16.4.16

Nunca fui escuteiro

As andorinhas ainda não chegaram, porém os escuteiros estão um pouco por toda a parte.
O dicionário da  Porto editora define o ESCUTEIRO como «mancebo pertencente a uma associação organizada, que se exercita em serviços humanitários e se prepara para a defesa da Pátria.»
A definição parece-me um pouco retrógrada: ignora as mancebas; confunde o escutismo com o voluntariado; revela uma matriz militar...
Eu nunca fui escuteiro, embora tenha sido seminarista, voluntário à força, tenha cumprido o serviço militar, campista e caravanista...
Bem vistas as coisas, só me falta ser escuteiro, mas creio que o melhor seria começar por rever a definição do termo...

15.4.16

espirro com letra minúscula

espirro com letra minúscula
(nunca atribui grande dignidade ao espirro)
a verdade é que raramente espirro
só que quando espirro a carcaça desfaz-se...
(...)
 talvez seja por isso que perco a paciência
(de mim todos esperam que seja paciente
há mesmo quem pense que nasci paciente)
só que ninguém ouve a carcaça a desfazer-se
(...)
casco velho cheio de frinchas
depois de me embebedarem os quistos
querem agora dissecar-me os gânglios
só que eu  prefiro o mar de sargaços
ou será de engaços
abstémio
disse-lhes que sim, daqui a seis meses,
sejam pacientes que eu vou ver se não espirro
(...)
se um costa incomoda muita gente
dois costas incomodam muito mais
e sobretudo um incomoda o outro

14.4.16

Não sei se...

Não sei se o atual ministro das finanças anda a esconder a verdade, mas custa-me aceitar que aqueles que, nos últimos anos,  nos mentiram diariamente venham acusar quem quer que seja de mentiroso.

Não sei se o Bloco de Esquerda não tem mais nada para fazer, mas parece. Talvez pudesse aproveitar o tempo para estudar um pouco de Gramática! Consta que o BE quer substituir o masculino pelo neutro para acabar com a discriminação. Haja paciência!

Não sei se o Almada Negreiros discriminava os ciganos, no entanto não deveria tê-los trazido à baila na guerra ao Dantas:

O DANTAS É UM CIGANO!
O DANTAS É MEIO CIGANO!

... e sobretudo não deveria ter discriminado as CIGANAS!

13.4.16

No reino da informalidade

As fronteiras podem ser uma fonte de conflitos, a história o ensina. Um pouco como a formalidade pode matar a espontaneidade e a imaginação.
Há, contudo, um certo tipo de informalidade que, como o aluvião, tende a ignorar as regras que impedem a subversão de valores e de comportamentos.
Dito de outro modo, há cada vez mais comportamentos que esmagam todo e qualquer valor.
Nem já os detentores do poder revelam ser capazes de separar a res púbica da res privata. O primeiro-ministro delega num amigo a responsabilidade de o representar em negócios equívocos.
Os exemplos são múltiplos!
Vivemos no reino da informalidade e quando tal acontece vinga a estupidez.

12.4.16

Francisco Nicholson, aluno do antigo Liceu Camões

«O ator, argumentista, escritor e encenador, Francisco Nicholson morreu esta terça-feira de manhã, 12 de abril. Internado no hospital Curry Cabral, o ator encontrava-se doente devido a complicações resultantes de um transplante hepático a que fora submetido há uns anos. 
Francisco Nicholson começou a fazer teatro aos 14 anos, no antigo Liceu Camões, sob direcção do encenador e poeta António Manuel Couto Viana, a convite do qual veio a pertencer ao Grupo da Mocidade, que integrou com, entre outros, Rui Mendes, Morais e Castro, Catarina Avelar e Mário Pereira.»

Será que a Morte prefere os dias sombrios? Há dias em que assim parece. Talvez, porque deixámos de encarar a morte como lugar de passagem ou, em alternativa, de reintegração no cosmos.  

11.4.16

Perante a soberba

Pouco posso dizer sobre as grandes questões, pois, do que conheço do passado, estas não passam  de querelas de ambiciosos sedentos de poder e de riqueza.
Por outro lado, do que conheço do presente, a maioria vive animadamente o momento, alheia aos problemas do mundo, como se vivesse num universo paralelo. E talvez viva!
Um universo que despreza o ponto de vista de quem quer que seja. Em certos dias, é mesmo necessário pedir desculpa por ainda cumprirmos o dever de explicar que o ponto de vista é o lugar a partir do qual se observa, a partir do qual se pensa... um lugar concreto, diferente sempre que ousamos mudar, aprofundar, questionar, propor outro caminho...
Perante a soberba, não querendo deixar de ser corteses, baixamos a voz, eliminamos as convicções, e resguardamo-nos nas definições.
Um destes dias, mais não faremos do que ler o manual de instruções...

10.4.16

Um poeta, ministro da cultura

Do Medo

1

Não pode o poema
circunscrever o medo,
dar-lhe o rosto glorioso
de uma fábula
ou crer intensamente na sua aura.
Nós permanecemos, quando
escurece à nossa volta o frio
do esquecimento
e dura o vento e uma nuvem leve
a separar-se das brumas
nos começa a noite.

Não pode o poema
quase nada. A alguns inspira
uma discreta repugnância.
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas
sobre a terra.
Quem reconhece a poesia, esse frio
intermitente, essa
persistência através da corrupção?
Quase sempre a angústia
instaura a luz por dentro das palavras
e lhes rouba os sentidos.
Quase sempre é o medo
que nos conduz à poesia.

2

Voltando ao medo: as asas
prendem mais do que libertam;
os pássaros percorrem necessariamente
os mesmos caminhos no espaço,
sem possibilidades de variação
que não estejam certas com esse mesmo voo
que sempre descrevem.
Voltando ao medo: o poema
desenha uma elipse em redor da tua voz
e cerca-se de angústia
e ervas bravias — nada mais
pode fazer.

Luis Filipe Castro Mendes, in "A Ilha dos Mortos"