28.2.19

Neste país de fantasia lucrativa

Acabam de me solicitar o meu contributo para a elaboração de um plano de formação contínua… Neste país avançado em que a formação não passa de uma fantasia lucrativa, de tempos a tempos, voltam à carga. 
Todas as chafaricas devem ter um plano de formação adequado às necessidades dos aguadeiros, mesmo em tempo de seca.
Desta vez, apesar da chuva que vai caindo n' O Ano da morte de Ricardo Reis - chove desde outubro de 1935 - não me sinto capacitado a não ser para contribuir para um plano de formação de descontinuação.
Aqui, com grave dor, com triste acento,
deu o triste pastor fim a seu canto;
co rosto baixo, e alto o pensamento,
seus olhos começaram novo pranto;
mil vezes fez parar no ar o vento
e apiadou no Céu o coro santo;
as circunstantes selvas se abaixaram
de dó das tristes mágoas que escutaram.
(Excerto de uma écloga de Camões, cujo 1º verso foi aproveitado por José Saramago)

27.2.19

Embaraçado

Depois de tantos anos, saído de um modelo autoritário, com uma vaga esperança de que a democracia fosse capaz de promover a cidadania, olho embaraçado para a displicência, e compreendo que, mais um desafio pueril, estou pronto para regressar à matriz…
No entanto, travo o impulso, um dia mais…

26.2.19

Dá vontade de os desemparelhar

Chegam atrasados, esperam pelo intervalo e fazem de conta que chegaram a horas, arlequins...
Sentam-se aos pares, e casos há… que têm muito que esbracejar...
Dá vontade de os desemparelhar… mas se não há campos por lavrar para quê colocar-lhes a canga… ou será o jugo?
Depois há os smartphones. Lembram-me as grilhetas do Prometeu, só que o fogo extinguiu-se. O Cáucaso para quê se ali adiante o rio corre sem saber se a água em que se banha vem do mar ou dos afluentes… E mais para sul, o casario, todas as janelas fechadas, só as obreiras apressadas titilam a rua sem saber se são varinas ou criadas… e podem-no fazer porque o deus do dilúvio se terá mudado para uma outra galáxia… Que inveja! 

25.2.19

O muro

Lembro-me de um conto de Sophia, em que, de súbito, uma fenda se abria no muro da penitenciária - ou seria da casa? - e o grito da vítima crescia até quebrar o silêncio imposto pelo estado novo…
Por estes dias, oiço que o muro do ministério da educação se tornou inexpugnável, mas não sei como, porque, na minha perspetiva, este ministério, como outros, só existe para encobrir outro… Tal, como no estado novo, quem decide é o ministro das finanças… 
Por isso, o protesto deve procurar o verdadeiro interlocutor, e o melhor é procurá-lo em Bruxelas! É lá que ele se ufana de oferecer migalhas ao povinho e distribuir milhares de milhões aos corruptos…

24.2.19

Esta noite

Esta noite vi-me numas acomodações enormes, cujos extensos corredores despejavam para os quartos centenas de convidados de um casamento. Ou seria de uma eucaristia?
Não sei onde ou se dormi, visto que nos meus olhos desfilavam ininterruptamente grupos vestidos a preceito, eles de preto e elas de branco… 
Dos noivos e do celebrante, não obtive qualquer notícia. Talvez já tivessem partido ou até desistido…
Ao fim da manhã, dei conta que os convidados se precipitavam para o almoço sob uma vasta tenda presa do azul do céu…
Sem nada entender, pus-me a caminho, olhando os grupos que apressadamente ocupavam os seus lugares. Por mais que fixasse o rosto de cada um dos comensais, todos me eram estranhos… Circulei por todas as mesas, não havia um único lugar vago… ou seria vazio?
Apesar de sentir que a minha hora ainda não tinha chegado, não pude deixar de pensar no que estaria ali a fazer, como é que tinha ali chegado… e era tudo tão carregado.

23.2.19

O elogio funambulesco

Marcelo Rebelo de Sousa: Arnaldo Matos “ficará na memória de todos como um defensor ardente da liberdade”


O que dizer das sábias palavras do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e sobretudo do seu conceito de 'liberdade'?
Tenho pena de não ter passado a escrito o que fui observando a partir de 1974. Das palavras de ordem que lembro, até as compreendo, pois a mudança só seria verdadeira se a guerra no ultramar acabasse… Tudo o resto, era alinhamento… No Liceu Passos Manuel (assim como na Faculdade de Letras de Lisboa), a guerra era entre comunistas e  maoístas, apesar do pretexto ser o combate à nova direita que abarcava tudo o que era herdeiro do estado novo, socialistas incluídos… O tempo era de saneamento após julgamento sumário…
Tudo era feito em nome da Liberdade, justa ou injustamente pouco importava. Era o tempo das novas oportunidades!

22.2.19

Somos família!

Aqui, na Lusitânia, somos família. 
O governo, para além de ser família, é constituído por duas ou três famílias - basta reparar nos apelidos…
Na cultura, é difícil ignorar o peso da família. 
Na universidade, mais do que família, é linhagem. 
Na finança e nos negócios, movem-se famílias inteiras.
Até nos tribunais e nos escritórios, os nomes de família são herança…

E quem não é família não tem futuro - basta reparar na violência…doméstica ou outra. 
As vítimas só o são, porque preferem não ser família ou foram atiradas para a dependência total da estado, do patrão, do pai, do marido, da seita, da casta, do partido, do clube…
Aqui, na Lusitânia, para o bem ou para o mal, somos família!