7.12.19

Com Nuno, guerreiro ou santo

Com Nuno, guerreiro ou santo, a cidade também vive às costas dele…
Consta que era excessivamente puritano e inimigo das mulheres e que, apesar de tudo, não se dava nada mal com os fidalgos castelhanos…
É difícil acreditar em tudo o que se diz, e isso já nada importa, o que vale é ouvir-lhe a história e deixar-se levar pelo brilho da cidade e ainda pelo espanto de ouvir um brejeiro adolescente espanhol ensaiar para um público familiar a primeira quadra de um soneto - aplaudida com entusiasmo…
Que pena não ter o ouvido do Fernão Lopes!

6.12.19

Nada falta nem a língua de pau!

Já não é o leão que ruge. Está em extinção, o rei da selva! À falta dela, nem o circo ou o zoo o podem salvar... Domesticá-lo também não faz sentido, a não ser em Alvalade.
Ligo a televisão e vai por aí uma tal confusão, com uns a entrar e outros sair, que já não sei para que servem as igrejas e os tribunais - tudo se passa no mundo virtual.
Nada falta nem a língua de pau!
Só uns tantos estão a mais - os idosos, os reformados, os doentes, os sem-abrigo, os desempregados, os precários, os enfermeiros, os professores, os polícias, os agricultores, os pescadores e até uma boa parte dos doutores… De qualquer modo, os sicários já começaram a afiar as facas.
E ainda se queixam do clima! Viva o Menino Jesus e o negócio do Natal! 

5.12.19

Zurzidela

«Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade, e a hiperexcitação.» Bernardo Soares, Livro do Desassossego

Já só há um manicómio, a Terra toda - o planeta dos estúpidos, onde 'os inteligentes são igualmente estúpidos' Fazer-se passar por inteligente deixou de ser necessário à falta de interlocutor… Só o silêncio poderá pôr cobro à vertigem destruidora…
No entanto, até o silêncio é estúpido porque é humano. Já pensei em medir o silêncio, mas sou incapaz porque não consigo libertar-me desta tendência para zurzir a torto e a direito...

4.12.19

(Des)contextualizando

«Quando nasceu a geração, a que pertenço, encontrou o mundo desprovido de apoios para quem tivesse cérebro, e ao mesmo tempo coração. O trabalho destrutivo das gerações anteriores fizera que o mundo, para o qual nascemos, não tivesse esperança que nos dar na ordem religiosa, esteio que nos dar na ordem normal, tranquilidade que nos dar na ordem política. Nascemos já em plena angústia metafísica, em plena angústia moral, em pleno desassossego político.» Bernardo Soares, Livro do Desassossego

A geração de Fernando Pessoa / Bernardo Soares, nascida no final dos anos 80 do século XIX e entrada na vida adulta na segunda década do séc., é aqui retratada como se tivesse sido empurrada para um beco sem saída… O retrato parece acertado…
No entanto, eu, que nasci na década de 50 do século passado, ao ler este fragmento de Bernardo Soares, vejo-me a pensar que a minha geração, do ponto de vista religioso, era descrente; do ponto de vista doméstico,  vivia à deriva. E quanto ao rumo político, parte da minha geração vivia na completa ignorância, formatada numa ideologia aviltante…
A verdade é que a angústia e o desassossego cresciam no esplendor do existencialismo e, sobretudo, nos campos rubros de papoilas povoados por orquestras anestesiantes, idolatradas como se os deuses tivessem descido à terra.
(…)
E hoje, por onde é que andam a religião, a moral e a ideologia? Há quem as veja nas mesquitas, nos areópagos, nos cais. Em cascatas ou em fiapos…

3.12.19

Gretado

Sinto-me gretado!
Dito deste modo, até parece que sou mais um dos fãs da jovem Greta. Compreendo o espírito da sua cruzada, mas nunca fui adepto de causas fraturantes…
Todos sabemos que a maioria das populações nada pode fazer para combater as causas das alterações climáticas nem mesmo para assegurar a sua própria sobrevivência. 
As decisões fundamentais têm de ser tomadas por meia dúzia de nações que há muito contribuem para o atual estado de coisas e que insistem que não há qualquer problema.
Como diria Bernardo Soares: «Uns inteligentes, outros estúpidos, são todos igualmente estúpidos. Uns velhos, outros jovens, são da mesma idade. Uns homens, outros mulheres, são do mesmo sexo que não existe.» 
E é esta a história da Humanidade. Raramente, os inteligentes conseguiram alterar o rumo traçado pelos estúpidos.

2.12.19

Capas

É isso, o povo gosta de capas!
O povo capado satisfaz-se com capas…
Outrora, também gostava do suco, do tutano, da seiva.
(…)
Por mim, não sei do que gosto, mas sei do que não gosto - de capas, de máscaras.
Bem sei que elas dão jeito para sairmos janotas, pobres idiotas.

1.12.19

Abre-se a Serra

Alvados, Gruta
Abre-se a Serra e do interior jorram formas múltiplas capazes de nos fazer sonhar com outras vidas, silenciosas e milenares…
Apenas sonhar, porque o tempo nos falta para lhes acompanhar o movimento e a linguagem. Sim, porque a Serra fala uma língua particular diferente, por exemplo, da do mar.
À superfície, no entanto, o vento continua a soprar e o trovão a ribombar, lembrando-nos quão pequenos somos se não nos recolhermos a meditar.
Para quê, pode alguém perguntar… Talvez para que a alma possa voltar a vibrar antes que o corpo nos falte, de vez.
O resto, a própria pátria, não passa de ilusão.