriquecedoras para o futuro.

(C) conhecer uma intriga interessante, o Romantismo e o Realismo.

(D) perceber melhor o mundo atual e ter uma boa nota no exame.

3. No segmento “um cadáver de papel do qual queres livrar-te o mais rapidamente possível”  está presente

(A) um oxímoro.

(B) uma anástrofe.

(C) uma ironia.

(D) uma metáfora.

4. O elemento sublinhado no segmento textual “apesar de perceberem que tentas ignorá-los”assegura a coesão

(A) gramatical frásica.

(B) gramatical interfrásica.

(C) lexical por reiteração.

(D) gramatical referencial.


5. Em “percebes que o medo do desconhecido, que até então te constrangia” , os elementos sublinhados correspondem a

(A) dois pronomes relativos.

(B) um pronome relativo e a uma conjunção, respetivamente.

(C) duas conjunções subordinativas.

(D) uma conjunção e a um pronome relativo, respetivamente.


6. Indique a função sintática desempenhada pelo pronome pessoal nas seguintes frases:

a) “que até então te constrangia” .

b) “escritores como o Eça de Queiroz dão-te armas para o futuro.” 


7. Classifique a oração subordinada que integra o segmento “aposto que algures entre os teus afazeres já surgiu uma suspeita inquietante.."


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