14.10.15

Assim estamos nós!

Cresci, por um tempo, num lugar onde o galinheiro não se misturava com a coelheira, pelo menos na hora da deita.
Depois de tanto tempo a separar as espécies, chegou a hora da miscigenação - o que me parece de grande sensatez, até porque nunca entendi a razão de ser das fronteiras, dos muros, do arame farpado...
Há, no entanto, um problema, uma maldição divina! Por mais que finjam, não falam a mesma linguagem, embora tenham o mesmo objetivo: conquistar ou manter o poder.
Recordo ainda o tempo em que, não muito longe do galinheiro e da coelheira, havia uma pocilga sem grande expressão - uma pocilga doméstica. A espécie que lá vivia não era esquisita. Comia tudo o que lhe fosse colocado à frente.

Assim estamos nós! Parece que alguém abriu arca e soltou a besta que nos habita... e a Babel pouco mais é do que um perímetro doméstico, repleto de ruínas... 

13.10.15

As três fontes do sofrimento

«O sofrimento nos ameaça a partir de três direcções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.»

Dito de outro modo:

«Já demos a resposta pela indicação das três fontes de que nosso sofrimento provém: o poder superior da natureza, a fragilidade dos nossos próprios corpos e a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade.»
                               Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág. 25 e pág. 37, Imago editora, 2002.

Sempre que encontramos um amigo, um conhecido, lá surge a pergunta: - Como é que vai? E a inevitável resposta: - Vamos andando...
No entanto, a cortesia, nas reticências, acaba por deixar escapar um sinal de desilusão. De perda! 
De perda da juventude e da saúde, de isolamento na natureza indiferente e, por vezes, hostil. E, sobretudo, de vazio porque a sociedade em que vivemos deixou de valorizar o trabalho, a experiência e o conhecimento.
A sociedade já não é constituída por pessoas, mas por números. Por símbolos sem referência, e como tal somos pessoas descartáveis.


12.10.15

Arrumar o PS de fora para dentro...

Compreendo que o António Costa fuja da direita como o diabo da Cruz. Também compreendo que queira meter no bolso o Bloco e o PC, embora a esperteza me pareça sórdida e perigosa. Só não entendo que queira arrumar o PS de fora para dentro!

Lembra aqueles generais que só invadindo território estrangeiro alcançaram a Fama, mas que, feitas as contas, destruíram mais do que construíram.

Infelizmente, neste sorumbático país, os líderes partidários continuam a agir não em nome do bem comum, mas do vil interesse...

11.10.15

Não me sinto abolfeta (resgatado)

Quando o tempo começa a faltar, há quem decida dedicar-se a tarefas improváveis e inúteis. Por exemplo, construir uma base de dados pessoal - catálogo de existências bibliográficas - o que me transforma num manuseador do pano do pó e num ordenador de espécies que andavam à deriva...

No meu caso, para além da morosidade da tarefa, sinto que estou numa fase de revisitação de autores, obras, editores... e até de descoberta de existências inesperadas que me dão conta da fragilidade da memória, apesar de Freud ensinar que o nosso cérebro nada esquece: é preciso é escavar um pouco, como acontece em qualquer cidade antiga... Deitamos um tabique abaixo e logo surgem vestígios da cidade de outro(s) tempo(s)...
Concluído o registo 1067, abro o Vocabulário Português de Origem Árabe, de José Pedro Machado, percorro verbete a verbete, cada vez mais ciente de que temos andado a branquear as raízes árabes, e aterro no termo ABOLFETA: antr. que ocorre em documento de 1025 (Dipl.,pág.159). Do ár. abū-l-fidā, à letra, «Pai do resgate», isto é «o resgatado».

Confirmo, assim, que o resgate é também ele coisa antiga, anterior ao tempo dos cativos mais famosos, como, por exemplo, o Infante Santo. E, sobretudo, infiro que nem sempre o «pai do resgate» coincide com «o resgatado», embora devesse...
Parece que andamos esquecidos que pouco temos feito para pagar o resgate, ao contrário, por exemplo, dos islandeses que já se viram livres do FMI.



10.10.15

Ainda Marcelo, a sereia

Melhor seria que Marcelo Rebelo de Sousa tivesse explicado o que é que Portugal lhe deu e que, na verdade, não deu a muitos outros portugueses...
Este Marcelo urbano, que insiste nas raízes provincianas, apresenta-se como "vítima" da perda do Império, que lhe levou a família ao Brasil, na condição de emigrante... Há neste seu Portugal uma certa tendência para confundir o exílio político com a emigração!
O Portugal de Marcelo começa a ganhar uma substância que não é a minha. E essa substância acabará por deixar de se expor nas entrelinhas para surgir num movimento político que irá colocar-se à direita da atual Coligação PSD - CDS...
A campanha dos afectos já fora ensaiada com Marcelo Caetano como antídoto para ocupar o lugar do pai tirano e austero que governara o país durante quatro décadas. 
Agora a sereia pensa que o caminho falhado por Caetano pode ser reintroduzido para substituir o esfíngico Cavaco.

9.10.15

Ecos do passado

Marcelo
Rebelo de Sousa

... o regresso do passado...

Marcelo Rebelo de Sousa, ao apresentar-se, em Celorico de Basto, como candidato a Presidente da República, retoma os laços com o Estado Novo de que o 25 de Abril não foi capaz de nos libertar.

Vamos ver se, nas próximas eleições presidenciais, surge um candidato que rompa definitivamente com o passado... 
Por enquanto, não vislumbro nenhum.

8.10.15

Temos moscambilha!

As eleições já lá vão!

Consta que o povo se pronunciou, no entanto tudo se processa como se nada tivesse acontecido ou, melhor, a dança ainda agora teve início, mas a solução há que encená-la e até dramatizá-la...

De qualquer modo, não estamos à altura dos Gregos, nem dos antigos que entendiam que o drama deveria decorrer num tempo máximo de 24 horas, nem dos modernos que, ainda há um mês, foram a votos, e sem maiorias absolutas, conseguiram em poucos dias constituir um governo.